aforismos e afins

04 agosto 2005

Liberalismo, Moral, e Costumes (1)

Vale a pena recordar o recente e controverso debate sobre o que é ser «liberal» (e, paralelamente, sobre a «Direita Liberal»), onde a polémica sobre os «costumes» tem sido bem acesa.

Recentemente, Pedro Mexia escreveu (excerto):

Já dizer que se é «liberal» e defender por exemplo que a homossexualidade é uma doença ou que a liberdade de cada um dormir com quem quiser significa um apocalipse civilizacional (como insiste o nosso mais conhecido economista moralista), isso não me parece liberal em nenhum sentido da palavra.

Notem que não me refiro às políticas públicas, como o casamento dos homossexuais ou a liberalização do aborto. Estou a pensar na visão que cada um tem da sociedade em que vive, antes de qualquer raciocínio de natureza legislativa. Quem acha que a liberdade sexual (que inclui o direito ao desvario, como todas as liberdades) é essencialmente negativa, tem um entendimento estranho do que é ser liberal. Mas eu não digo que essas pessoas não tenham direito à contradição. Apenas que se trata de uma contradição. Por isso não percebo que andem à caça de contradições alheias.

...ao que João Miranda respondeu (excerto):

Um liberal pode fazer juízos morais sobre si e sobre os outros sem deixar de ser liberal. Já uma pessoa que diz que "a homossexualidade deve ser proíbida pelo estado" está a fazer um juízo político e uma pessoa que faça este juízo político não é liberal. Note-se que, do ponto de vista liberal, a homossexualidade deve ser livre independentemente de ser uma doença ou de ser imoral. O liberalismo defende que o erro é livre, o que não defende é que um erro não é um erro.

Segue-se que um liberal pode, sem entrar em contradição considerar que "a liberdade sexual significa um apocalipse civilizacional", que "a liberdade sexual é imoral" e que "a liberdade sexual é um assunto privado e o estado não tem que se meter".

A visão liberal que Pedro Mexia tem da sociedade não é a visão de uma sociedade meramente tolerante em relação à homossexualidade. O que Pedro Mexia pretende é uma sociedade amigável em relação à homossexualidade, uma em que as críticas à homossexualidade como as de João César das Neves não se ouçam, ou pelo menos não sejam maioritárias.

...ao que Pedro Mexia ripostou (excerto):

Para o João Miranda e para outros liberais da blogosfera, a expressão «liberalismo» envolve sempre (ou melhor: exclui sempre) a intervenção do estado. Muito bem. Mas eu estou muito mais interessado no liberalismo social. Só depois vem o liberalismo como ausência de estado. A liberdade e a tolerância precedem as políticas legislativas.

Assim, não percebo que o João Miranda considere que «do ponto de vista liberal, a sociedade não é um assunto político e não deve resultar da acção política». Se a sociedade não é um assunto político, então quase nada é um assunto político. Pelos vistos, um assunto só é político se envolve o estado. Num país com um estado minimalista (polícia, tribunais, exército), a política quase não existiria. Eu não passo a vida a pensar no estado. E estranho que em qualquer discussão sobre qualquer assunto os liberais me venham recordar o papel do estado.

Eu não pretendo que sejamos «amigáveis» ou «não amigáveis» para com a homossexualidade. Mas eu supunha que um «liberal» não teria nunca opiniões morais semelhantes a um tele-evangelista. Sob pena de a palavra «liberal» ser oca. Se o João Miranda afiança que um liberal pode ser um tele-evangelista à americana, eu não contesto. Ouço e aprendo.

Mas... tudo começou com este post de João Miranda (excerto):

Um dos equívocos da chamada direita liberal é que acredita que será mais liberal se for liberal nos costumes, sem perceber que os costumes, do ponto de vista liberal, nem sequer são um problema político, são um problema da vida privada. A direita liberal acredita que será mais liberal em relação aos costumes se em relação aos costumes tiver as mesmas posições que a esquerda. Isto é, se for pelo aborto, se for homofila, se for pela estatização e descaracterização do casamento, se for cosmopolita e se for contra a igreja e as tradições.

...que teve esta réplica de Filipa Correia Pinto (excerto):

Em mais uma brilhante lição sobre o que é não ser liberal, João Miranda escreve aqui que a direita liberal se aproxima do socialismo quando (...). Na sua opinião, tudo isto são problemas da esfera privada de cada um. Não são problemas políticos. (...)

Já, pelo contrário, a mim, pessoalmente, incomoda-me o facto de o Estado não pensar como nós. Chateia-me que seja um tribunal a dizer se ele pode ou não desfazer um contrato tão privado como o casamento. Irrita-me que as amigas dele possam ir para a cadeia por terem abortado. Passo-me por saber que o Estado quer normalizar os comportamentos sexuais de todas as pessoas que ele conhece. Fico doente por saber que a paternalista Assembleia da República o quer tanto proteger dele próprio que não só o obriga a pagar uma coima se ele fumar uma ganza e o manda para a pildra se o pó for branco como ainda lhe recomenda um tratamento. Maça-me que os filhos dele aprendam na escola pública um qualquer modelo de sexualidade, ao mesmo tempo que lhes ensinam a catequese.

...e mais esta de Eduardo Nogueira Pinto (excerto):

A ideia que alguma da gente que se afirma liberal tem de que para se ser um verdadeiro liberal tem de se apoiar (ou pelo menos adoptar) estas agendas, é uma das originalidades deste liberalismo versão 2005. Dizem-me que um liberal deve ser pela descriminalização do aborto, que um liberal deve ser pelo casamento de homossexuais, que um liberal, porque é da direita "moderna" e "arejada", deve querer resolver estes "problemas", sendo que estes "problemas" só se resolvem legalizando, regulando, institucionalizando, etc.

A quem Paulo Pinto Mascarenhas replicou (excerto):

As "Noites Liberais" talvez te digam é para não te fechares numa redoma onde se idealiza um mundo em que as mulheres não abortam. Ou onde não existem homossexuais. Não se impõe, ao contrário do que tu pensas, qualquer cartilha sobre estes assuntos, porque eles pertencem à vida privada, como aliás escreve o João Miranda. (...) Não se faz também é outra coisa: fingir que o "problema" não existe e que não vale a pena estar preparado para o discutir. (...) Nem sei exactamente o que pensam todos os organizadores sobre os casamentos homossexuais. Não nos fechamos é em barricadas irredutíveis e dogmáticas, que apenas servem para politizar estes "issues", tornando-os em bandeiras da esquerda e da extrema-esquerda, com cada julgamento de cada mulher por ter abortado a ser transformado num comício eleitoral para o BE ou para o PCP.

E que também mereceu resposta de Filipa Correia Pinto (excerto):

Quando muito, o que as Noites também pretendem é que as pessoas se convençam de uma vez por todas que a Direita (ou pelo menos parte dela) não tem posições dogmáticas sobre o comportamento das suas vidas privadas. Nem é retrógrada, autoritária ou confessional. E essa, caro Eduardo, é mesmo a agenda que não convém à esquerda. Pode-lhes custar a bandeira.

Leiam ainda este post de Filipa Correia Pinto (excerto):

O meu ponto é só o de que o Estado não deve ter o poder de limitar a forma como cada um conduz a sua vida privada, devendo manifestar neutralidade relativamente a todos os comportamentos privados e a todas as decisões que não impliquem com a liberdade dos outros.

E, finalmente, este outro de André Abrantes Amaral (excerto):

Sempre que se fala de liberalismo, de se ser liberal, vem à conversa a moral. A teoria resume-se a uma ideia muito simples: Se alguém é liberal na economia e na política, deverá sê-lo também em matérias morais. É claro que este raciocínio comum está errado. Um liberal é a favor da liberdade, mas de uma liberdade que não prejudique terceiros. Na minha forma de ver, é nesta perspectiva que qualquer discussão sobre os ‘costumes’, sobre o que é moralmente aceite, o que deve e não dever ser permitido, pode ser feita. O problema, muitas vezes, está na politização destes assuntos que, antes de serem políticos, são humanos. (...) o ser-se liberal em assuntos morais pouco tem que ver com o liberalismo.

Ficam as recomendações de leitura, em jeito de «serviço público». Agradeço desde já que me indiquem outros «links» sobre este tema.
E a ver se arranjo tempo para falar disto antes de ir de férias...

5 Comments:

  • toma um link sobre esse tema

    http://aforismos-e-afins.blogspot.com/2005/07/para-alm-do-bem-e-do-mal-3.html

    e de resto... se dois indivíduos adultos concordarem sobre o que se está a fazer o estado não tem nada a ver com isso. parece-me que isto cabe dentro da ideia que tenho de liberalismo...
    concordo com a Filipa Correia Pinto: "o Estado não deve ter o poder de limitar a forma como cada um conduz a sua vida privada, devendo manifestar neutralidade relativamente a todos os comportamentos privados e a todas as decisões que não impliquem com a liberdade dos outros."

    By Blogger ana, at 3:23 da tarde  

  • Obrigado pelo link!!! :D :D :D

    É que eu às vezes posso-me esquecer do que escreve o meu colega (e amigo) de blog, o caríssimo T.M. :D :D :D :D :D

    Responderei à parte "séria" do teu comment "brevemente" :)

    Tx :)

    By Blogger Tiago Mendes, at 3:36 da tarde  

  • Isso do liberalismo…
    Liberalismo “consigo” próprio
    Liberalismo de si com outros.
    Liberalismo dos outros “consigo”

    interferir na esfera dos outros
    interferir na liberdade dos outros

    Interferir consciente, premeditado, ciente do efeito em terceiros.

    Acções de relação entre agentes. Visual, acção, falada escrita.

    Enumeração de efeitos em terceiros.

    Definição da moralidade individual e da cultura social

    Acções em relação a dependentes sociais (filhos, educação,…), -repetir analise anterior-

    Possíveis efeitos no desenvolvimento sociedade. Procura do desenvolvimento sustentável, minimização de tempo. Maximização de utilidade?!individual, sociedade

    Estado.

    Definição clara das fronteiras. (haverá essa necessidade?)



    PS: evoco duas leis que te podem talvez facilitar a análise
    Lei para remoção de edifícios esteticamente desagradáveis
    Lei de imigração para obrigatoriedade de conhecimento e domínio da língua e cultura.

    By Anonymous Anónimo, at 4:14 da tarde  

  • Boa inspiração.
    Talvez dê um livro
    :)

    ah! já agora talvez ajude. recorda-te de uma lição do braga, o que fazer quando temos milhentas variaveis?...

    By Anonymous Anónimo, at 4:16 da tarde  

  • Hoje acordaste mesmo inspirado, rapaz! Muito bem, gostei... vou escrever o seguimento nos próximos dias, e tentar adressar alguns dos teus pontos, embora eles sejam self-contained, e muito poéticos até ;)

    By Blogger Tiago Mendes, at 4:55 da tarde  

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