aforismos e afins

18 outubro 2005

A esquerda redentora

Cara Joana: como é possível escrever tanta coisa tão leviana?

1. Depois de citar números (que entristecem) sobre a pobreza, deixa a inevitável pérola militante: «embora se produza comida suficiente para alimentar todo o mundo.» Já leu alguma coisa de Amartya Sen, sobre as fomes, a pobreza, e as complexidades que existem em torno dessas questões? É que a comida não cai do céu, sabe. É produzida, distribuída, e consumida por pessoas "concretas". E essas pessoas concretas têm determinados incentivos, e respondem a eles em liberdade numa sociedade livre.

Não faz sentido usar o argumento que usou precisamente porque a "possibilidade" de haver comida para toda a gente não passa disso mesmo: uma possibilidade. Como torná-la real? Isso é bastante complicado - arriscaria mesmo que complicado demais para seduzir certa esquerda "soundbytiana", para quem o simples facto de "poder ser produzida suficiente comida" em conjunto com a constatação de que "fome", só pode levar à conclusão que são os homens da cartola os ignóbeis responsáveis por tal desgraça.

Das experiências que eliminaram o carácter livre das escolhas individuais "por um mundo melhor" lembramo-nos bem. A machachada final aconteceu há 16 anos. A Joana já era crescidinha, não? Deve certamente recordar-se. De qualquer modo, tenho que louvar a sua coerência, dado que o carácter absolutamente demagógico da sua "boca" é perfeitamente consonante com o partido onde milita.

2. Depois, diz: «Se à hora a que escrevo se desconhece ainda o Orçamento do Estado para 2006, este deveria incluir dois aspectos fundamentais no combate à pobreza. Um deles é a dignificação das pensões, assegurando a convergência real das pensões mínimas com o salário mínimo nacional, revertendo o subfinanciamento da Segurança Social. Para além disto, é estritamente necessário restabelecer os princípios de inclusão do rendimento social de inserção, particularmente alargando os seus critérios de atribuição.»

Sublinho os termos "dignificação" e "estritamente necessário". Para a Joana, há certamente almoços, jantares, e até pequeno-almoços grátis. É um forró. Falar do "custo" destas medidas? Falar nos "incentivos perversos" que elas geram (nomeadamente no rendimento de inserção social)? Falar na "justeza" destas medidas? No facto de discriminar aqueles que enquanto trabalhavam descontaram no passado - com custos óbvios - face aos que se deixaram andar na boa-vai-ela sem pensar no futuro porque o "paizinho" Estado lhes iria provavelmente dar uma pensão "digna"? E a injustiça dos que esforçam face a tantos que se deixam repousar à sombra do rendimento mínimo?

3. Finalmente, afirma que: «Todos os candidatos às Forças Armadas portuguesas são sujeitos a testes de despiste do HIV, hepatite B e C. A recusa implica exclusão liminar. Não há nenhuma razão médica para que uma pessoa portadora destes vírus não possa desempenhar as funções e muito menos está em causa o risco de terceiros. Não há nenhum interesse colectivo, nenhuma justificação de saúde pública. Trata-se, portanto, de uma medida discriminatória, inconstitucional e que carece de fundamento científico.»

Ah! Afinal os soldados só servem para ficar nos quartéis, não é?
Já pensou que (por acaso) os soldados (também) existem para defender o país e garantir o Estado de Direito? Bem sei que a malta lá no Bloco é anti-belicista. Mas até por isso, deviam ter bem presente as imagens de tanta guerra que ainda acontece por aí. É óbvio (é óbvio, repitam todos: «É óbvio!») que numa situação de combate, a possibilidade de haver trocas de fluídos sanguíneos (vamos esquecer os outros) é nula. Soldado que é soldado não se deixa ferir - quanto mais sangrar. Ou gangrenar.

Eu faço gala em criticar a "direita de barricada" porque acho que para gente pouco séria já chega a esquerda que temos. Uma direita que se prese tem que ser um pouco mais calma, ponderada, e até alheia a certos burburinhos desnecessários do dia-a-dia.
Da esquerda portuguesa não podemos esperar grandes novidades quanto ao debate (?) político. Mais que "barricada", ela está
(por vontade própria) totalmente entrincheirada. Sem munições. Disparando tiros para o ar. Não assumindo a quantidade de lama que nela repousa. E assim vai moribundando por aí, numa lenta, quezilenta, e pestilenta putrefacção.

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