aforismos e afins

13 fevereiro 2005

Pessoalismos 35 [escritos autobiográficos18]

[Rascunho de uma carta ao director de Answers]

"Tenho trinta e oito anos e sinto-me mais novo cada ano, porque todos os anos estou mais próximo de nunca ter realizado coisa alguma na vida. A realização envelhece-nos. Tudo tem o seu preço; o preço da realização é a perda da juventude. Só a falta de objectivos e um modo de vida inconsequente - se a palavra «modo» pode ser aplicada a uma tal ausência de rumo - nos mantêm jovens. Não me casei e por isso mantive-me livre tanto dos prazeres especiais como dos cuidados próprios dessa espécie de parceria; e o bem e o mal desse estado são igualmente envelhecedores. Nunca assentei numa profissão ou num rumo de vida, nem sequer numa opinião que durasse mais que o minuto passageiro em que foi defendida. Nunca tive uma ambição que um belo dia (e Lisboa tem sobretudo dias belos, em todas as estações) ou um vento leve não dissipassem e reduzissem a um sonho agradável e acidental. Nunca fiz um esforço real atrás de coisa alguma, nem apliquei fortemente a minha atenção excepto a coisas fúteis, desnecessárias e ficcionais. Sinto-me jovem porque tenho vivido a vida desta maneira. Dirá o senhor que não prestei qualquer serviço à humanidade, seja o que for que «serviço» e «humanidade» signifiquem (...). Fico mais jovem todos os dias porque nunca fiz nada e não posso envelhecer. Os meus prazeres são simples porque nem sequer lhes peço que sejam prazeres para mim. Sou um espectador de mim próprio e dos tempos, e não me sinto menos sábio do que os grandes homens deste pequeno mundo. Sou, por isso, capaz, por um uso natural da imaginação e da fantasia, de extrair impérios de encontros casuais e de impingir novos mundos." [Alexander Search]