Prostituição (2)
Já aqui falei deste tema, e este artigo do Público (online e também offline), de Alexandra Oliveira e Ana Lopes, despertou-me novamente a atenção, porque este é um tema caro e em que sempre tive a mesma opinião: a favor da liberalização da prostituição, porque acredito na soberania da escolha do indivíduo e na não intromissão do Estado naquilo que se passa entre adultos por mútuo consentimento e que a mais ninguém diga respeito. Alguns excertos do artigo:
«O tráfico de mulheres e a prostituição são fenómenos diferentes, ainda que muitas vezes se interceptem. Existe tráfico sem prostituição - lembramos o "comércio" de mulheres para tarefas domésticas - e também existe prostituição sem tráfico. (...) muitas das mulheres que conheceram os traficantes se deixaram traficar, pois precisavam de ajuda "especializada" para transpor a fortaleza de Schengen. A grande maioria dos homens e mulheres que entram na União Europeia para trabalhar no sexo sabe que o vem fazer. Optou, portanto, por esse trabalho. Ser traficado para o trabalho sexual é para muitas pessoas dos países chamados subdesenvolvidos uma forma de melhorar a sua vida - são os "cruza-fronteiras audazes", como lhes chama Laura Agustín, que tentam contrariar os efeitos da pobreza. É o encerramento das fronteiras e o endurecimento das leis de imigração que conduzem aos abusos do tráfico.
Em 1998, o Governo sueco promulgou uma lei descriminalizando o trabalho sexual, mas que, simultaneamente, criminaliza a "compra" de serviços sexuais - ou seja, criminaliza os clientes e estabelece a prostituição como algo inaceitável na sociedade. Este modelo tem sido defendido por feministas portuguesas, o que é preocupante, pois, embora à primeira vista pareça uma lei progressista, ela é profundamente nociva para o grupo que tenta proteger: os trabalhadores/as sexuais. É inaceitável que este grupo, sendo o mais afectado pelas políticas da prostituição, seja tão raramente ouvido.
(...) As feministas deviam ser, sem dúvida, aliadas fundamentais dos trabalhadores/as sexuais na luta pelos seus direitos laborais, civis e humanos. Mas para isso é necessário que ouçam os trabalhadores/as sexuais, em vez de defender políticas que são prejudiciais ao próprio grupo que, a nosso ver, erradamente consideram "vítimas". Pretender a repressão dos clientes para acabar com a prostituição, tendo em vista quer o seu fim, quer o combate ao tráfico é uma opção desajustada, injustificada e socialmente injusta.»
Ou seja, ideias simples:
1- Entender que, num país livre, e excluindo casos em que a pessoa não seja autónoma (ex: toxicodependentes e deficientes mentais), a prostituição é uma "escolha" e não uma "fatalidade";
2- Perceber que a penalização dos clientes acabará por repercutir-se (negativamente) nas pessoas que se prostituem e como tal tem o efeito contrário ao desejado;
3- Aceitar que para se compreender este tema tem que se escutar "representantes" deste grupo.
Este último ponto é o que pia mais fino, porque quando entram estatísticas ao barulho cada um pode dizer o que quer. É muito fácil entrevistar "coitadinhas" e fazer disso o retrato dum país. Mas uma amostra "representativa" tem que incluir não só quem trabalha nos Cais do Sodrés e Intendentes, mas também quem trabalha em casas de alterne, de "madames", Elefantes Brancos e afins. Também não é difícil entender que quanto maior o nível de vida de quem se prostitui menor será a probabilidade de ouvirmos falar nessa pessoa ou de ela ir ter com alguém a queixar-se. Portanto, alto risco de "selecção amostral". Claro que haverá sempre quem diga que essas "coisas estatísticas" não interessam para nada. E aqui, das duas uma: ou são ignorantes e estão inconscientes disso; ou estão conscientemente de má fé, o que equivale a ser desonesto intelectualmente. Em Portugal abundam ambos os tipos, sendo os segundos os mais perigosos, porque não estão verdadeiramente interessados em mudar algo (porque para isso têm primeiro que perceber a realidade) mas apenas em fazer vingar algumas ide(olog)ias para alimentar vaidades pessoais ou para defesa dum certo valor existencial que desapareceria logo que essas ide(olog)ias caíssem por terra.
«O tráfico de mulheres e a prostituição são fenómenos diferentes, ainda que muitas vezes se interceptem. Existe tráfico sem prostituição - lembramos o "comércio" de mulheres para tarefas domésticas - e também existe prostituição sem tráfico. (...) muitas das mulheres que conheceram os traficantes se deixaram traficar, pois precisavam de ajuda "especializada" para transpor a fortaleza de Schengen. A grande maioria dos homens e mulheres que entram na União Europeia para trabalhar no sexo sabe que o vem fazer. Optou, portanto, por esse trabalho. Ser traficado para o trabalho sexual é para muitas pessoas dos países chamados subdesenvolvidos uma forma de melhorar a sua vida - são os "cruza-fronteiras audazes", como lhes chama Laura Agustín, que tentam contrariar os efeitos da pobreza. É o encerramento das fronteiras e o endurecimento das leis de imigração que conduzem aos abusos do tráfico.
Em 1998, o Governo sueco promulgou uma lei descriminalizando o trabalho sexual, mas que, simultaneamente, criminaliza a "compra" de serviços sexuais - ou seja, criminaliza os clientes e estabelece a prostituição como algo inaceitável na sociedade. Este modelo tem sido defendido por feministas portuguesas, o que é preocupante, pois, embora à primeira vista pareça uma lei progressista, ela é profundamente nociva para o grupo que tenta proteger: os trabalhadores/as sexuais. É inaceitável que este grupo, sendo o mais afectado pelas políticas da prostituição, seja tão raramente ouvido.
(...) As feministas deviam ser, sem dúvida, aliadas fundamentais dos trabalhadores/as sexuais na luta pelos seus direitos laborais, civis e humanos. Mas para isso é necessário que ouçam os trabalhadores/as sexuais, em vez de defender políticas que são prejudiciais ao próprio grupo que, a nosso ver, erradamente consideram "vítimas". Pretender a repressão dos clientes para acabar com a prostituição, tendo em vista quer o seu fim, quer o combate ao tráfico é uma opção desajustada, injustificada e socialmente injusta.»
Ou seja, ideias simples:
1- Entender que, num país livre, e excluindo casos em que a pessoa não seja autónoma (ex: toxicodependentes e deficientes mentais), a prostituição é uma "escolha" e não uma "fatalidade";
2- Perceber que a penalização dos clientes acabará por repercutir-se (negativamente) nas pessoas que se prostituem e como tal tem o efeito contrário ao desejado;
3- Aceitar que para se compreender este tema tem que se escutar "representantes" deste grupo.
Este último ponto é o que pia mais fino, porque quando entram estatísticas ao barulho cada um pode dizer o que quer. É muito fácil entrevistar "coitadinhas" e fazer disso o retrato dum país. Mas uma amostra "representativa" tem que incluir não só quem trabalha nos Cais do Sodrés e Intendentes, mas também quem trabalha em casas de alterne, de "madames", Elefantes Brancos e afins. Também não é difícil entender que quanto maior o nível de vida de quem se prostitui menor será a probabilidade de ouvirmos falar nessa pessoa ou de ela ir ter com alguém a queixar-se. Portanto, alto risco de "selecção amostral". Claro que haverá sempre quem diga que essas "coisas estatísticas" não interessam para nada. E aqui, das duas uma: ou são ignorantes e estão inconscientes disso; ou estão conscientemente de má fé, o que equivale a ser desonesto intelectualmente. Em Portugal abundam ambos os tipos, sendo os segundos os mais perigosos, porque não estão verdadeiramente interessados em mudar algo (porque para isso têm primeiro que perceber a realidade) mas apenas em fazer vingar algumas ide(olog)ias para alimentar vaidades pessoais ou para defesa dum certo valor existencial que desapareceria logo que essas ide(olog)ias caíssem por terra.
2 Comments:
O ARTIGO COMPLETO:
«As feministas deviam ser, sem dúvida, aliadas fundamentais dos trabalhadores/as sexuais na luta pelos seus direitos laborais, civis e humanos. Mas para isso é necessário que ouçam os trabalhadores/as sexuais, em vez de defender políticas que são prejudiciais ao próprio grupo que, a nosso ver, erradamente consideram "vítimas"
Otráfico de mulheres e a prostituição são fenómenos diferentes, ainda que muitas vezes se interceptem. Existe tráfico sem prostituição - lembramos o "comércio" de mulheres para tarefas domésticas - e também existe prostituição sem tráfico. Uma grande parte das prostitutas, porque são portuguesas ou porque, não o sendo, vieram para Portugal através de auxílio informal, como o contacto de uma familiar migrante, não tem, nem nunca teve, qualquer ligação às redes de tráfico e exploração sexual. São trabalhadoras sexuais autónomas que só não têm todos os direitos porque esta actividade, embora desempenhada desde sempre, nunca foi reconhecida entre nós como um trabalho. As centenas de brasileiras dos bares de alterne têm sido expulsas por não terem o contrato de trabalho que lhes permitiria obter uma autorização de residência. Contudo, o que elas vieram para cá fazer foi isso mesmo, trabalhar.
Cabe dizer que muitas das mulheres que conheceram os traficantes se deixaram traficar, pois precisavam de ajuda "especializada" para transpor a fortaleza de Schengen. A grande maioria dos homens e mulheres que entram na União Europeia para trabalhar no sexo sabe que o vem fazer. Optou, portanto, por esse trabalho. Ser traficado para o trabalho sexual é para muitas pessoas dos países chamados subdesenvolvidos uma forma de melhorar a sua vida - são os "cruza-fronteiras audazes", como lhes chama Laura Agustín, que tentam contrariar os efeitos da pobreza. É o encerramento das fronteiras e o endurecimento das leis de imigração que conduzem aos abusos do tráfico.
Certamente que conhecemos a existência de casos de grande violência e mesmo de escravatura. O caso da Lilja, uma rapariga vulnerável e vitimizada, que tem sido divulgado pelo Governo sueco, tal como recentemente aconteceu no seminário "Tráfico de Mulheres e Prostituição", serve para ilustrar essas situações. O que não pode é ser usado como um exemplo supostamente representativo de todas as pessoas que fazem trabalho sexual. De resto, consideramos que os responsáveis por um caso como este são criminosos e como tal devem ser tratados. Defendemos igualmente que se forjem estratégias preventivas, como campanhas de informação nos países de origem do tráfico, e se forneça ajuda às vítimas.
Em 1998, o Governo sueco promulgou uma lei descriminalizando o trabalho sexual, mas que, simultaneamente, criminaliza a "compra" de serviços sexuais - ou seja, criminaliza os clientes e estabelece a prostituição como algo inaceitável na sociedade. Este modelo tem sido defendido por feministas portuguesas, o que é preocupante, pois, embora à primeira vista pareça uma lei progressista, ela é profundamente nociva para o grupo que tenta proteger: os trabalhadores/as sexuais. É inaceitável que este grupo, sendo o mais afectado pelas políticas da prostituição, seja tão raramente ouvido.
Representantes suecos deste grupo têm-se manifestado contra o sistema e apontam os seus perigos. Uma das suas principais queixas é que a ilegalidade dos clientes faz com que estes procurem negociar a transacção em locais escuros e isolados e a fazê-la rapidamente para não serem apanhados pela polícia. O que aumenta, significativamente, o perigo para o trabalhador/a sexual, uma vez que não há tempo para avaliar se se trata de um cliente genuíno ou de alguém com intenções violentas; a negociação de práticas de sexo seguro torna-se também difícil, aumentando o risco de infecção por doenças sexualmente transmissíveis.
Esta legislação repressiva não diminui os números totais da prostituição. Limita-se, unicamente, a movimentar o fenómeno de um local/contexto para outro. Assim, muitos trabalhadores/as sexuais são obrigados/as a deixar as ruas; trabalham agora noutros países, ou em bordéis ilegais - muitas vezes na dependência de um "chulo". Daí que, embora os relatórios oficiais indiquem uma descida dos números da prostituição de rua, nada prova que os valores totais tenham sofrido alterações. Pelo contrário, sabe-se que a prostituição clandestina aumentou. Além disso, a dispersão causada pela lei sueca enfraqueceu as redes de apoio e interajuda entre os trabalhadores/as de rua, o que contribuiu para a sua maior vulnerabilidade.
As feministas deviam ser, sem dúvida, aliadas fundamentais dos trabalhadores/as sexuais na luta pelos seus direitos laborais, civis e humanos. Mas para isso é necessário que ouçam os trabalhadores/as sexuais, em vez de defender políticas que são prejudiciais ao próprio grupo que, a nosso ver, erradamente consideram "vítimas". Pretender a repressão dos clientes para acabar com a prostituição, tendo em vista quer o seu fim, quer o combate ao tráfico é uma opção desajustada, injustificada e socialmente injusta.»
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto, e School of Social Sciences, University of East London.
By T. M., at 10:12 da tarde
Sim , eu não estou a ver o Sindicato das Putas da Região Centro
By Anónimo, at 3:03 da tarde
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