A qualidade da despesa pública está relacionada com todos os aspectos da despesa, mas, em particular, com o investimento. A ideia de que o investimento é sempre algo de bom é errada. (...) Hoje viveríamos melhor se certos investimentos não tivessem sido realizados.
Os últimos dez dias foram férteis em notícias económicas para o nosso país: o anúncio do Plano de Investimentos em Infra-estruturas Prioritárias (PIIP) (dia 3); a aprovação do Orçamento Rectificativo (dia 4); a resolução do Ecofin sobre o Programa de Estabilidade e as previsões do Banco de Portugal (dia 12); o relatório da missão do FMI (dia 14). Vale a pena fazer uma reflexão conjunta.
1 – O Ecofin – Conselho dos 25 Ministros das Finanças da União Europeia – apreciou o Programa de Estabilidade e Crescimento (Prec) para Portugal à luz das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) e fez um conjunto de recomendações a Portugal.
Dessas recomendações podem retirar-se as seguintes ideias centrais: (i) importância da redução do défice de forma rápida; (ii) dever de evitar operações financeiras que aumentem a dívida; (iii) controlo da despesa, melhorando a sua qualidade; (iv) garantia da sustentabilidade a longo prazo das finanças públicas. No “novo” PEC o limite de 60 por cento para a dívida passou a ter um papel mais central, a par do limite de 3 por cento para o défice. Estas ideias traduzem-se em políticas concretas que todos podem entender facilmente.
2 – A rapidez da redução do défice implica que o ajustamento previsto no Prec seja visto por Bruxelas como o ajustamento mínimo necessário. Tal impõe especiais responsabilidades num contexto de crescimento mais fraco. O Banco de Portugal e o BCE acabaram de tornar públicas as suas previsões económicas para 2005 e 2006, para Portugal e para a zona euro, que estão abaixo das anteriores, por razões de todos conhecidas. Assim, impõe-se uma cautela ainda mais vigilante na disciplina orçamental, o que pode implicar mais medidas de contenção da despesa, possivelmente já para 2006.
3 – A sustentabilidade a longo prazo das finanças públicas assenta em três aspectos: a Segurança Social, a Saúde e os investimentos públicos. A evolução demográfica mostra um envelhecimento acelerado da população portuguesa, ou seja, as despesas da Segurança Social e da Saúde têm uma tendência natural para crescer muito acima do PIB nominal.
4 – A Saúde tem vindo a desenvolver acções e programas de contenção da despesa e de melhor gestão dos recursos e das unidades de saúde; contudo, a tendência natural para o crescimento de tais despesas implicará medidas adicionais de contenção dentro de parâmetros que conciliem os objectivos orçamentais com imperativos de serviço público e de justiça social.
5 – A Segurança Social, no que se refere aos Funcionários Públicos (vulgo CGA/ADSE e outros regimes), tem um vasto e difícil programa de reformas que permitem poupanças significativas nos próximos anos, imprescindíveis à sua sustentabilidade financeira de longo prazo. Na Segurança Social (regime geral) estão ainda em fase de estudo as medidas que, analogamente, se destinam a concorrer para o mesmo objectivo, única forma de se manter a viabilidade do Estado Social.
6 – A qualidade da despesa pública está relacionada com todos os aspectos da despesa, mas, em particular, com o investimento. A ideia de que o investimento é sempre algo de bom é errada. Mesmo na economia familiar, cada um de nós já fez certamente investimentos de que se arrependeu. Hoje viveríamos melhor se certos investimentos não tivessem sido realizados. Consequentemente, uma boa decisão de investimento impõe a necessidade de uma análise prévia de rendibilidade. Por exemplo, quando se investe numa frota de carros de aluguer (despesa de investimento) não podemos esquecer que, no futuro, devemos fazer a sua manutenção (despesa corrente futura) e ter clientes que suportem a despesa corrente e a amortização do investimento (qualidade do projecto de investimento). Este simples exemplo chama a atenção para a difícil mas necessária selecção dos projectos de investimento. Caso contrário, hipotecamos, gastando em investimento, o presente e comprometemos o futuro com prejuízos de exploração.
7 – O mesmo se passa com o investimento público. A qualidade da despesa pública passa pela criteriosa e apertada selecção dos investimentos. Caso contrário, temos, hoje e no futuro, menos benefícios do Estado ou mais impostos. Note-se a este propósito que, historicamente, o crescimento económico tem uma vaga relação com a quantidade do investimento público realizado. Portugal, nas décadas de 1981-90, de 1991-00 e, mais recentemente, nos períodos de 1995-04 e 2000-04, teve esforços de investimento público praticamente constantes e rondando os 3,7 por cento do PIB. No entanto, o crescimento anual médio da economia não parou de cair de valores acima dos 3 por cento para cerca de 1 por cento! Pelo contrário, a Suécia, para os mesmos períodos, baixou drasticamente (para menos de um terço) o esforço de investimento público, tendo aumentado o seu crescimento para valores acima de 2,5 por cento. Certamente que melhorou a qualidade do investimento. Estes casos são exemplares, mas outros poderiam ser citados a este propósito.
8 – O investimento público é muito importante, mas a sua qualidade é o elemento crucial para contribuir para o crescimento económico sem pôr em causa a redução da dívida pública. Como é referido pelo FMI, o investimento público deve dar prioridade aos projectos com a maior rendibilidade económico-social possível. Naturalmente, na concretização do PIIP não deixará de se ter em conta estes aspectos. A boa qualidade do investimento público é fundamental para que este seja parte da solução da crise das finanças públicas e não parte do problema, ou seja, que promova efectivamente a retoma económica.
9 – O crescimento económico depende ainda, crucialmente, de vários factores como sejam a qualidade das leis, o funcionamento da justiça, a estabilidade das leis fiscais (só possível com finanças públicas em ordem) ou o nível de educação científica e técnica. Portugal enfrenta desafios urgentes. Em causa está o seu desenvolvimento e a necessária manutenção do Estado Social. Resolver o problema das contas públicas é apenas a condição necessária. Mas não é suficiente!
Luís Campos e Cunha, (então) Ministro das Finanças
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«Economia e Finanças»
A qualidade da despesa pública está relacionada com todos os aspectos da despesa, mas, em particular, com o investimento. A ideia de que o investimento é sempre algo de bom é errada. (...) Hoje viveríamos melhor se certos investimentos não tivessem sido realizados.
Os últimos dez dias foram férteis em notícias económicas para o nosso país: o anúncio do Plano de Investimentos em Infra-estruturas Prioritárias (PIIP) (dia 3); a aprovação do Orçamento Rectificativo (dia 4); a resolução do Ecofin sobre o Programa de Estabilidade e as previsões do Banco de Portugal (dia 12); o relatório da missão do FMI (dia 14). Vale a pena fazer uma reflexão conjunta.
1 – O Ecofin – Conselho dos 25 Ministros das Finanças da União Europeia – apreciou o Programa de Estabilidade e Crescimento (Prec) para Portugal à luz das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) e fez um conjunto de recomendações a Portugal.
Dessas recomendações podem retirar-se as seguintes ideias centrais: (i) importância da redução do défice de forma rápida; (ii) dever de evitar operações financeiras que aumentem a dívida; (iii) controlo da despesa, melhorando a sua qualidade; (iv) garantia da sustentabilidade a longo prazo das finanças públicas.
No “novo” PEC o limite de 60 por cento para a dívida passou a ter um papel mais central, a par do limite de 3 por cento para o défice. Estas ideias traduzem-se em políticas concretas que todos podem entender facilmente.
2 – A rapidez da redução do défice implica que o ajustamento previsto no Prec seja visto por Bruxelas como o ajustamento mínimo necessário. Tal impõe especiais responsabilidades num contexto de crescimento mais fraco. O Banco de Portugal e o BCE acabaram de tornar públicas as suas previsões económicas para 2005 e 2006, para Portugal e para a zona euro, que estão abaixo das anteriores, por razões de todos conhecidas. Assim, impõe-se uma cautela ainda mais vigilante na disciplina orçamental, o que pode implicar mais medidas de contenção da despesa, possivelmente já para 2006.
3 – A sustentabilidade a longo prazo das finanças públicas assenta em três aspectos: a Segurança Social, a Saúde e os investimentos públicos.
A evolução demográfica mostra um envelhecimento acelerado da população portuguesa, ou seja, as despesas da Segurança Social e da Saúde têm uma tendência natural para crescer muito acima do PIB nominal.
4 – A Saúde tem vindo a desenvolver acções e programas de contenção da despesa e de melhor gestão dos recursos e das unidades de saúde; contudo, a tendência natural para o crescimento de tais despesas implicará medidas adicionais de contenção dentro de parâmetros que conciliem os objectivos orçamentais com imperativos de serviço público e de justiça social.
5 – A Segurança Social, no que se refere aos Funcionários Públicos (vulgo CGA/ADSE e outros regimes), tem um vasto e difícil programa de reformas que permitem poupanças significativas nos próximos anos, imprescindíveis à sua sustentabilidade financeira de longo prazo. Na Segurança Social (regime geral) estão ainda em fase de estudo as medidas que, analogamente, se destinam a concorrer para o mesmo objectivo, única forma de se manter a viabilidade do Estado Social.
6 – A qualidade da despesa pública está relacionada com todos os aspectos da despesa, mas, em particular, com o investimento. A ideia de que o investimento é sempre algo de bom é errada. Mesmo na economia familiar, cada um de nós já fez certamente investimentos de que se arrependeu. Hoje viveríamos melhor se certos investimentos não tivessem sido realizados.
Consequentemente, uma boa decisão de investimento impõe a necessidade de uma análise prévia de rendibilidade. Por exemplo, quando se investe numa frota de carros de aluguer (despesa de investimento) não podemos esquecer que, no futuro, devemos fazer a sua manutenção (despesa corrente futura) e ter clientes que suportem a despesa corrente e a amortização do investimento (qualidade do projecto de investimento). Este simples exemplo chama a atenção para a difícil mas necessária selecção dos projectos de investimento. Caso contrário, hipotecamos, gastando em investimento, o presente e comprometemos o futuro com prejuízos de exploração.
7 – O mesmo se passa com o investimento público. A qualidade da despesa pública passa pela criteriosa e apertada selecção dos investimentos. Caso contrário, temos, hoje e no futuro, menos benefícios do Estado ou mais impostos.
Note-se a este propósito que, historicamente, o crescimento económico tem uma vaga relação com a quantidade do investimento público realizado.
Portugal, nas décadas de 1981-90, de 1991-00 e, mais recentemente, nos períodos de 1995-04 e 2000-04, teve esforços de investimento público praticamente constantes e rondando os 3,7 por cento do PIB. No entanto, o crescimento anual médio da economia não parou de cair de valores acima dos 3 por cento para cerca de 1 por cento!
Pelo contrário, a Suécia, para os mesmos períodos, baixou drasticamente (para menos de um terço) o esforço de investimento público, tendo aumentado o seu crescimento para valores acima de 2,5 por cento. Certamente que melhorou a qualidade do investimento. Estes casos são exemplares, mas outros poderiam ser citados a este propósito.
8 – O investimento público é muito importante, mas a sua qualidade é o elemento crucial para contribuir para o crescimento económico sem pôr em causa a redução da dívida pública. Como é referido pelo FMI, o investimento público deve dar prioridade aos projectos com a maior rendibilidade económico-social possível. Naturalmente, na concretização do PIIP não deixará de se ter em conta estes aspectos.
A boa qualidade do investimento público é fundamental para que este seja parte da solução da crise das finanças públicas e não parte do problema, ou seja, que promova efectivamente a retoma económica.
9 – O crescimento económico depende ainda, crucialmente, de vários factores como sejam a qualidade das leis, o funcionamento da justiça, a estabilidade das leis fiscais (só possível com finanças públicas em ordem) ou o nível de educação científica e técnica.
Portugal enfrenta desafios urgentes. Em causa está o seu desenvolvimento e a necessária manutenção do Estado Social. Resolver o problema das contas públicas é apenas a condição necessária. Mas não é suficiente!
Luís Campos e Cunha, (então) Ministro das Finanças
By Tiago Mendes, at 9:43 da manhã
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