Surdez, cegueira e memória
Entre ser cego e ser surdo, o que escolheria se tivesse que escolher? É um exercício difícil, em que temos que separar o caso de deficiência à nascença ou adquirida em vida. Pensar como seria se não tívessemos qualquer destes sentidos desde que nascemos é um exercício contrafactual muito difícil. Pormo-nos na pele de alguém que nunca viu nada ou que nunca ouviu nada, e tentar escolher o mal menor, é tarefa complexa. Já pensar na diferença entre perder um desses sentidos em idade adulta não é tão difícil de ponderar.
O surdo está mais afastado dos outros, porque não se apercebe do ritmo da vida, nem sequer de si próprio. Um surdo que fale é qualquer coisa de muito estranho. Alguém que não pode ouvir música, nem o barulho do mar. O cego percepciona tudo e apenas não vê com a visão. Socialmente pode ser mais estigmatizante, mas talvez apenas à superfície, porque a deficiência é mais fácil de identificar. Mas perder qualquer dos sentidos em idade adulta é também ter a recordação dolorosa do antigamente. Alguém que nunca (ou)viu não sofre tanto porque não sabe o que perde. Mas a recordação, sendo dolorosa, pode ser também reconfortante. A memória é algo que corrói, que mata, mas também aquilo que permite sermos algo mais que uma folha pairando no ar. Surdo ou cego, o que escolheria?
O surdo está mais afastado dos outros, porque não se apercebe do ritmo da vida, nem sequer de si próprio. Um surdo que fale é qualquer coisa de muito estranho. Alguém que não pode ouvir música, nem o barulho do mar. O cego percepciona tudo e apenas não vê com a visão. Socialmente pode ser mais estigmatizante, mas talvez apenas à superfície, porque a deficiência é mais fácil de identificar. Mas perder qualquer dos sentidos em idade adulta é também ter a recordação dolorosa do antigamente. Alguém que nunca (ou)viu não sofre tanto porque não sabe o que perde. Mas a recordação, sendo dolorosa, pode ser também reconfortante. A memória é algo que corrói, que mata, mas também aquilo que permite sermos algo mais que uma folha pairando no ar. Surdo ou cego, o que escolheria?
3 Comments:
... que o diabo escolhesse a cegueira; montanhas, rios e mulheres também se ouvem
By jmnk, at 2:40 da tarde
De nascença preferia nascer surdo a cego. Acho que não ver o mundo seria uma coisa muito desagradável. A primeira forma de sentirmos as coisas é pela visão.
Mas se tivesse que perder depois de ter visto e ter ouvido - hoje - preferia ser cego. Rapidamente me habituaria a caminhar de óculos escuros, mas recordaria através da memória e da descrição dos outros - o que quer que de novo (não) visse.
Mas perder a audição em idade adulta acho que é pior, é dum isolamento tremendo. Enfim, venho o diabo e escolha. E o diabo seja cego, surdo e mudo, como sempre diz a minha mãe.
By T. M., at 4:29 da tarde
De nascença venha o diabo e escolha, mas se tivesse de perder alguma coisa, que fossem a visão, porque do que ouço vivo eu. E do resto, olha, a memória tem uma estranha maneira de seleccionar as coisas, mas precisamos dela mesmo assim. E para evitar despertares das memórias mais dolorosas, antes perdesse a vista, que assim, olhos que não vêem, coração que não sente. Ou então, sente, mas pelo menos não tem de ser torturado pelo estímulo visual. Pode ser que assim se aproveite tudo o que normalmente se rejeita porque nao se parece nada com ...
By Ginja, at 4:44 da tarde
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