aforismos e afins

28 novembro 2005

A Arte e o Outro (1)

«A arte não tem, para o artista, fim social. Tem, sim, um destino social, mas o artista nunca sabe qual ele é, porque a Natureza o oculta no labirinto dos seus designios. Eu explico melhor. O artista deve escrever, pintar, esculpir, sem olhar a outra cousa que ao que escreve, pinta, ou esculpe. Deve escrever sem olhar para
fora de si. Por isso a arte, não deve ser, propositadamente, moral nem imoral. É tão vergonhoso fazer arte moral como fazer arte imoral. Ambas as [cousas] implicam que o artista desceu a preocupar-se com a gente lá de fora. Tão inferior é, neste ponto, um sermonário católico como um triste Wilde ou d'Annunzio, sempre com a preocupação de irritar a plateia.

Irritar é um modo de agradar. Todas as criaturas que gostam de mulheres sabem isso, e eu também sei.» [Fernando Pessoa]

11 Comments:

  • este post dava pano para mangas

    o Cunhal debruçou-se sobre este tema defendendo uma tese semelhante (ao contrário da esmagadora maioria dos seus camaradas estalinistas portugueses e estrangeiros)

    e ainda agora este tema é extremamente debatido (agora por outras correntes do pensamento)

    By Blogger timshel, at 7:45 da tarde  

  • Arte e' arte.

    "A arte não tem, para o artista, fim social".

    Este "tem" deve ser lido normativamente como "deve ter". Nao acredito na arte como ideologia. Claro que o pode ser. Mas isso nao e' arte em "estado puro". E' manifestacao estetica ou artistica de propaganda e ideias politicos, mas nao e' arte.

    Arte e' individualismo por excelencia.

    PS: "este post dava pano para mangas"

    Go ahead! :)

    By Blogger Tiago Mendes, at 7:53 da tarde  

  • Delicioso.:)

    By Anonymous Anónimo, at 9:19 da tarde  

  • «Irritar é um modo de agradar.» muito bom!!! «Todas as criaturas que gostam de mulheres sabem isso» é discutível. mas estamos a falar de Pessoa, que não "olhava" para as mulheres com "bondade" suficiente, digo eu...

    uma dúvida:

    se um artista tem determinada "agenda" no seu trabalho, quais são os limites para que a sua obra possa ser considerada ainda arte e não panfletarismo?

    By Blogger aL, at 9:28 da tarde  

  • "Delicioso :)"

    Delicioso também esse seu comentário, caro JB :)

    Cara Alaíde,

    Temos que ir com calma, mulher. O facto do Pessoa ter alguns problemas com mulheres não retira (até por homenagem a ele) a importância que devemos dar à "ideia" e não ao "sujeito" que a profere.

    Eu concordo (grosso modo) com o que ele diz. Aliás, parte do encanto da mulher está aí. Seria interessante tentar perceber as motivaçõe possíveis disso, e certamente entraríamos num Darwinismo potentoso... ;)

    Mas o melhor é regressar aos temas sérios e deixar estas discussões de quase filosofia de alcofa para o meu colega T. M. :)

    Repara que planfetarismo só faz sentido num "contexto social". Se for pura propaganda individual, trata-se de individualismo, vaidade, narcisismo. Pensa no Lobo Antunes ou no Saramago.

    A agenda dum artista é mesmo... não ter agenda. No fundo, deve preocupar-se com a obra, consigo, e não com o outro, ainda que saiba - claro - que há a possibiliadde de a sua obra ter um efeito social posterior. O que Pessoa chama de "destino". Mas é preciso separar a "deontologia" do ser artista... e as "consequências" que daí advém.

    Essas, não podem preocupar o verdadeiro artista, pelo menos eu penso assim, e é ASSIM que DEFINO um artista. Um incorruptível. Que se deixa cumprir através do meio artístico que mais lhe apela, sem olhar aos outros. Melhor: sem comprometer a sua obra pelos outros. Claro que não há homens-átomos e a criação é "influenciada" por factores externos, mas num sentido puramente exógeno, exterior, não intencional.

    Mas, claro, um artista puro hoje em dia é muito difícil de encontrar...

    By Blogger Tiago Mendes, at 10:35 da tarde  

  • estás a pensar no artista quase que como um ermita. ora pode o artista "escrever" uma obra distante da sua linha de pensamento?
    ou seja é possível ao artista criar a sua arte de forma laboratorial?? não é o artista o melhor revelador do sentimento da sociedade?

    By Blogger aL, at 2:53 da manhã  

  • Não ermita na sua vivência, mas apenas independente na sua forma de criar e agir...

    O artista e as suas obras podem ser "ex-post" uma forma superior de reveleção dos tempos que se vivem (viviam) numa sociedade mas isso tem que ser apenas "consequência" e não "motivação" para o acto criador.

    Isso segue necesariamente do facto do homem ser "ele mais a sua circunstancia". O homem não é um eremita. Mas o artista não deve sentir em peso em demasia.

    By Blogger Tiago Mendes, at 11:41 da manhã  

  • PS: isto que eu escrevi é mesmo o que eu penso, não era para (só) para te irritar, ooops, agradar.

    :)

    By Blogger Tiago Mendes, at 11:42 da manhã  

  • no entanto, continuo sem perceber onde se traçam os limites entre a arte e a manifestação artistica de propaganda...

    leni riefenstahl, fez arte ou propaganda? e Eisenstein? e clint eastwood? e Sean Penn? só me estou a lembrar de cinema...

    By Blogger aL, at 1:25 da tarde  

  • o facto é que um artista tem sempre uma "agenda"!!! ;)

    By Blogger aL, at 1:26 da tarde  

  • Repara que eu não estou a falar do que os (que tu chamas) artistas "têm", mas sim do que os (que eu chamo) artistas "devem ter".

    Eu acho que um artista "puro" só pode ter como agenda não ter agenda. Mas repara que isto é praticamente uma definição, porque exclui muita coisa. OU seja, há aqui um subjectivismo muito forte, que provavelmente impossibilita que possamos chegar a algum consenso... ainda que compreendamos as discórdias.

    By Blogger Tiago Mendes, at 11:31 da tarde  

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