aforismos e afins

22 julho 2005

Crise no Governo (8)

O Pedro Lomba (PL) acha que o artigo que Campos e Cunha (CC) escreveu não tinha de levar à sua demissão, argumentando que qualquer pessoa o poderia subscrever. O erro de PL é ignorar o contexto em que ele é escrito e o seu autor. O texto em si é serenamente inatacável, e penso que qualquer economista da área socialista o subscreveria num contexto apolítico. O problema está em que ele surge como um alerta, uma lição professoral, e até um desabafo, aos incompetentes colegas de Governo. Em que ele explica, muito simplesmente, que um investimento público só deve ser levado a cabo se for (socialmente) rentável e não porque seja por definição bom em si mesmo. Quem ouviu Manuel Pinho anunciar fervorosamente os 25 mil milhões de euros sem ter outra preocupação senão dizer "Pessoal! Nós vamos gastar dinheiro, muito dinheiro! Portanto, animem-se, vai haver festa, pão e circo para todos!" e continuou a pensar que este economista pode ser intelectualmente respeitado enquanto tal, só o pode fazer se juntar a hipótese de ele ser um oportunista e dizer barbaridades para gáudio próprio.

Não há nada tão interessante para um economista como olhar para situações de assimetria informacional e tentar racionalmente ler as mensagens para tentar perceber as intenções dos seus autores. As hipóteses são simples. CC é um homem inteligente, tecnicamente muito bem preparado, de carácter, bem intencionado, e com pouca experiência política. Isto não são só elogios baratos. Em Pina Moura trocaria os epítetos todos. Em Guilherme d'Oliveira Martins, trocaria os três primeiros apenas. Isto para me manter nas hostes socialistas. Sendo CCum homem inteligente, deveria ter antecipado que o artigo que escreveu seria um incómodo tal que teria que levar a alguma mexida no Governo. Ou saía ele, ou saía algum dos ministros gastadores. Mas se tivesse sido esta a última opção, não só a autoridade de Sócrates seria manchada, como abriria um precedente grave: a partir daí, os ministros independentes sentiriam ter carta verde para "desabafarem" nos jornais o que pensam e legitimamente esperar a corroboração do Primeiro.

Duas hipóteses se põe: ou CC publicou o artigo sem conhecimento de Sócrates, ou com conhecimento. Se publicou sem conhecimento, ou queria provocar a sua demissão - por estar cansado de aturar um Governo em pantanas cujas medidas manchariam a sua credibilidade, à qual tem direito -, ou não antecipou isso, e isto é justificável de algum modo com a sua inexperiência política. Se foi com conhecimento de Sócrates, ou foi por iniciativa dele ou de Sócrates. Se por iniciativa dele, foi uma demissão "abençoada". Se por iniciativa de Sócrates, foi uma demissão "aconselhada", em que Sócrates terá dito algo do género "Caro CC, veja lá... se calhar a forma mais fácil para todos nós era escrever um artigo moderado, mas que se tornasse politicamente incomportável, e depois apresentava a demissão". Eu acredito que CC, porque é um homem educado, tenha no mínimo entregue o texto que ia publicar a Sócrates, e este terá imediatamente percebido ser inevitável a demissão, e assim teve pelo menos três dias para convencer o novo ministro, que é, recorde-se, uma segunda escolha (face a CC).

Quando se tem durante mais de 3 meses uma pessoa a dar-nos aulas, percebe-se mais algumas coisas para além daquilo que os olhos do palco público vêem. No caso de CC, a diferença não é tão grande porque é unânime reconhecer nele um homem honesto e descomprometido. Quando ele disse, antes de tomar posse, que os impostos teriam muito provavelmente que aumentar no médio prazo, disse-o com a força da convicção e da coerências, não medindo as consequências políticas de tal afirmação, simplesmente porque era o que pensava. E quem tem verticalidade é assim que funciona. Seria um homem bom num lugar errado, que se sacrificou a tentar mudar alguma coisa na política podre deste país? É bem provável que sim. CC perde a oportunidade de ficar na história (dada a sua passagem fugaz na governação), mas sai de cabeça erguida e sem mancha no currículo, o que outros não podem reivindicar. O problema é a mancha que cai inabalavelmente sobre os portugueses, que vêem aquele que era o único garante de credibilidade neste Governo sair ao fim de 4 meses num governo de maioria absoluta. Por isto é que eu só consigo dizer, à la JPP, «pobre país o nosso».

4 Comments:

  • Olá! Não sei se concordo contigo. Não sendo da área de económicas e não conhecendo o Prof. Campos e Cunha senão daquilo que nos é dado a ver pela comunicação social e portanto passivel de muitas duvidas, concordo quando dizes que ele é politicamente inexperiente como aliás tinha ficado demonstrado antes deste artigo com a questão da acumulação de reformas e de ordenado.
    Não querendo por em causa o brio profissional do ex-ministro, a troca de valores no orçamento retificativo não trouxe nenhuma credibilidade e apenas desconfiança.
    Creio no entanto que o ministro tinha uma ideia muito clara da necessidade de proceder a cortes nas despesas e, creio que desta história sai o triste sinal de que não teve a força politica suficiente para obrigar os seus colegas de governo a reduzirem os gastos e assim sendo, quem perdeu, não foram só os portugueses mas foi sobretudo o primeiro-ministro que dá sinais de fraqueza politica numa área vital para o país.
    Quanto aos investimentos anunciados por Manuel Pinho e correndo o risco de ser injusto por desconhecer em promenor, muitos deles foram pura e simplesmente retirados da gaveta. Creio que é questionável a pertinência e a relevância de projectos como os da Ota e o TGV.
    Quanto ao primeiro, não creio que seja vital, uma vez que a Portela ainda tem uma reserva de capacidade aceitável (e sei que não concordas com esta opinião) pelo que se poderá adiar o projecto Ota até melhores dias. Quanto ao TGV, estamos perante um projecto de âmbito europeu e portanto com necessidade de respostas que não dependem só de nós. A incapacidade compulsiva dos governos definirem claramente a politica de alta velocidade está a reflectir-se na imposição por parte de Espanha de quais os pontos de atravessamento da fronteira.
    Voltando um pouco atrás, a crise mais do que económica ou financeira, creio que passa em muito pelo total descrédito das instituições politicas e dos governos que andam a reboque de jornalistas, comentadores e afins. Enquanto os portugueses não perceberem de onde partem e para onde vão, não vamos lá, ninguém vai fazer sacrificios se não vir um exemplo claro, forte e determinado.
    Peço-te desculpa por me ter alongado.

    By Blogger Luis, at 2:46 da tarde  

  • Nao tens que pedir desculpas pelo "alongado" comentario, eu e' que agradeco o "detalhe". Por partes:

    1. "e, creio que desta história sai o triste sinal de que não teve a força politica suficiente para obrigar os seus colegas de governo a reduzirem os gastos e assim sendo, quem perdeu, não foram só os portugueses mas foi sobretudo o primeiro-ministro que dá sinais de fraqueza politica numa área vital para o país."

    Totalmente de acordo. Socrates preferiu a pandilha do Coelhone de olho nas autarquicas a olhar sobre o futuro. Nao e' um homem de EStado e acabou de provar que, como Santana Lopes, Durao, e Guterres, nao vai ficar para a Historia.

    2. Quanto 'a troca de valores no orcamento, embora a responsabilidade politica seja naturalmente assacada ao Ministro das Financas, e em ultima analise ao Primeiro Ministro, nao podemos confundir isso com "brio tecnico". Mas estavamos nos se tivesse que ser CC a fazer as contas todas do orcamento. E' preciso diferenciar o plano tecnico do politico, e este erro, que e' uma pena, como e' tambem o do Banco de Portugal, nao mancham a credibilidade tecnica qr de CC qr de COnstancio.

    3. Quanto ao achares que a questao de acumulacao de reformas e de ordenada foi um exemplo de "imaturidade politica", discordo frontalmente. CC e' um homem que acredita ter "direito" 'a reforma, e e' um homem vertical. Como tal, nao cedeu perante o que acredita ser um direito seu, mesmo que os orgaos de comunicacao social e a inveja dos portugueses critiquem isso. A verticalidade nao se demove com coisas destas.

    Repara que para isto so' temos que concordar em "respeitar as regras". Ora, CC foi para o Banco de Portugal com um determinado contrato de trabalho, como qualquer outro trabalhdor. Nele constava a reforma. Logo, a ela tinha direito. Ponto final paragrafo.

    A questao de saber se essas reformas devem ser repensadas e' uma questao "separada" porque a verdade e' que ele tinha direito 'a reforma. Nao violou nenhuma lei. Dizerem que ele nao devia ter aceite por ser um atentado moral e' respeitavel, mas mais uma vez, se ele o tivesse feito, isso seria calculismo politico, e um homem vertical nao se leva por isso.

    Quanto 'a questao de saber se as reformas deviam ou nao ser mudadas, poderiamos ficar aqui a falar, e talvez isso fique para outro post.

    By Blogger Tiago Mendes, at 2:57 da tarde  

  • Olá outra vez...
    Creio que houve um mal entendido, não creio que o Prof. Campos e Cunha estivesse a praticar uma incorrecção ao ter a sua reforma à qual, aliás, tem pleno direito. Nem ponho em causa a sua "verticalidade" de modo algum, lembro-me de uma entrevista ao Dr. José Roquete no programa "Diga lá excelência" emque, quando o questionaram sobre Santana Lopes primeiro-ministro a resposta me surpreendeu pela enorme verdade que encerrava e pela bofetada de luva branca que desferia - "um homem que teve a generosidade de aceitar ser primeiro-ministro num momento complicado..." - creio que se aplica um pouco a todos os politicos e aos independentes com curriculum ainda mais, só mesmo por acreditar que se é capaz é que se aceita "correr o risco".
    Quando refiro a questão das reformas, devo dizer que preferia que o ministro, na altura em que o anunciou, tivesse dito claramente na Assembleia da Republica que ele também seria abrangido pela medida e por isso seria o primeiro a dar o exemplo. Seria calculismo? Seria a antecipação politica que faria com que a oposição ficasse desarmada e estancaria o ataque dos media.
    Quanto aos enganos no orçamento e no relatório Constâncio, só quem não conhece é que pode acreditar que sejam eles mesmos a fazer as contas mas a verdade é que são o vértice da pirâmide e a "cara" dos documentos e portanto, devem responder pelos erros que estes contenham e depois, em privado, rever os colaboradores. Não creio que o primeiro-ministro tenha que responder pelo engano do ministério das finanças (repara que referi ministério e não ministro) mas sim deve tomar a defesa do seu ministro salvaguardando-o de eventuais tentativas de aproveitamento. A ideia com a qual fiquei, foi a de um ministro das finanças completamente só sem apoio do seu primeiro-ministro.
    Quanto à imaturidade politica, creio que o Prof Campos e Cunha era politicamente pouco previdente embora bom técnico e se assim era, não devia ter aceite ser ministro de estado que é um lugar de destaque no governo e que requer forte conhecimento politico.
    Mas no essencial, estamos ambos de acordo, o país ficou mais frágil e todos perdemos com a situação.

    By Blogger Luis, at 10:21 da tarde  

  • Olá Luís,

    Pelo que dizes, concordo que concordamos no essencial. Quanto À questão das reformas, segundo sei, a lei não tinha efeitos retroactivos, portanto não havia razão legal para ele mudar algo que era um direito adquirido. Das "exemplos morais" à la "São Francisco de Assis" não é uma coisa que eu valorize em política.

    Abraço.

    By Blogger T. M., at 10:37 da tarde  

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