aforismos e afins

05 novembro 2005

Re: Comportamento humano e neuroeconomia

Caro João, eu nunca disse que as "causas genéticas" eram as únicas relevantes. Apenas disse que eram relevantes. Ainda agora estava na palheta com uma amiga que me dizia que o balanço de nature vs nurture como "explicativo" do comportamento humano era (em média) 40-60%. Os números são o menos. O que importa é reconhecer que os genes têm muita força e que o contexto social e o entendimento de si próprio - como tu referes - também têm. O que me custa entender são os teus "sustos" e a tua aversão a achar que possam haver fenómenos causais por detrás do comportamento humano. Não sei isso é anti-economicismo levado ao extremo ou se é mesmo aversão à teoria de Darwin.

Há uma razão que devia ser óbvia para perceber que as ciências naturais têm que ter algo a dizer sobre o comportamento humano: é que nós humanos também evoluímos, como evoluíram todas as espécies. A não ser que te tenhas tornado um criacionista! Claro que concordo contigo que a acção humana muitas vezes é context-dependent. Mas no mundo animal também o é - vê isto. Tu não tens obrigação de saber de biologia e das implicações que a teoria evolucionista teve nas ciências sociais. Mas como amante-da-sabedoria acho que devias ter menos certezas e menos aversão a opiniões desconhecidas. O Selfish Gene é um livro imprescindível para (ajudar a) compreender o comportamento humano. Não é suficiente, claro que não! É apenas necessário.

Quanto à neuroeconomia, vê este excelente post do João Aldeia. Eu não pretendi dizer que ela "explicaria tudo". Nem que permitiria "entender tudo". Apenas pretendi dizer que o estudo de certos fenómenos sobre os quais a economia se debruça terá muito a ganhar se for mais atrás no processo de decisão dos agentes. Que muitas vezes é inconsciente. Mas analisando as áreas do cérebro que são estimuladas quando tu decides, por exemplo, ser mais "equitativo" do que na previsão dum modelo "100% egoísta", podes entender o que está por "detrás" disso. Vê isto. Só para não restarem dúvidas: eu não pretendo que isso consiga explicar "todo" o comportamento humano. Eu não acho que a economia seja suficente para tal. Acho é que tem muitos contributos a dar, o que talvez tu não partilhes. E no que tem a contribuir, só tem a ganhar se for mais flexível e não tomar tantas hipóteses à priori. Esse é um dos contributos principais desta entrevista a Aumann.

Logo que puder, publicarei a 2ª parte desse dueto de posts, onde ele defende (e exemplifica brilhantemente) o quão importante é a interpretação evolucionista para perceber o comportamento humano. Muito mais que a interpretação "racionalista", que implica uma certa consciência do comportamento maximizador do agente. E aqui, ao contrário do que acontece no debate mais largo sobre "o objectivo da ciência", eu posso substituir "perceber" por "explicar" ou "entender". Porque as palavras adquirem um sentido mais lato neste contexto. Mas se o "explicar" te assuta assim tanto, eu não me importo nada de usar o "entender" o tempo todo. Para não restarem dúvidas sobre o meu não-positivismo-lógico.

E recordo ainda Aumann: «Having said this, let me add that game theorists argue too much about interpretations. Sure, your starting point is some interpretation of Nash equilibrium; but when one is doing science, you have a model and what you must say is: What do we observe? Do we observe Nash equilibrium? Or don't we observe it? Now, why we observe it, that's a problem that is important for philosophers, but less so for scientists.» Acho que é crucial perceber bem essa subtil diferença daquilo que é relevante para a filosofia e para a ciência. De modo a que cada uma faça o seu trabalho sem desnecessário prejuízo da outra.

15 Comments:

  • Tiago acho que nao percebeste bem o meu ponto. O meu problema e que eu acho que aplicar Darwin aos humanos enquanto cultural beings e problematico em si mesmo. Isto nao rejeita Darwin, mas apenas tenta limitar a sua influencia no estudo do comportamento humano. Darwin tem uma logica de adaptacao e sobrevivencia. Podemos dizer que a cultura tambem se adapta e sobrevive mas o problema e que aquilo que e fittest e stronger depende ela propria de uma interpretacao cultural que e necessariamente historicamente variavel. A nao ser que tenhas uma concepcao teleologica da historia (como o hegel que ve o avanco da historia como a realizacao da liberdade) nao podes definir (numa perspectiva evolutiva) aquilo em que consiste a evolucao humana. Podes dizer que biologicamente o homem mudou, mas mesmo essa evolucao e dependente de mutacoes culturais (repara que nao usar o termo evolucao mas mudanca e mutacao e fundamental). Cultura e determinante (e condiciona a natureza biologica do homem e nao o contrario). Dou-te um examplo. Em vez de veres a historia humana em termos de evolucao biologica ou genetica, podes pensar na historia humana como uma emancipacao face a natureza (parece-me que a logica evolutiva de Darwin nao se aplica pois o meio ambiente ao qual o homem se adapta nao e natural mas cultural)
    Isto e uma discussao muito interessante, vamos prolonga-la e torna-la publica. O que te parece?
    Abracos -e nao te ofendas com os meus anti-economicismos...
    O meu problema com o selfish gene e que ignora cultura (ou entao diz que cultura e determinada pelo selfish gene). O selfish gene parece-me cair no erro (corrige-me se estiver a fazer uma interpretacao abusiva do selfish gene)de atribuir uma teleologia evolutiva, uma narrativa na qual a cultura passa a ser um produto de algo nao cultural...O selfish gene assume o papel de uma especie de agente historico e cais numa metanarrativa (tipo Fukuyama)genetica que me parece que de humano tera muito pouco

    By Blogger Joao Galamba, at 2:42 da manhã  

  • As causas genéticas são importantes? Sim. O contexto (ou cultura) é importante? Também, claro que sim. Mas, por vezes, esquecemo-nos de um factor essencial para a compreensão da evolução do Homem (ou da civilização): o factor ambiental. Claro que podíamos encastrar isso no "contexto", mas estou a falar do ambiente mesmo ao nível geográfico. Deixo aqui o meu contributo para a lista de livros que têm sido sugeridos neste interessante debate: “Armas, Germes e Aço – Os destinos das sociedades humanas”, de Jared Diamond. Fundamental (na minha opinião).

    By Anonymous Anónimo, at 3:00 da manhã  

  • Meus lindos (Tiago e João), não querendo puxar a brasa à sardinha de um de vós, deixo mais uma sugestão de leitura (julgo que ainda não referida por vós): The Meme Machine, Susan Blackmore. O prefácio é do Dawkins e o livro vai direitinho (em parte) ao comentário do João.
    Beijos,
    Inês S.

    By Blogger inês s., at 8:52 da manhã  

  • Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

    By Blogger Joao Galamba, at 10:28 da manhã  

  • Obrigado a todos pelos preciosos comentários e as recomendações de leitura, que sáo sempre muito bem vindas.

    João: acho que sim, que é interessante torná-la pública. Tenho que responder ao que dizes aqui, mas preferes escrever um post e depois ter resposta? Acho que é um debate frutuoso, e fora das caixas dos comments é mais provável de trazer outros preciosos contributos de outras pessoas.

    Digo só isto:

    "Cultura e determinante (e condiciona a natureza biologica do homem e nao o contrario). Dou-te um examplo. Em vez de veres a historia humana em termos de evolucao biologica ou genetica, podes pensar na historia humana como uma emancipacao face a natureza (parece-me que a logica evolutiva de Darwin nao se aplica pois o meio ambiente ao qual o homem se adapta nao e natural mas cultural)"

    Aqui mostras demasiado extremismo. Lembra-te que o homem só é homem porque se "tornou" homem. O seu cérebro foi aumentando. As suas capacidades evoluiram. Só com essa eviolução é que ele pode criar uma linguagem como a conhecemos. Sõ com essa evoluação é que ele se foi tornando (auto) consciente. Porquê? POrque ambas - a linguagem, a consciencia - serviam o purpose principal: a luta pela sobrevivência.

    A partir do momento (Ok, não é um momento "específico" no tempo, tipo um dia ou uma hora) em que ele já "é" homem, claro que a cultura influcencia - doutro modo o homem não teria mais evoluido (este "evoluido" é apenas positivo e nao uma apreciação).

    Vou deixar aqui breves trechos do Selfish Gene e, mais uma vez, desafio-te a responderes (mesmo apenas com o que escreveste acima) num post, que eu copio/adapto isto para outro post, para a discussão ser amis frutuosa:

    "We are survival machines - robot vehicles blindly programmed to preserve the selfish molecules known as genes. This is a truth which still fills me with astonishment. (...)

    We no longer have to resort to supersticion when faced with the deep problems: Is there a meaning to life? What are we here for? What is man? After posing the last of these questions, the eminent zoologist G. G. SImpson put it thus: 'The point I want to make now is that all attempts to answer that question before 1859 are worthless and that we will be better off if we ignore them completely' (...)

    My purpose is to examine the biology of selfishness and altruism. (...) Teh argument of this book is that we, and all other animals, are machines created by our genes. (...) I shall argue that a predominant quality to be expected in a sucessful gene is ruthless selfishness. This gene selfishness will usually give rise to selfishness in individual behavior. However, as we shall see, there are special circumstances in which a gene can achieve its own selfish goals best by fostering a limited form of altruism at the level of individual animals (...)

    I'm NOT advocating a morality based on evolution. (...)

    É pá, tou cansado de copiar excertos - acho que vou publicar no Mao Invisivel, para nao adiantar demasiado o debate aqui. Abraços fortes e sinceramente epistemológicos,

    By Blogger Tiago Mendes, at 10:48 da manhã  

  • Minha querida Ines,

    Tudo o que eu disse de memes aplica-se igualmente aos genes. Ambos fazem com que a cultural se torne numa especie de epifenemeno da genetica.
    E engracado como existe uma certa obsessao com a simplificacao de fenomenos humanos. Como se fosse necessario impor uma certa ordem, uma narrativa explicativa que revele as causas ultimas. Isto, minha cara, e religiao por outros meios. Cientifica sem duvida, no fundo a sua motivacao nao passa de metafisica.
    Beijinhos

    By Blogger Joao Galamba, at 12:02 da tarde  

  • " Ambos fazem com que a cultural se torne numa especie de epifenemeno da genetica."

    Nada disso, Jão! Vê os excertos minimais que publiquei no Mão Invisivel.

    "E engracado como existe uma certa obsessao com a simplificacao de fenomenos humanos."

    Não é "obsessão" - é "método". Para conhecer, há que muitas vezes simplificar. Claro que há quem prefira RELTIVIZAR tudo e assim não chegar a nada! Mas isso é ciência ou isso é que é verdadeiramente religiaõ? Na aversão a toda e qualquer forma de conhecimento "factual"?

    "Isto, minha cara, e religiao por outros meios. Cientifica sem duvida, no fundo a sua motivacao nao passa de metafisica."

    Como é que podes dizer isto, João? Não percebo. Lembra-te de Popper. O que não é ciência (por exemplo) é a escola austríaca que tantos fás tem por essa blogosfera (em termos de metodologia, não de conteúdos). COmo é que podes dizer que a motivação é metafísica?

    "Como se fosse necessario impor uma certa ordem, uma narrativa explicativa que revele as causas ultimas."

    Ninguém quer impor "ordem" nenhuma. Apenas se tenta estudar os problemas que envolvem a existência e o mundo que nos rodeia. Afinal tu queres explciar alguma coisa ou não? OU apenas que nada é explicável?

    Eu parece-me que tu levas de forma demasiado exclusiva as ideias de Heidegger e Wittenstein. Digo "exclusiva" no sentido de entenderes que fora da "linguagem" e fora do "being-in-the-world" nada é possível.

    Volto a lembrar as palvras de Aumann sobre a distinçaõ do que deve mover a filosofia e a ciência... é preciso algum cuidado maior quando falamos de ciência, quanto a mim. A ciência é, por definição, falsificável. O facto de ela estudar "causas" não devia, quanto a mim, "assustar-te" tanto.

    Essa tua aversão ao "conhecimento científico" assusta-me verdaadeiramente. Ninguém diz que o "being-in-the-world" não é importante. Nem a cultura. Nem o que nos rodeia. Já tu dizeres que isso NÃO PERMITE certas formas de conhecimento, parece-me, enfim... no mínimo "religião".

    PS: Depois respondo com mais calma em post.

    By Blogger Tiago Mendes, at 12:18 da tarde  

  • Bom debate! Escrevi um pouco sobre ele aqui:
    http://puraeconomia.blogspot.com/2005/11/contextualizao.html

    By Blogger Joao Augusto Aldeia, at 11:51 da tarde  

  • Obrigado, caro João. Já vi e linkei acima numa actualização. Vou agora ler com atenção o post em si!

    By Blogger Tiago Mendes, at 12:13 da manhã  

  • Bela discussão! Ainda há poucos dias falei disto com um prof., mas no contexto do desenvolvimento infantil. Acho que entre a ciência e a cultura a humanidade en soi même, como caso de estudo, prova ser um fenomenal contra-exemplo a certas ideias da velhinha escolástica segundo a qual (isto numa perspectiva criacionista, claro) uma coisa imperfeita não pode gerar outra melhor ou mais completa do que ela . Algures entre o nosso antepassado primata e isto, deve ter havido a tal revolução genética, mas tenho as minhas reservas quanto à primazia contínua dos genes, dado que a evolução humana não se processa apenas no âmbito das mutações biológicas, mas também no âmbito de mutações culturais. Entenda-se cultura como , precisamente, o cultivo, ou se quiserem, a preservação de determinados comportamentos . Obviamente que todo o comportamento básico tem uma origem, em última análise, biológica. Mas julgo poder dizer que a partir do momento em que fazemos a escolha cultural, ética etc., já estamos a ultrapassar o domínio dos genes, mesmo que no fundo estejamos a servir o mais biológico de todos os fins, que é sobre-viver o melhor possível. E a partir desse momento, todas as possibilidades latentes nos genes não são mais do que janelas incoactivas à espera de um estímulo exterior. Se ele não vem, toda a possibilidade não passará de uma promessa. Eis que os genes são basilares, mas não se bastam a si próprios. Nature vs nurture ... Até me faz lembrar um exemplo prático, um caso a curto prazo : porque funciona o método suzuky em música ? Não tem nada a ver com forçar as crianças a fazer isto ou aquilo, ou estandartizar o ensino musical. Tem a ver só e apenas com motivação da criança, gerada pelo modo como professores e pais estão presentes no seu crescimento musical, e, por extensão, pessoal. "Nurtured by love" , um dos principais lemas desta pedagogia. E de repente aparecem gerações e gerações com ouvido absoluto e com capacidades que nos parecem extraordinárias. De resto são crianças normalíssimas, fazem tudo o que outros fazem, querem ser polícias e bailarinas quando crescerem. Essas "aptidões" sempre estiveram lá, e não pediram grandes sacrifícios para se fazerem notar, mas ... foi preciso haver contexto . E nem sempre o contexto vem de dentro .

    By Blogger Ginja, at 1:29 da manhã  

  • Acho que um bom livro e muito adequado a estes temas é "A Rainha de Copas - O Sexo e a Evolução da Natureza Humana" de Matt Ridley.
    Acho que este debate é bastante interessante mas a conclusão final deverá ser um ponto intermédio. Uma característica não aparece se não tiver uma base genética (é difícil uma criança aprender música se o seu ouvido não for capaz de ouvir os sons) mas também se não houver um contexto propício os genes poderão estar lá e não terem qualquer efeito (uma criança tem tudo o que é necessário para desenvolver uma linguagem mas se viver isolada de tudo não irá falar). O ponto de vista que este livro traz, e com o qual concordo, é que os genes e o ambiente complementam-se e que de facto não são opostos.
    Espero ter contribuido positivamente para este debate.
    Cumprimentos a todos.

    By Blogger Desenho Desanimado, at 9:43 da manhã  

  • Caras Ginja e Desenho Desanimado:

    Obrigado pelos comments. Reiterava apenas que em nenhum lado aqui se disse que os genes explicam "tudo". Nada disso. O João Galamba é que se mostrou irredutível a sequer achar que eles possam ter uma grande importância - ainda por cima, por sugestão que eles seriam "causais"! Ah! É que nada no homem pode ter "causas", estão a ver a deriva anti-cientifica dele? Tudo tem que ser contextualizado, etc.

    O meu ponto é alertar para este extremismo anti-científico, que como eu já lhe disse várias vezes, parece-me que vem duma interpretação excessiva (para não dizer exclusiva) de Heidegger e WIttgenstein.

    "dado que a evolução humana não se processa apenas no âmbito das mutações biológicas, mas também no âmbito de mutações culturais."

    GInja: é curioso que quando escreves isto já usas a palavra "evolução" :)

    "O ponto de vista que este livro traz, e com o qual concordo, é que os genes e o ambiente complementam-se e que de facto não são opostos."

    DD: é isso mesmo. Vou recomendar o livro (que não li).

    By Blogger Tiago Mendes, at 10:54 da manhã  

  • Exacto, essa interacção genes-contexto acaba em último caso por exigir reciprocidade para que haja sucesso. Porque se é verdade que o genes sozinhos não realizam todas as suas possiilidades, também é verdade que ambiente e contexto só ganham relevo a partir do momento em que têm matéria sobre que actuar . Logo, parece-me que quando a relação funciona dilui-se em muito toda a querela acerca de primazias absolutas.

    By Blogger Ginja, at 1:28 da tarde  

  • Tiago,

    Para uma visão "um pouco diferente" da avançada por Dawkins sugiro outro autor relativamente ao papel "real" da selecção natural: S. jay Gould e a teoria dos equilibrios pontuados (aqui http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?cmd=Retrieve&db=pubmed&dopt=Abstract&list_uids=8232582&query_hl=1 ou aqui http://www.pnas.org/cgi/reprint/91/15/6764). É aliás interessante como esta teoria é mais tarde aplicada ao problema dos padrões da Mudança. Em jeito de provocação diria que é mais uma vez as Biological Sciences one step ahead of Economy ones!!

    Tema mto bom
    Filipe

    By Anonymous Anónimo, at 10:53 da tarde  

  • Obrigado, Filipe, está anotado!

    Se quiseres aparece também na discussão do ultimo MEGA post sobre ciência :)

    Abraço,

    By Blogger Tiago Mendes, at 11:02 da tarde  

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