aforismos e afins

22 julho 2005

Crise no Governo (7)

Vasco Pulido Valente, o crónico irascível (e imprescindível) da Nação, no Público de hoje [destaques meus]:

«Não há dúvida que o ministro das Finanças saiu, ou foi forçado a sair, por causa da sua oposição ao plano de investimentos de Sócrates, Manuel Pinho e Mário Lino. Não seria portanto mau começar por perceber esse plano. A justificação mais sofisticada vem curiosamente do pior nacionalismo reaccionário, retórico e antiespanhol: a Ota e o TGV impediriam que Madrid se tornasse o único "centro" da península. Mesmo levando a sério esta fantasia ideológica, não existe razão para supor que a Ota e o TGV fizessem no caso a menor diferença. Mas, por outro lado, têm a vantagem de encaixar perfeitamente nos vícios portugueses. Primeiro, não obrigam a qualquer reforma, ou qualquer mudança, da sociedade e do Estado. Segundo, ficam pelo terreno de uma tecnologia rasteira que não perturba nenhuma empresa ou funcionário indígena. Terceiro, alegram os lobbies abrem a porta a grandes negócios de terrenos. Sexto, criam emprego, embora não qualificado e precário. Sétimo, descansam o Governo, que, na sua irresponsabilidade, encomenda coisas majestosas, sem risco de falhar. E, oitavo, endividam o Estado.

Com tantos defeitos, tão intimamente nossos, era fatal que Sócrates se agarrasse ao TGV e à Ota. O antigo ministro das Finanças viu o que toda a gente viu: que o TGV e a Ota iam provocar despesas sem limite definido, ou definível, e que a prazo iam também comprometer drasticamente o equilíbrio financeiro do Estado e o crescimento económico do país. Sócrates não concordou com ele e o prof. Cunha, pensando talvez na sua reputação profissional, escreveu um artigo a explicar as suas dúvidas. Não sei se percebeu que a partir desse momento estava na rua ou se escreveu o artigo para o porem na rua. De qualquer maneira, a sua passagem pelo Governo revelou que ele presumia na política alguma racionalidade, para além do cálculo do interesse imediato e grosso. Erro fatal. Resta que bastaram a Sócrates 130 dias para se desacreditar. A demissão do prof. Cunha retira autoridade ao Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC) para Portugal apresentado na Ecofin; e suscita uma suspeita de fundo sobre o Programa de Investimentos em Infra-Estruturas Prioritárias e a necessidade das "medidas" que se anunciaram desavergonhadamente como "reformas" e que, no fundo, nem a remendos chegavam. Sócrates começa a repetir Barroso e até Santana: na desorientação, na vacuidade, na desordem. O melodrama voltou.»