aforismos e afins

28 junho 2005

Cunhal (6)

Há uns tempos, perguntaram-lhe se gostava desta pintura, desse livro, daquele filme... e o senhor deu uma resposta curiosa. Disse que não queria estar a dar opiniões pessoais para não influenciar os seus camaradas. Isso não será uma forma, embora muito sofisticada, de vaidade?
Não sei. Há pessoas muito espontâneas e eu gosto muito da espontaneidade. Não tenho o espírito da defesa, do cálculo e não luto pela promoção. Isso vem de uma educação anterior. Vem da clandestinidade em que ninguém se promovia. É uma formação ética. Em relação à literatura, ou à arte, creio que é um domínio que me é familiar. Não é que não esteja em condições de ter uma conversa sobre isso. Mas quando dou uma entrevista, em que sou solicitado como secretário-geral do partido, penso que os meus gostos e preferências podem ser interpretados como um posicionamento político. É o grande risco que correram, e com resultados negativos, alguns partidos comunistas em alguns países. Os dirigentes atreveram-se a transformar o seu próprio gosto, a sua opinião pessoal, numa ideia de partido. Essa é a coisa mais terrível que pode acontecer. Quando se tem uma certa responsabilidade a nível partidário, é necessária uma certa contenção. Por exemplo, a questão da arte. É sabido que em vários países socialistas houve uma política oficial e partidária relativa ao estilo e à forma. Procedeu-se quase a uma exclusão de formas de expressão que não estivessem de harmonia com a ideologia dos dirigentes, por vezes, com o gosto dos dirigentes. Os resultados foram muito negativos.
(...)
Só que há outra forma de culto da personalidade, que é a não exibição, a ocultação e o mistério. O senhor é tradicionalmente considerado um dos homens mais misteriosos da vida política portuguesa. Parece que joga com o segredo. Ninguém sabe sobre si aquele mínimo que se devia saber. Nem onde vive, nem as suas paixões.
Nem eu lhes vou contar!!!! Passar do culto da personalidade para uma reserva pessoal parece-me ser um salto muito grande. Há que definir que a autoridade de um militante pode ser reconhecida sem haver o culto da personalidade.

Quais são os limites da privacidade do político?
Vivi muitos anos na clandestinidade. Desde a minha juventude até ao 25 de Abril, com pequenos intervalos. Tenho uma experiência de vida que representou uma certa contenção da informação acerca da minha vida própria, não só a vida pessoal considerada em termos restritos, mas ainda em termos mais vastos. Eu gosto, por exemplo, de desenhar e até estão publicados alguns desenhos meus. Mas não gosto muito de falar sobre isso: se desenho ou não, se pinto ou não. Gosto de escrever mas não é meu hábito dizer se estou ou não a preparar algum trabalho. São aspectos que não têm afinal nada a ver com a privacidade, que não resultam de nenhum propósito de criar mistério. Sou franco a falar e até acho que é difícil existir uma outra vida tão conhecida como a minha. É conhecida. Mas não é devassada. É acompanhada o suficiente para eu não ter segredos. Nem todos têm conhecimento de tudo, mas não há nada que ninguém conheça. Não existem aspectos da minha vida que tenha necessidade de reservar ou defender, mas não sou daqueles que procura a sua promoção pública através da publicação das suas fotografias enquanto era pequenino, com os manos, dando a conhecer as suas virtudes desde tenra idade; depois fotos de quando tirou o curso; os resultados do curso com a fotografia do diploma; depois os seus hobbies mais conhecidos. Isso é romper com a privacidade num sentido de marketing. Enfim, são estilos.