aforismos e afins

28 novembro 2005

O liberalismo evolui

[Na sequência do post anterior, da resposta do André, e dos comentários que então lhe dirigi (ainda sem resposta).]

Com certeza que o liberalismo evolui. Por definição.

O peso, a altura, a personalidade duma pessoa também evoluem. Não é por não serem constantes e imutáveis ao longo do tempo que deixamos de dizer que a cada momento do tempo toda e qualquer pessoa têm um peso, uma altura, uma personalidade.

A doutrina da ICAR evolui. Não que tenha (necessariamente) essa vocação ou tendência ou apetência natural ou enraizada. Mas é um facto que ao longo dos tempos as posições da ICAR se têm alterado. Ou seja - e equivalentemente - que as posições
(ou a doutrina) da ICAR têm evoluído. Logo, elas evoluem.

O liberalismo evolui. Ao contrário de outras doutrinas, no liberalismo essa apetência para a mudança é uma marca essencial. Como refere Mário Vargas LLosa: «Because liberalism is not an ideology, that is, a dogmatic lay religion, but rather an open, evolving doctrine that yields to reality instead of trying to force reality to do the yielding, there are diverse tendencies and profound discrepancies among liberals. [bold meu]»

Mas não é por evoluir que deixa de ser uma doutrina. Pode ser uma doutrina menos rígida que outras. Concordo. Pode não ser uma ideologia no sentido pejorativo que Llosa lhe dá. Concordo. Mas repare-se no essencial da frase do escritor que o André cita: o «that is», que sugere que o escritor usa a palavra ideologia apenas e somente com o sentido de «dogmatic lay religion». Pode ele fazer tal coisa? Com certeza. As palavras são ricas em significado e no contexto percebe-se perfeitamente o que ele quer dizer. E de resto isso não é abusivo mais que não seja porque ele esclarece o significado que quer dar às palavras.

É que, por muito que nos custe, as palavras são o que são.
E quando há pouca inclinação ou apetência ou propensão para atender de forma honestas ao que o outro tenta explicar e fazer entender, e se opta por reduzir a significância das palavras a algo muito restrito que possa ser consonante com as nossas teorias acerca do mundo, isso parece-me um pouco lamentável e certamente não muito propício a qualquer dialéctica.

Diz-me lá tu, caro André, onde é que está afinal a esquizofrenia. Eu já sabia que muitas vezes as questões se resumiam a uma questão de bolds, mas não imaginava que pudesse ser assim tanto. Não de forma tão clamorosa. Mas vou aprendendo.

PS: a ler também os comentários (até agora) existentes, feitos por Cláudio Tellez, José Barros, MP-S, Vasco Gabriel, e Alaíde.

13 Comments:

  • é pena que haja determinados liberais que não dispostos a debater, de tão dogmaticas e empoeiradas que são as suas ideias. isso não ajuda nada à divulgação da "bondade" que possa existir no liberalismo. e acaba por afastar pessoas que não se reconhecendo enquanto liberais, simpatizam particularmente com a cultura liberal...

    é pena...


    p.s. abraço amigo, tiago ;)

    By Blogger aL, at 11:27 da manhã  

  • Não tenho participado neste debate, que não o considero particularmente interessante. Aliás dificilmente participo em debates quando não estou disposto a mudar de opinião, ou quando me apercebo queõs outros não estão dispostos a mudar de opinião.

    Dito isto, gostaria de dizer que me parece que com este debate vocês se estão a levar demasiado a sério e tal não é saudável.

    By Anonymous Anónimo, at 12:29 da tarde  

  • Fair enough, caro LA-C. Mas não achas que o ponto inicial, de sugerir a não normatividade do liberalismo, é um ponto sério? Sem querer deitar achas para a fogueira, acho que é preciso entender a origem das coisas. Creio que o André reagiu injustamente, e eu respondi. Optei por não responder sequer ao "tom" que o André escolheu, mas apenas aos "argumentos", tendo em vista apenas esclarecer os pontos que ele faz e repor alguma verdade, já que ele próprio se demonstrou (com todo o direito, e de resto assumindo ser esse um dos defeitos dele) indisponivel para continuar o debate.

    Onde está o excesso? Pergunto-te isto francamente, não só por estares de "fora", mas por teres um olhar lúcido nestas coisas e até um saber de experiência feito quanto a este tipo de "animosidades" (embora a outro nível, bem sei).

    By Blogger Tiago Mendes, at 12:38 da tarde  

  • Responder-te-ei mais logo. Prometo.

    By Anonymous Anónimo, at 1:41 da tarde  

  • Tinha-te prometido uma resposta... aqui vai a resposta possível.
    Em primeiro lugar, gostaria de dizer que tu, em qualquer discussão que participes, é sempre muito correcto e tentas (quase) sempre atacar os argumentos e não o adversário.

    A reacção do AAA no “post” que linkas é excessiva. Não tenho dúvidas quanto a isso. Mas isso não passa de um pormenor, todos nós, já tivemos reacções excessivas. O JMiranda já me tirou do sério mais do que uma vez, por várias vezes os comentadores no meu blogue já me tiraram do sério e suscitaram reacções excessivas, o próprio Timshell, que é a paz de alma que bem conhecemos, já me tirou do sério. Nisto, como em muitas coisas, não me sinto com autoridade moral para julgar ninguém. E eu já tive reacções bem mais violentas por bem menos e acredito que há pessoas na blogoesfera que gostam de mim também por causa disso. Também por isso não gosto de ‘posts’ que têm um pequeno cheiro a virgens ofendidas, como é o caso da nota de esclarecimento que acrescentaste ao ‘post’ anterior.

    Em geral, o teu raciocínio é um raciocínio lógico. Alguém com formação avançada em Economia reconhece em ti um “Game Theorist” num fechar de olhos. Mas se o raciocínio lógico pode ser uma arma, o raciocínio hiper-lógico pode ser uma armadilha. Armadilha em que penso que cais frequentemente. Muitos dos argumentos que usamos na blogoesfera são argumentos de retórica, e portanto ligeiramente falaciosos. Tal argumentação retórica pode ser extremamente clarificadora, não num sentido estritamente lógico, mas numa outra dimensão: as imagens e analogias que criamos revelam o nosso ângulo de visão, sendo muito mais ricas do que raciocínios puramente lógico-dedutivos, que nos permitem esconder as ideologias numa falsa neutralidade.

    Indo directamente ao assunto, a desconstrução que fazes da frase do André, escrita num comentário a um ‘post’ qualquer, é excessiva. Não diria histérica, como disse o AAA, mas compulsiva e excessiva. Tu pareces exigir um raciocínio hiper-lógico tal que nunca, mas nunca, será adequado para um blogue e muito menos para comentário a um ‘post’. Poderá ser adequado para um artigo científico em Teoria dos Jogos...

    Quando o Hélder diz que “o liberalismo não trata do que deve ser, trata do que é”, está obviamente a realçar a componente positiva do Liberalismo, e a desvalorizar a componente normativa, e realça a forma como ele vê a realidade. Não passa disso. Não é necessário escrever este tipo de ‘posts’ que por serem hiper-lógicos não dizem nada com que não estejamos todos de acordo, e que, por isso mesmo, pouco adiantam à discussão.

    By Anonymous Anónimo, at 6:13 da tarde  

  • Onde está:
    "Indo directamente ao assunto, a desconstrução que fazes da frase do André, escrita num comentário a um ‘post’ qualquer, é excessiva."
    deve ler-se:
    "Indo directamente ao assunto, a desconstrução que fazes da frase do HÉLDER, escrita num comentário a um ‘post’ qualquer, é excessiva."

    By Anonymous Anónimo, at 6:15 da tarde  

  • Obrigado pelo feedback, caro. I take everything on board, agreeing with almost everything. Tirei a nota de esclarecimento logo depois de ter a reaccao do Helder. Era de facto excessiva, a cheirar a virgem ofendida, mas tambem quem nao se sente nao e' filho de boa gente - e isto puramente em termos de "conteudo", ja' que nunca visei (creio) o "tom" do post do Andre'.

    Percebo o ponto do "excesso de logica." Eu tambem prezo (e uso-as sobejamente) as analogias e metaforas. Mas tneho um gostinho espeical pela interpretacao por vezes demasiado logico-literal, e isso e' um defeito que reconheco. Acho contudo que certas vezes o excesso metaforico e' simplesmente brincar com as palavras, como e' o caso do JM. So' peguei na frase do Helder porque nao foi uma frase solta mas algo que ele repetiu 3 ou 4 vezes dum debate com varias pessoas, onde pessoas insuspeitas como o Lucklucky lhe fizeram a mesma pergunta.

    Quanto aos "raciocínios puramente lógico-dedutivos, que nos permitem esconder as ideologias numa falsa neutralidade", julgo que isso e' a descricao perfeita (isto nao e' ofensivo, e' factual) para o Joao Miranda.

    Obrigado, caro,

    E um abraco,

    By Blogger Tiago Mendes, at 6:31 da tarde  

  • "Quanto aos "raciocínios puramente lógico-dedutivos, que nos permitem esconder as ideologias numa falsa neutralidade", julgo que isso e' a descricao perfeita (isto nao e' ofensivo, e' factual) para o Joao Miranda. "

    É engraçado que digas isso, porque quando escrevi isto pensei no João Miranda, mas depois achei que não se aplicava a ele. Mais uma vez, não querendo ofender ninguém, faz parte das armas retóricas de JMiranda distorcer o que os "adversários" dizem, ou então pegar numa ínfima parte do argumento do "adversário" e atacar essa parte, ficando tudo o resto esquecido.

    Sinceramente, já deixei de discutir com o João Miranda por isso mesmo. Mas apesar de tudo dá-me um gozo bestial ler os debates em que ele participa. Parto-me a rir a imaginar a irritação dos adversários.

    By Anonymous Anónimo, at 6:45 da tarde  

  • "Sinceramente, já deixei de discutir com o João Miranda por isso mesmo."

    WIse, very wise. Espero que nao leves royalties de seguir a tua "descoberta" :)

    PS: embora eu nao me "divirta" a ver os debates. FIco e' sinceramnte sem perceber o que leva as pessoas a continuar debates que nunca levam a lado nenhum. Mas como sou sofista q.b. (de resto, ja' estive ai) sei que o gozo do debate so' por si pode ser grande. Depois farta. E "caimos na real".

    By Blogger Tiago Mendes, at 6:53 da tarde  

  • Intrometendo-me na conversa, gostaria apenas de destacar a abertura de espírito do Tiago ao longo deste debate. Embora me sinta mais próximo das teses insurgentes, considero a postura "deontológica" (desculpem a palavra) do Tiago exemplar.

    By Anonymous Anónimo, at 7:07 da tarde  

  • Obrigado pelas palavras, MALV. Volte sempre.

    By Blogger Tiago Mendes, at 9:58 da tarde  

  • Ora aqui está um post que me leva a colocar este blog na lista dos favorites. Totalmente de acordo com o comentário anterior. Ao contrário do LA-C (sorry, mate...), não acho que o que o comentário do Hélder seja uma questão menor. Pode ter sido um lapso, mas nesse caso aposto que toda esta discussão o terá feito pensar bastante! Ora, isto é que è "ciência", é deste modo que o "conhecimento" avança (desculpem as aspas, tem apenas a ver com escala do problema). Julgo, por isso, que o Tiago e o JG estão de parabéns por terem sucitado o debate e, já agora, pelo tom nada "esquizofrénico" e "arrogante" com que o conduziram.
    Um abraço

    By Anonymous Anónimo, at 11:09 da tarde  

  • Obrigado também pelas palavas, caro Vasco. E, nesse caso, bem-vindo a bordo!

    By Blogger Tiago Mendes, at 11:17 da tarde  

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