aforismos e afins

27 outubro 2005

Simplificando

A direita pretende maximizar a liberdade, sujeita a eventuais restrições de equidade. A esquerda pretende maximizar a equidade, sujeita a eventuais restrições de liberdade.

É uma questão de pontos de vista, ou de pontos de partida. Duas pessoas podem chegar a compromissos parecidos ainda que o seu percurso se tenha iniciado em extremos opostos. Mas são a origem e a consequente direcção desse caminho que contam para a descrição da "postura" ou "posicionamento" dum indivíduo.

Qual é a preocupação primordial: liberdade ou equidade? É nessa prioritização que se joga toda a diferença. Simplificando, claro.

11 Comments:

  • Essa simplificação é tão simplificada que nem chega a ser um simplificação...

    By Anonymous Anónimo, at 5:01 da tarde  

  • Fair enough, caro Miguel. Se calhar e' influencia do Delgado, querem ver?...

    Agora a serio, acho que ha' um ponto que eu mantenho e sublinho: o que importa e' sobretudo "donde" se vem e nao "onde se esta".

    Duas pessoas ate' podem ter visoes parecidas sobre muita coisa, mas terem chegado la' por vias diferentes: ou prezando mais a liberdade mas aceitando restricoes de justica social; ou querendo o maximo de igualdade possivel, mas aceitando alguma liberdade (leia-se: possibilidade de desigualdade) para que o bolo cresca.

    Foi nesse sentido que eu referi a "prioritizacao". A analogia de "optimizacao" tem os seus drawbacks, naturalmente.

    Mas a ideia basica de liberdade versus igualdade parece-me fundamental, porque elas sao conflituantes (so' os franceses acham que nao, e ve-se para onde caminham).

    E tambem e' indiscutivel que todos defendem uma certa igualdade minima, como seja a iguladde de votar, igualdade perante a lei, etc. Eu falo naturalmente de "equidade" num sentido economico, ie., de redistribuicao (forcada).

    E a liberdade que refiro tambem esta' ligada 'a esfera economica. E' obvio que todos defendem um minimo de liberdade politica, de liberdade de imprensa, etc.

    Mas eu sempre desconfiei de quem nao gosta de simplificacoes... mas ok. Neste caso assumo que ela comporta alguns perigos. Mas nao simplificar e julgar que "ja nao ha diferencas" ou que as ha mas sem conseguir dizer nada sobre ela,s nao me parece menos perigoso.

    By Blogger Tiago Mendes, at 5:10 da tarde  

  • Obrigado pelo contributo, Cláudio. Creio no entanto que o problema da maximização da equidade não passa pela "escassez" em si, mas sim pelos incentivos perversos que esse processo gera, o que está excelentemente descrito na citação de HUme. Mesmo que os recursos sejam finitos, é possível maximizar a sua distribuição (aliás, só é possível encontrar um "máximo" num conjunto "limitado", e compacto, já agora). Quanto ao Estado de Diretio, sem dúvida que há essa igualdade inerente.

    By Blogger Tiago Mendes, at 6:13 da tarde  

  • "E a liberdade que refiro tambem esta' ligada 'a esfera economica. E' obvio que todos defendem um minimo de liberdade politica, de liberdade de imprensa, etc."

    Pois, o problema está aí - é que fora da esfera económica, até é muito mais frequente ver a "esquerda" a defender posições "liberais" do que a "direita"

    Já agora, há outro problema, mas neste que vou referir agora, já estou a complicar demais: é que, mesmo limitando à economia, essa regra poderá ser válida de forma "discreta" ("A Direita prefere a liberdade económica à equidade economica; a Esquerda o contrário"), mas já não de forma "continua" ("Quanto mais para a Direita, mais se prefere a liberdade económica à equidade económica") - na Europa continental, é frequente a direita mais liberal ser aquela que encontramos logo "ao passar a fronteira" (i.e., os liberais propriamente ditos), e, à medida que vamos caminhando para a direita e encontrando democratas-cristãos, "gaullistas" (ou equivalente) e a extrema-direita, o liberalismo (mesmo económico) vai diminuindo, não aumentando. P.ex, o FDP alemão ou a Plataforma Cívica polaca são muito mais "liberais" economicamente (e, claro, no resto...) do que a CDU ou o "Partido da Lei e Justiça" (mas, como disse atrás, este parágrafo é capaz de ser já complicar inutilmente a coisa)

    "Mas a ideia basica de liberdade versus igualdade parece-me fundamental, porque elas sao conflituantes"

    Nuns casos podem ser, e noutros estar do mesmo lado.

    Um exemplo: por norma, quantos mais niveis hierárquicos há numa organização, menos espaço costuma haver para a iniciativa de cada membro da organização (logo, neste caso, a "liberdade" e a "igualdade" estarão do mesmo lado)

    Outro exemplo: a Internet é, ao mesmo tempo, bastante igualitária e bastante livre, e, em larga medida, é por ser uma coisa que é a outra.

    Mas, claro, não é num comentário a um post que se vai chegar a uma conclusão sobre uma polémica que dava para encher a Internet inteira.

    "Mas nao simplificar e julgar que "ja nao ha diferencas" ou que as ha mas sem conseguir dizer nada sobre ela,s nao me parece menos perigoso."

    A minha sugestão para a diferença entre "esquerda" e "direita": pegar na definição do Tiago Mendes e substituir "liberdade" por "propriedade" (claro, com algumas alterações para a frase fazer sentido).

    By Anonymous Anónimo, at 6:40 da tarde  

  • Obrigado pelo seguimento, Miguel. Concordo plenamente com ideia de que não há um contínuo em termos *empíricos*, sobretudo na Europa, dado que a extrema-direita é geralmente algo estatista. Mas eu punha o ponto em termos *teóricos* (pensa no "Libertarian Party" nos EUA).

    Quanto à tua sugestão de mudar "liberdade" para "propriedade", compreendo, mas prefiro manter a simplificação inicial, com os riscos que tem.

    By Blogger Tiago Mendes, at 6:45 da tarde  

  • "Tornem-se as posses iguais e os diferentes graus individuais de talento, capacidade e prudência desfarão imediatamente esta igualdade."

    A maior parte das diferenças individuais (de força, inteligência, habilidade, etc.) seguem um distribuição simétrica (a tal Bell Curve, em que cerca de 50% estão abaixo da média e 50% acima).

    Ora, na distribuição da riqueza, costuma haver muito mais gente abaixo da média do que acima, o que significa que grande parte das desigualdades não são apenas o reflexo da desigualdade natural, mas também uma criação artificial da sociedade (diga-se que "artificial" não significa necessariamente "mau")

    By Anonymous Anónimo, at 6:56 da tarde  

  • Há um argumento "dinâmico" que explica esse crescimento de desigualdades facilmente, Miguel. Vou ter que sair, respondo mais logo.

    By Blogger Tiago Mendes, at 6:58 da tarde  

  • "Concordo plenamente com ideia de que não há um contínuo em termos *empíricos*, sobretudo na Europa, dado que a extrema-direita é geralmente algo estatista. Mas eu punha o ponto em termos *teóricos*"

    Mesmo em termos teóricos, não sei se haverá na teoria conservadora (como há na liberal) grandes objecções de principio ao intervencionismo estatal: afinal, o conservadorismo nasceu para defender a monarquia, a Igreja estabelecida (ou seja, mantida pelo Estado) e a aristocracia (que vivia das terras doadas... pelo Estado).

    Se calhar até é mais o contrário: o conservadorismo moderno não acabará por ser mais liberal empiricamente do que teoricamente (ou seja, Reagan e Tatcher não seriam mais liberais do que Russel Kirk ou Roger Scruton)?

    Quanto a LP, acho que eles, por vezes, até hesitam em classificar-se de "direita". Afinal, a dada altura, Murray Rothbard chegou a defender a tese que a esquerda eram os "libertários", a direita os conservadores, e o centro, os socialistas

    By Anonymous Anónimo, at 7:24 da tarde  

  • "Ora, na distribuição da riqueza, costuma haver muito mais gente abaixo da média do que acima, o que significa que grande parte das desigualdades não são apenas o reflexo da desigualdade natural, mas também uma criação artificial da sociedade (diga-se que "artificial" não significa necessariamente "mau")"

    O que acontece é que "natural", ou "inevitável", surgirem desigualdades numa economia de mercado onde não haja entraves à propriedade (leia-se: redistribuição). Eu não digo que isto seja bom ou mau: é apenas "estatisticamente" inevitável. Daí que eu preferisse não apelidar de "criação artificial" da sociedade, porque ela segue-se imediatamente do modelo de concorrência livre.

    A razão é que se tu arriscares, podes ficar muito mais rico ou um pouco mais pobre. Mas ninguém pode ficar infinitamente endividado. Além disso, para as dívidas das empresas apneas responde o património delas e não do indivíduo. Por isso, haverá tend´~encia para alguns individuos irem enriquecendo, enquanto a maioria da população - que não arrisca - mantém níveis medianos de riqueza.

    É preciso também lembrar uma coisa essencial: a criação de riqueza é isso mesmo: CRIAÇÃO. Não há aqui um jogo de SOMA NULA. Isto é uma ideia que algumas pessoas de esquerda geralmente advogam: que se há alguém mais rico, é porque foi "roubar" aos outros. Ora a iniciativa gera riqueza, que é apropriada em proporções diferentes por quem teve a iniciativa (fornecedor) e por quem dela também beneficia (consumidores).

    Para dar uma analogia estatística muito simplista: imagina uma curva Normal, perfeitamente simétrica. Agora pensa que por causa da tal "truncagem" nos rendimentos, que não pode haver rendimentos (excessivamente) negativos. Logo, a curva normal não é a mais apropriada. Talvez a "Qui-square" seja uma melhor descrição - aqui há uma grande concentração em torno dos "mais pobres" (mais até na "classe média pobre" do que nos "muito pobres") e a cauda dos mais ricos é considerável.

    Finalmente, e sem ter a ver com o argumento que apresento, que é perfeitamente "positivo", eu sou a favor de alguma redistribuição.

    By Blogger Tiago Mendes, at 11:37 da manhã  

  • «Para dar uma analogia estatística muito simplista: imagina uma curva Normal, perfeitamente simétrica. Agora pensa que por causa da tal "truncagem" nos rendimentos, que não pode haver rendimentos (excessivamente) negativos»

    Também não pode haver alturas negativas, QI's abaixo de 0, etc., e não é por isso que essas distribuições deixam de ser simétricas

    By Anonymous Anónimo, at 3:27 da tarde  

  • Espera, Miguel. Nao e' por serem "negativas": e' por estarem "truncadas" devido 'a natureza do investimento, que tem um "upside" infinito, enquanto o "downside" esta' limitado, quer pelo endividamento (que nao pode ser infinito nem demasiado grande), quer pela regulamentacao das empresas, cujos donos (accionistas ou socios, conforme o modelo) apenas respondem com o patrimonio da empresa e nao pessoal.

    E' essa truncagem que faz com que inevitavelmente uma sociedade evolua duma situacao (por hipotese) igualitaria 'a partida para uma sociedade desigual. Desde que haja livre iniciativa isso acontece. Ate' ha' quem argumente (eu entendo esse argumento), como o Joao Galamba (creio) que exactamente por haver algo de "inevitavel" num mercado livre, que nao o podemos considerar "amoral". Porque ha consequencias inevitaveis, e como tal, devem ser consideradas como "matriz" dela mesma.

    [O Joao argumenta, e eu tb concordo, que o mercado nao e' "amoral", porque implica algumas assumptions a priori - isto e' independente do argumento acima que eu lhe atribuo, sem certeza absoluta que ele o subscreva; fica a ressalva).

    By Blogger Tiago Mendes, at 3:33 da tarde  

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