aforismos e afins

13 setembro 2005

Poupança e Incentivos

Comentário ao artigo de Martim Avillez Figueiredo, no DE:

1. Dizer que "poupar é melhor que gastar" não diz muito e parece cair no erro típico de esquecer que em tudo na economia (para não dizer na vida) há custos e benefícios, que precisam de ser medidos e confrontados. A poupança é necessária? Sim. Mas há uma "taxa óptima" de poupança, tal como há uma taxa óptima de investimento, ou de endividamento, quer das famílias quer das empresas. Não há "bons" e "maus" aqui. Por exemplo, o endividamento das famílias para comprar casas é "bom" na medida em que sinaliza que elas puderam aceder aos seus rendimentos futuros (via empréstimo) num mercado liberalizado (pensem em comprar casa em Cuba). Mas também pode ser "mau" se for excessivo e comportar um risco excessivo quer para o indivíduo, quer para o banco, quer para o sector financeiro. O “óptimo” aqui não é “inimigo do bom” mas sim "o ponto onde o “bom” e o “mau” se encontram e ficam empatados";

2. O endividamento externo não é necessariamente mau e isto constitui outra falácia dentro do mesmo género, apenas parcialmente desculpável por alguma "simplicidade" requerida no jornalismo. Um país que esteja a crescer a uma taxa mais alta que aquela a que consegue pedir emprestado, deve endividar-se, tal como sucede para uma empresa, com a diferença (imporatnte) que tem a ver com questões de dependência política e geoestratégia. Mas, de um ponto de vista estritamente financeiro, se a rentabilidade é maior que a taxa de juro paga, deve-se investir. E deve-se investir exactamente até ao ponto em que a taxa de retorno é igual à taxa de juro. O ponto crucial é que há um “custo de oportunidade” que tem de ser tido em conta: dinheiro que não é investido num projecto com rentabilidade de X% custa “de facto” X%. Logo, se conseguirmos obtê-lo a Y% < X%, façamo-lo para lucrar a diferença;

3. A taxa de poupança por si só não explica muito (tal como "nada" por si só explica muito na teoria do crescimento económico). Na China uma taxa de poupança alta pode ser parte da “receita” de sucesso (ou, talvez melhor, das “condições de arranque”) mas temos o exemplo dos EUA, que sendo o país mais rico do mundo tem um dos maiores endividamentos ao exterior (justificáveis pelo dólar, certo, mas ainda assim constituindo um contra-exemplo). O ponto é novamente não simplificar em demasia: a poupança não é nenhuma panaceia e devemos evitar a “manobra estatística” de seleccionar de uma pool de casos de sucesso de crescimento económico aqueles que têm taxas de poupança estridentes, apenas para (tentar) fazer o ponto;

4. A questão da "legitimidade" dos benefícios fiscais é mal posta, quanto a mim. A legitimidade tem a ver com os compromissos eleitorais. A questão base que se põe aqui tem três vectores: i) eficácia - ter os resultados pretendidos; eficiência - ter resultados (quaisquer que sejam) da forma mais barata possível; e iii) justiça/equidade - a medida ter resultados que são "desejáveis". O ideal será conjugar os três. A justiça/equidade pertence à esfera normativa e é natural um governo eleito democraticamente poder fazer as suas escolhas. Da eficácia e eficiência fala-se a seguir;

5. Tornar os benefícios “universais” é eliminar os benefícios e apenas subsidiar a poupança em geral. É natural, como refere o estudo do INE, que sejam os contribuintes com maiores rendimentos a beneficiar mais destes produtos. Porquê? Simplesmente porque não têm restrições de liquidez e podem afectar parte das suas poupanças e preencher os tectos máximos de deductibilidade. Será isto mau? Não. A falácia aqui é dupla: por um lado, porque os contribuintes com menores rendimentos poderão também mudar os seus comportamentos, ainda que em menor grau; por outro, mesmo que apenas os mais ricos o façam, isso em si é - ainda que não enormemente - positivo. É aqui que está o busílis da questão. Pensemos no exemplo dos PPR’s.

Um consumidor tem três escolhas grandes a fazer: consumo (C ), poupança “normal” (PN), e PPR’s que o Estado subsidia via benefício fiscal (PPR). Imaginemos que o indivíduo tem rendimento 100. Inicialmente gasta 85 em C, 15 em PN e 0 em PPR. Quando o Estado passa a subsidiar PPR’s, ele poderá continuar com C = 85 e afectar 5 de poupança aos PPR’s, ficando com PN = 10 e PPR = 5. É isto mau? Não. Porquê? Porque os PPR’s têm regras específicas e constituem de facto uma forma de poupança diferente da PN. O intuito principal por detrás do incentivo aos PPR’s é "incentivar" (uma espécia de “convidar” convincente) o contribuinte a pensar no futuro, ganhar responsabilidade, consciencializar-se das escolhas que tem de fazer na sua vida como um todo, e diminuir a dependência face ao Estado “paternalista” que ele julga que sempre estará lá para tomar conta dele. [Veja-se (o tom d)a nossa "bendita" Constituição].

O sistema actual de Segurança Social está a caminho da banacarrota. Medina Carreira e tantos outros já o disseram dezenas de vezes. O caminho tem que passar por – com maior ou menor progressividade – complementar o sistema público com um sistema privado de gestão e pensões de reforma. O dinheiro investido em PPR’s não tem a mesma liquidez que um depósito a prazo ou um fundo de investimento. Só pode ser acedido antes da reforma em circunstâncias muito especiais. Não pode ser utilizado para comprar carro, casa, ou ir de férias. Por esta razão, mesmo que apenas haja uma reafectação dos níveis de poupança inicial, isso em si já é bom.

E isto é, como diz MAF no final, o pagamento de um “prémio” por uma poupança já existente. Mas é pagar um prémio para “converter” essa poupança já existente numa poupança que tem certas regras e que ajuda a diminuir a dependência face ao Estado. No limite – e em termos puramente teóricos – uma subida na taxa de poupança (via benefício fiscal) pode levar a que o consumo aumente e a poupança global diminua (a poupança com benefícios não pode diminuir). Isto acontece se o “efeito rendimento” for superior ao “efeito substituição” no agregado. O efeito substituição faz o consumo baixar porque está relativamente mais “caro” face à poupança, que é relativamente mais atractiva com os benefícios fiscais. O efeito rendimento faz o consumo subir (se for um “bem normal”) porque os benefícios fiscais fazem aumentar o rendimento real do agregado. Se este aumento for suficientemente grande, o consumo pode aumentar, apesar de o incentivo na margem ser para uma diminuição nele.

A mudança de atitudes dos portugueses, nomeadamente a caminho de uma maior "autonomização", passa por certo tipo de políticas. Menos Estado, mas também um Estado certo, que onde existe emite sinais que apontem para caminhos virtuosos e que promovam o "bem comum". E a consciencialização de que parte da reforma de cada um deve ser descontada de forma directa é uma etapa urgente. É que todos sabemos que quando uma certa aversão à eficiência reina supostamente em defesa de uma certa equidade, o sistema colapsa e todos ficam iguais, mas na miséria.

PS: Como refere LP nos comentários ao artigo citado, seria urgente inserir no programa lectivo uma formação minima em finanças, para que o jovem saiba minimamente pensar sobre onde e como investir o dinheiro. Mas no sistema de ensino há muita coisa que devia ser inserida, e isso não cabe aqui.