O 4º segredo de Fátima
«Não se é liberal ou comunista ou outra ideologia qualquer porque se considera que é a melhor forma de organização de uma sociedade?»
«O Liberalismo não é uma ideologia.»
«Porque que é que não é uma ideologia?»
«Porque não trata do que deve ser, trata do que é.»
A bold estão as palavras do Helder d'O Insurgente, escritas e repetidas aqui, como foi anunciado em primeira mão no Metablog.
Não sei se há pessoas que acham o termo ideologia demasiado «carregado» pela (nossa) história. Mas as palavras são o que são. No Dicionário online da Porto Editora encontramos o seguinte:
IDEOLOGIA
Sistema de ideias, valores e princípios que definem uma determinada visão do mundo, fundamentando e orientando a forma de agir de uma pessoa ou de um grupo social (partido político, grupo religioso, etc.).
Dizer que o liberalismo não é uma corrente política, um conjunto de ideias, valores e princípios, parece-me verdadeiramente milagroso. Parece que a partir de hoje o Liberalismo não será mais normativo, mas positivo. Será mesmo ciência? Se trata do que é, à partida deve ter um método para chegar a esse conhecimento. Usará o método científico das ciências naturais? Admitirá ser refutável? Como as palavras são o que são, melhor dar-lhes voz:
NORMATIVO
1. que diz respeito a normas ou regras;
2. que tem força de norma ou preceito;
3. que indica normas ou regras;
Admiro sinceramente quem tenha fé bastante para achar que o liberalismo não tem preceitos nem regras nem é normativo. Eu, desconseguindo tão desejável coisa, continuo meio estupidamente a acreditar que os voluntários ingleses combateram as tropas de Hitler porque achavam que o seu país devia ser livre. Que os impostos deviam ser baixos. Que o rendimento mínimo devia ser abolido. Que o «habeas corpus» deve ser respeitado. Que a velha Magna Carta e a Constituição Americana incluem um conjunto de ideias, valores, e princípios que os seus responsáveis acreditavam convictamente deverem ser a base duma sociedade livre e plural.
Ponho-me a pensar porque raio é que há séculos e séculos que tantos pensadores perdem tanto tempo a discutir coisas que não contém regras ou preceitos. Imagino que o debate se dará por puro prazer, como se bebe um bom cognac ou se joga bridge.
Ou, mais seriamente, talvez a resposta seja que para alguns, o (seu) liberalismo tenha um carácter mais de seita do que de corrente política. Onde o debate é fechado, se dá por entre rituais místicos de adoração de algo que não é normativo. E não é que eles podem ter razão? O liberalismo deles parece mesmo positivo:
POSITIVO
Adjectivo
1. que não admite dúvida;
2. que se funda em factores da vida real;
3. certo; verdadeiro; inquestionável;
4. decisivo; terminante.
Substantivo
1. o que é certo;
2. aquilo com que se pode contar;
3. o que é materialmente útil e proveitoso.
Reparem que ninguém disse que o liberalismo é uma teoria moral, ou uma ética, porque de facto não trata do bem e do mal. E, mais do que isso, não impõe comportamentos a ninguém. Com certeza que não. Mas daí a dizer que o liberalismo não é normativo vai uma distância abissal. A-b-i-s-s-a-l. As palavas são o que são o que são o que são e não podem ser usadas a nosso bel-prazer.
Mas há uma alternativa. (A semântica tem destas coisas). Pode ser que nós estejamos a interpretar abusivamente (como um todo) a expressão «dever ser» que o Helder usa. Se calhar o «dever» merece destaque individual, e assim a frase pode adquirir um carácter estritamente positivo, sugerindo dúvida, probabilidade. Pode ser que na frase apenas falte um predicado, tal como:
«Porque [o Liberalismo] não trata do que deve ser muita bom, trata do que é muita bom».
Com esta história toda, fico com sérias dúvidas se devo estar a ficar maluco, ou se estou mesmo. De facto. E como gosto quase tanto de pe(n)sar as palavras como outros ilustres colegas, acho que vou reler a Parte VI do genial Through the Looking Glass de Lewis Carroll, onde a Alice se encontra com Humpty Dumpty e se gera uma deliciosa conversa sobre o significado das palavras.
Espero poder depois, consciente e iluminadamente, declarar que o Liberalismo não é um conjunto de ideias, princípios, regras, enfim, um todo normativo, mas, tão simplesmente, que o Liberalismo... é.
Because.
«O Liberalismo não é uma ideologia.»
«Porque que é que não é uma ideologia?»
«Porque não trata do que deve ser, trata do que é.»
A bold estão as palavras do Helder d'O Insurgente, escritas e repetidas aqui, como foi anunciado em primeira mão no Metablog.
Não sei se há pessoas que acham o termo ideologia demasiado «carregado» pela (nossa) história. Mas as palavras são o que são. No Dicionário online da Porto Editora encontramos o seguinte:
IDEOLOGIA
Sistema de ideias, valores e princípios que definem uma determinada visão do mundo, fundamentando e orientando a forma de agir de uma pessoa ou de um grupo social (partido político, grupo religioso, etc.).
Dizer que o liberalismo não é uma corrente política, um conjunto de ideias, valores e princípios, parece-me verdadeiramente milagroso. Parece que a partir de hoje o Liberalismo não será mais normativo, mas positivo. Será mesmo ciência? Se trata do que é, à partida deve ter um método para chegar a esse conhecimento. Usará o método científico das ciências naturais? Admitirá ser refutável? Como as palavras são o que são, melhor dar-lhes voz:
NORMATIVO
1. que diz respeito a normas ou regras;
2. que tem força de norma ou preceito;
3. que indica normas ou regras;
Admiro sinceramente quem tenha fé bastante para achar que o liberalismo não tem preceitos nem regras nem é normativo. Eu, desconseguindo tão desejável coisa, continuo meio estupidamente a acreditar que os voluntários ingleses combateram as tropas de Hitler porque achavam que o seu país devia ser livre. Que os impostos deviam ser baixos. Que o rendimento mínimo devia ser abolido. Que o «habeas corpus» deve ser respeitado. Que a velha Magna Carta e a Constituição Americana incluem um conjunto de ideias, valores, e princípios que os seus responsáveis acreditavam convictamente deverem ser a base duma sociedade livre e plural.
Ponho-me a pensar porque raio é que há séculos e séculos que tantos pensadores perdem tanto tempo a discutir coisas que não contém regras ou preceitos. Imagino que o debate se dará por puro prazer, como se bebe um bom cognac ou se joga bridge.
Ou, mais seriamente, talvez a resposta seja que para alguns, o (seu) liberalismo tenha um carácter mais de seita do que de corrente política. Onde o debate é fechado, se dá por entre rituais místicos de adoração de algo que não é normativo. E não é que eles podem ter razão? O liberalismo deles parece mesmo positivo:
POSITIVO
Adjectivo
1. que não admite dúvida;
2. que se funda em factores da vida real;
3. certo; verdadeiro; inquestionável;
4. decisivo; terminante.
Substantivo
1. o que é certo;
2. aquilo com que se pode contar;
3. o que é materialmente útil e proveitoso.
Reparem que ninguém disse que o liberalismo é uma teoria moral, ou uma ética, porque de facto não trata do bem e do mal. E, mais do que isso, não impõe comportamentos a ninguém. Com certeza que não. Mas daí a dizer que o liberalismo não é normativo vai uma distância abissal. A-b-i-s-s-a-l. As palavas são o que são o que são o que são e não podem ser usadas a nosso bel-prazer.
Mas há uma alternativa. (A semântica tem destas coisas). Pode ser que nós estejamos a interpretar abusivamente (como um todo) a expressão «dever ser» que o Helder usa. Se calhar o «dever» merece destaque individual, e assim a frase pode adquirir um carácter estritamente positivo, sugerindo dúvida, probabilidade. Pode ser que na frase apenas falte um predicado, tal como:
«Porque [o Liberalismo] não trata do que deve ser muita bom, trata do que é muita bom».
Com esta história toda, fico com sérias dúvidas se devo estar a ficar maluco, ou se estou mesmo. De facto. E como gosto quase tanto de pe(n)sar as palavras como outros ilustres colegas, acho que vou reler a Parte VI do genial Through the Looking Glass de Lewis Carroll, onde a Alice se encontra com Humpty Dumpty e se gera uma deliciosa conversa sobre o significado das palavras.
Espero poder depois, consciente e iluminadamente, declarar que o Liberalismo não é um conjunto de ideias, princípios, regras, enfim, um todo normativo, mas, tão simplesmente, que o Liberalismo... é.
Because.
20 Comments:
no meu relógio ainda são o:14am! ainda bem que foi impaciente...
By aL, at 12:15 da manhã
Perfeito! ou quase (porque nao falaste do Heidegger). Mas nao se pode ter tudo. Eu depois faco uma descontrucao ontologico-hermeneutica da coisa, e os psiquiatras a reconstituicao emocional dos aderentes de tamanha falacia.
ESTA MUITA BOM!
By Joao Galamba, at 12:22 da manhã
;)! clap, clap! bué fixe, meu!
By aL, at 12:25 da manhã
Olho' apito meu caro olho' apito...
By Joao Galamba, at 12:29 da manhã
A frase do Helder é suficientemente enigmática para se lhe aplicar o princípio da caridade. Assim, espero ansioso pela resposta do Helder a este post para então me pronunciar.
Gostava é de saber se o Henrique Raposo também acha que o Helder deve ler uma biblioteca inteira antes de falar do liberalismo...eu que já comprei todos os Hayeks que encontrei no Continente, espero que a regra se aplique a todos os candidatos a liberais, mesmo que o Henrique Raposo não goste de fazer bom uso do apito. Nisto como em tudo o resto, ou há moralidade ou comem todos...
By Anónimo, at 12:41 da manhã
Caro Jose Barros,
Tenha cuidado que ainda e acusado de "apitador-mor" pelos senhores Tolerantes da blogosfera. Olhe que eles andem ai a coca de qualquer coisinha que lhe perturbe a sua doce serenidade. Eu escrevi o mesmo no Metablog numa resposta ao comentario que o AAA me fez (de uma olhada nos comentarios do http://ometablog.blogspot.com/2005/11/perplexidades.html) . O principio da caridade e fundamental, e ficamos todos a espera que o Helder nos justifique estas suas palavritas. Quanto ao HR nao se esqueca que ele e apenas jogador e tem a sua equipa e as suas lealdades. Livros so' para os outros.
Um abraco,
Joao Galamba
By Joao Galamba, at 1:04 da manhã
Caro João Galamba,
Eu levo estas coisas com muita ironia.
Não é o facto de os blasfemos e os insurgentes me terem desiludido no que respeita à sua honestidade intelectual que me faz perder o humor.
Aliás, não tendo eu grandes conhecimentos de filosofia política - apesar de ter estudado filosofia - não tenho pretensões a ter discussões filosóficas com o JM, o AAA, o Henrique Raposo ou com quem quer que seja. Não tenho capacidade para tal.
Interessa-me antes é ver como as ideias do JM, AAA e do Henrique Raposo se traduzem, na prática, em áreas como a política e, sobretudo, o direito.
Aí, a última discussão com o JM foi elucidativa. Ele não faz a mínima ideia do que é o direito penal e para que é que serve. Sinceramente, não tenho grande respeito por pessoas com grandes teorias que depois nos pormenores mostram não perceber nada de como a sociedade funciona.
Um bom filósofo político, para mim, tem de ter conhecimentos sólidos de economia e de direito (pelo menos).
Doutro modo, não vale a pena, porque dificilmente algo que digam pode ter interesse prático e mudar alguma coisa.
Acresce que manda a honestidade intelectual que as pessoas estejam dispostas a discutir as ideias e as suas potenciais aplicações práticas. Se a discussão permanece no vácuo, dificilmente se pode aferir do valor das ideias defendidas.
Isto vale independentemnte dos muitos livros que o Henrique Raposo, o AAA ou o JM tenham lido...
By Anónimo, at 1:21 da manhã
"Aí, a última discussão com o JM foi elucidativa. Ele não faz a mínima ideia do que é o direito penal e para que é que serve. Sinceramente, não tenho grande respeito por pessoas com grandes teorias que depois nos pormenores mostram não perceber nada de como a sociedade funciona."
Até mais do que isso, caro José Barros. É querer botar palavra sobre coisas que não se dominam, ainda para mais com uma atitude dogmática, anti-debate.
Bem se precisa lembrar o «Quem te manda a ti sapateiro tocar rabecão...».
P
By Tiago Mendes, at 1:27 da manhã
Repito o aviso: cuidado com os Tolerantes. Larguem esse apito antes que seja tarde demais...
ps: Caro Jose Barros, concordo em absoluto com tudo o que disse. Mas nao se esqueca que eles tem razao e nos somos todos tontinhos cegos dominados pelo erro
By Joao Galamba, at 1:35 da manhã
"Isto vale independentemnte dos muitos livros que o Henrique Raposo, o AAA ou o JM tenham lido..."
Eu só leio as contracapas e a wikipedia.
Agora a sério: acho estes posts lamentáveis.
By André Azevedo Alves, at 1:51 da manhã
É isso, caro Tiago.
Um dos problemas da nossa sociedade é ser demasiado complexa. Qualquer assunto político requer estudos e é dominado em toda a sua extensão apenas por especialistas, sejam juristas, economistas, engenheiros ou o que for.
Por outro lado, ou as ideias políticas têm algo a dizer sobre problemas concretos ou então dificilmente servem para mais do que conversa de café.
Ninguém respeita mais a filosofia política do que eu, mas é preciso muito cuidado quando se transpôe ideias políticas para áreas como o direito ou a economia.
Um bom exercício é pegar nos posts do JM, do Henrique Raposo e de todos os que escrevem sobre filosofia política e imaginar dois ou três problemas concretos que essas ideias podem ajudar a resolver. Se transpostas para o domínio dos problemas concretos, essas ideias se revelam insatisfatórias, então é porque são ideias erradas ou, pelo menos, inúteis.
A grande razão por que o clima não é muito bom no Blasfémias ou no Insurgente passa pelo facto de pessoas liberais terem começado a confrontar o liberalismo desses bloggers com questões concretas. Só aí se começa a perceber o valor das ideias desses bloggers e, ao mesmo tempo, só aí é que se começa a compreender que essas ideias não são assim tão interessantes.
By Anónimo, at 1:56 da manhã
"pelo facto de pessoas liberais terem começado a confrontar o liberalismo desses bloggers com questões concretas. Só aí se começa a perceber o valor das ideias desses bloggers e, ao mesmo tempo, só aí é que se começa a compreender que essas ideias não são assim tão interessantes."
Exactamente. Viver numa redoma idealista e de certo modo auto-evidente e irrefutável é muito bonito mas não pode dar muito para a vida real.
By Tiago Mendes, at 2:02 da manhã
Caro AAA,
O tom da conversa não é, de facto, o mais agradável.
Mas mandaria a coerência que o AAA criticasse comentários como os do JM ou do Henrique Raposo quando estes mandam as pessoas ler livros antes de se aventurarem a discutir o liberalismo.
Ora eu nunca mandei o JM ler livros quando ele discute direito, embora me pareça evidente que ele não domina o assunto, tendo-lhe já dito isto. E não o mando ler livros de direito, porque não me apetece estar a dizer às pessoas o que devem e o que não devem fazer, o que podem e o que não podem comentar.
Interessa-me isso sim é transpor as ideias do JM ou de qualquer pesosa para certas questões práticas e ver o valor delas. Pode acontecer que as ideias até me ajudem na minha actividade como estudante do direito ou - melhor ainda - possam ser interessantes para o desenvolvimento do país.
O que não parece interessante, é alguém tecer grandes discursos sobre o que a lei é e o que a lei deve ser, sobre o sistema da common law em Inglaterra ou o diabo a quatro e depois confrontado com questões concretas revelar a maior ignorância sobre como são feitas as leis em Portugal ou como são feitas as leis em Inglaterra. É este tipo de discussão no vácuo que não interessa, porque não tem nada a dizer, não acrescenta nada à discussão sobre o problema em concreto, sobre, por exemplo, o sistema jurídico que devemos adoptar.
By Anónimo, at 2:11 da manhã
Um dia destes encontramos o Henrique Raposo a proibir o voto nalgum candidato liberal, enquanto não lerem no mínimo 5 autores liberais aconselhados por ele...
Agora a sério, acho que a discussão um pouco desnecessária, e apenas confere uma má imagem à ideologia/doutrina/etc. do liberalismo...
Mas confesso que estou curioso por ver o post do Hélder... ;)
By Bruno Gouveia Gonçalves, at 12:49 da tarde
Ok, Bruno. Eu achei a discussão necessária, porque acho que o ponto sugerido era sério e grave. Não esperava a recção que aconteceu, mas também não deixaria de fazer o ponto por causa de "consequências". Podias, isso ser, ter escrito num "tom" diferente. Fico à espera do veredicto do Helder.
By Tiago Mendes, at 12:55 da tarde
Eu não sugeri que o ponto de partida da discussão fosse pouco sério. Apenas acho que a discussão se desenrolou em aspectos acessórios, mas essa é uma opinião pessoal.
Acho que o meu "tom" não ofendeu ninguém. Queria apenas dizer com frontalidade aquilo que pensava, e penso, sobre o assunto.
Abraço
By Bruno Gouveia Gonçalves, at 1:07 da tarde
Bruno, sorry. Obviamente queria dizer "queria" e não "querias" - referia-me ao meu post, não ao teu comment! Claro que o teu tom não ofende ninguém, antes pelo contrário :)
Só achei que o ponto da normatividde era de facto importante... porque põe TUDO em causa.
Abraço,
By Tiago Mendes, at 1:11 da tarde
Ou melhor, queria ter dito "podia" e não "podias", quando escrevi:
"Podias, isso ser, ter escrito num "tom" diferente. Fico à espera do veredicto do Helder."
Onde o "podias" é um typo do teclado. Referia-me a mim.
Abraço,
By Tiago Mendes, at 1:14 da tarde
Ok, ok, já percebi.
No hard feelings... ;)
By Bruno Gouveia Gonçalves, at 1:23 da tarde
Excelente!
Você e o João Galamba estão a restituir-me a minha fé na honestidade intelectual dos liberais da blogosfera lusa...
By lb, at 4:23 da tarde
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