Being-IN-the-world ou Being-OUT-of-the-world?
Caro João: gostei muito dos exemplos da coca-cola e do filme
«Os deuses devem estar loucos». Ilustram brilhantemente como o entendimento dum objecto não é independente do contexto e da nossa vivência. Agora, a citação de Heidegger - da qual destaco «A mood is not related to the psychical» - para mim só é aceitável se a tomar como definição/proposta de «mood». E isso, consequentemente, não traz qualquer contributo para a sua compreensão mas apenas para a sua delimitação. Para percebermos onde e/ou quando é que não há «mood», mais do que perceber o que isso realmente é - o que é a sua natureza. Ninguém disse neste debate que o amor ou a amizade são coisas simples nem muito menos que são puramente nem tão pouco preponderantemente neurológicos, isto é, que podem ser entendidos dum ponto de vista causal-mecanicista do género "toma um comprimido que ficas logo apaixonado". Apenas que também podem contribuir para a sua compreensão.
O mais preocupante para mim, no entanto, é quando tu dizes "mas o amor não é uma questão médica e se alguma vez for significa que vivemos num mundo como aquele que Huxley descreveu", vais-me perdoar, mas isto significa que tu não estás preparado para uma busca honesta do conhecimento. Quem busca o conhecimento tem que estar disponível para aceitar que o amor pode ser X ou Y ou Z. E se isso for contra as suas hipóteses base, tem de ter a coragem de dizer "bolas, estava errado". E se isso for contra a sua moral e contra o que ele acha que o mundo deve ser, tem de ter a coragem de dizer "Este mundo é uma merda, já nem o amor escapa". E, a partir daí, eventualmente tentar mudar as coisas para viver num mundo melhor.
Mas a compreensão do mundo é uma questao positiva e não normativa. A tua postura é tremendamente anti-científica. Um cientista tem que ser um destruidor impenetrável e alheio a considerações e implicações morais que poderão advir do seu estudo - isto na dimensão "científica" da pessoa. Claro que ele pode rejeitar estudar a bomba atómica por não querer sentir-se responsáavel por um eventual uso dela. Não pode é - enquanto cientista - ignorar ou falsificar quaisquer conclusões a que tenha chegado. Perante a tua intransigência em dar "alguma" importância que seja às ciências naturais, vejo-me obrigado a recorrer a um exemplo simplista para ver se pomos alguns pontos nos iiis:
Facto 1: O Prozac é um químico.
Facto 2: Tomar Prozac pode alterar a tua mood.
Conclusão: Um químico pode alterar a tua mood.
Corolário: A tua mood pode ser parcialmente explicada por agentes químicos e/ou factores meramente causais e/ou factores enquadráveis no framework das ditas "ciências naturais".
E ainda digo mais, em jeito de prevenção dos teus previsíveis rasgos mais-ou-menos Heidegger-Wittgeinsteinianos:
1. A conclusão não depende de tu teres ou não consciência do efeito. Se te meterem um prozac na sopa às escondidas o efeito é o mesmo (claro que estou a excluir o "efeito placebo"). Também não depende de estares mais-ou-menos-entrusado num certo mundo-que-te-rodeia. É uma questão de "facto". Uma questão "causal". Ou, melhor ainda, e para não te revoltares contra o dualismo "facto-valor" e o absolutismo da palavra "causal" - é passível de o ser. E é-o exactamente porque a ciência é - por definição - refutável. Isso de dizer que o "amor está para além do psíquico" pode ser muito bonito e coisa e tal mas é irrefutável porque se auto-define e auto-delimita em si-mesmo. A isso chama-se crença ou dogma ou axioma. Cada um pode ter os seus, e isso é respeitável. Não se pode é ter pretensões de as qualificar como ciência, nem de querer impô-las a outros;
2. A conclusão também não depende da linguagem. Não depende de lhe chamarmos "mood", ou "efeito", ou "sentimento", ou o que quer que seja. Também não depende da interpretação que damos às coisas, nem depende de eu escrever isto ou não. Se eu der prozac a um macaco, ou a um surdo-mudo que não tem qualquer poder de linguagem, ele vai sentir o mesmo efeito. Pode não conseguir comunicá-lo, ou interpretá-lo, ou descrevê-lo, ou saber o que é um "efeito" - o que tu queiras. O ponto é que há fenómenos que estão para lá da linguagem. Antes do homem existir já havia mundo, já havia coisas a acontecer, já havia relações de causa-efeito e outras sem ser de causa-efeito. Nós humanos só as podemos entender se usarmos linguagem. Só posso falar contigo através da linguagem. Só posso entender o mundo através da linguagem. Excelente. Mas o "refúgio" de achar que nada tem sentido FORA da linguagem é mais outra construção que - por muito respeitável que seja - está para alem da ciência. A filosofia e a ciência são separáveis. Embora não sejam independentes. É preciso perceber esta diferença crítica.
Podes substituir prozac por ectasy, chocolate, tabaco, cocaína; e susbtituir "mood" por "sensação", ou "sentimento", ou o que queiras - desde que seja algo impossível de "medir" na forma habitual que as ciências naturais usam. Esse algo que é fisicamente não mensurável ainda assim "existe". É algo que tu percepcionas - ou sentes, ou vives, ou experiências. O que importa é que tu dizeres que NENHUMA sensação (ou "mood", etc) pode ALGUMA vez depender, nem sequer PARCIALMENTE, de químicos ou demais reacções que sejam explicáveis pelas ciências naturais... sinceramente não me parece compatível com a hipótese de esse alguém "amar o conhecimento". O refúgio em teorias que são auto-construídas e por natureza irrefutáveis, que depois se defendem (e tentam impor) como sendo self-evident é, repito, inteiramente respeitável, mas não é ciência, nem, como tal, passível de ter autoridade para falar sobre ela.
Dizes também - citando Heidegger - que, mais do que um mero "fenómeno psíquico", o amor é uma "categoria existencial" diferente. Não nego. Sobretudo não menosprezo a complxeidade da coisa. Aliás, desde sempre que o homem fala sobre isso. Mas se tu me queres convencer que todo e qualquer fenómeno que involva "sentimentos" ou "percepções" está numa categoria existencial diferente por causa do being-in-the-world e etc e tal, eu lembro-te isto: para uma declaração universal ser rejeitada basta um contra-exemplo. Bastante fácil, neste caso: pensa nos alucinogéneos e no efeito que eles têm. Estou seguro que a maior parte das pessoas que os experimentaram se refeririam a essa experiência exactamente como proporcionando uma "categoria existencial" diferente, nomeadamente - e isto roça fronteiras importantes - estados avançados de consciência.
Se a tua aversão infinita às ciências naturais vem do facto de teres MEDO de vir a descobrir coisas que possam fazer ruir o teu mundo perfeito OU se vem do facto de teres MEDO que concepções demasiado "mecanicistas" - mesmo se verdadeiras - possam afectar o teu bem-estar e o mundo que te rodeia, o mais simpático que posso dizer quanto a isso é que é anti-científico duma forma pouco respeitável para tantos que morreram na fogueira em defesa das suas convicções e descobertas. Pensa em Galileu ou em Darwin, e no tempo que levou a que as suas teorias fossem aceites, APENAS porque na altura em que foram propostas desafiavam as concepções vigentes sobre o mundo, sobre o que somos e porque estamos aqui.
A tua atitude é semelhante à dos inquisidores. Negas, rejeitas, abominas as ciências naturais e os seus métodos com medo que elas te demonstrem ou apontem para - por exemplo - uma coisa tão simples quanto perceber que "parte" do nosso comportamento que nos habituámos a designar por "ético" pode ter uma origem "parcial" na teoria evolucionista, e que os nossos genes possam ser "parcialmente" responsáveis por (ou "incentivadores" a) atitudes de cooperação e reciprocidade.
O conhecimento do mundo e de nos próprios - como atitude - tem de estar para além da moral e do que desejamos. A moral e o contexto e tudo o resto têm que ser tidos em conta para analisar um determinado objecto (ou "sujeito", ou "realidade-em-si", ou "vivência", ou "experiência" - o que queiras). Mas a atitude tem de ser, por definição, positiva e não normativa. Um cientista pode rejeitar participar num projecto que se debruce sobre a bomba atómica por não querer ser responsável pelo seu uso eventual. Mas um cientista - enquanto cientista - não pode negar os resultados que eventualmente descobrisse nesse estudo. O cientista tem que ser aquele que por natureza é capaz de descobrir algo e o proclamar ao mundo, mesmo que isso implique a ruina na sua vida, quer na sua dimensão moral quer "real".
Cito, a propósito, João Aldeia:
Por outro lado, creio que deveríamos excluir daqui as questões ideológicas. Se há uns tipos ("neoliberais puros e duros do darwinismo social" ?) que pegam nesta hipótese para fundamentar um qualquer programa ou teoria económica, a nossa não aceitação duma tal insanidade não nos deve levar a rejeitar, só por isso, a hipótese que eles abusivamente extrapolaram.
E termino referindo que: 1) os teus "medos" relativamente às consequências de certas descobertas; 2) a tua aversão a poder concordar com algo que os teus adversários (noutros campos) defendem (o ponto que João Aldeia faz); e 3) os teus argumentos que apelam a explicações que são única e exclusivamente possíveis "FORA" das ciências naturais e do seu método - todos têm nomes bem conhecidos no mundo da filosofia e da lógica argumentativa. Eles são, respectivamente:
1) Falácia do Apelo às Consequências:
O argumentador, para “mostrar” que uma crença é falsa, aponta consequências desagradáveis que advirão da sua defesa.
2) Falácia do Apelo a Preconceitos:
Termos carregados e emotivos são usados para ligar valores morais à crença na verdade da proposição
3) Falácia da Irrefutabilidade:
A teoria que foi avançada para para explicar a ocorrência de algum fenómeno não pode ser testada.
Convido a que leiam os exemplos referentes às falácias acima citadas, e de resto, a ler todas as outras lá descritas, para realizar o quanto elas estão recorrentemente presentes em tanto debate que se vê por aí, seja na política, ciência, ou filosofia.
E acabo comentando o título do post: acho que essa tua (excessiva?) interpretação - e (obsessiva?) aplicação - do being-in-the-world de Heidegger a TODO o fenómeno passível de conhecimento te faz, sinceramente, estar mais out-of-the-world do que in-the-world. [O "being" felizmente não ponho em causa]. Não estás "fora" do mundo em si, claro. Mas parece-me que ficas, por escolha própria (não sei se consciente ou não), demasiado afastado do mundo do conhecimento e daqueles que o vivem de espírito aberto e honrando a tradição dos clásssicos.
«Os deuses devem estar loucos». Ilustram brilhantemente como o entendimento dum objecto não é independente do contexto e da nossa vivência. Agora, a citação de Heidegger - da qual destaco «A mood is not related to the psychical» - para mim só é aceitável se a tomar como definição/proposta de «mood». E isso, consequentemente, não traz qualquer contributo para a sua compreensão mas apenas para a sua delimitação. Para percebermos onde e/ou quando é que não há «mood», mais do que perceber o que isso realmente é - o que é a sua natureza. Ninguém disse neste debate que o amor ou a amizade são coisas simples nem muito menos que são puramente nem tão pouco preponderantemente neurológicos, isto é, que podem ser entendidos dum ponto de vista causal-mecanicista do género "toma um comprimido que ficas logo apaixonado". Apenas que também podem contribuir para a sua compreensão.
O mais preocupante para mim, no entanto, é quando tu dizes "mas o amor não é uma questão médica e se alguma vez for significa que vivemos num mundo como aquele que Huxley descreveu", vais-me perdoar, mas isto significa que tu não estás preparado para uma busca honesta do conhecimento. Quem busca o conhecimento tem que estar disponível para aceitar que o amor pode ser X ou Y ou Z. E se isso for contra as suas hipóteses base, tem de ter a coragem de dizer "bolas, estava errado". E se isso for contra a sua moral e contra o que ele acha que o mundo deve ser, tem de ter a coragem de dizer "Este mundo é uma merda, já nem o amor escapa". E, a partir daí, eventualmente tentar mudar as coisas para viver num mundo melhor.
Mas a compreensão do mundo é uma questao positiva e não normativa. A tua postura é tremendamente anti-científica. Um cientista tem que ser um destruidor impenetrável e alheio a considerações e implicações morais que poderão advir do seu estudo - isto na dimensão "científica" da pessoa. Claro que ele pode rejeitar estudar a bomba atómica por não querer sentir-se responsáavel por um eventual uso dela. Não pode é - enquanto cientista - ignorar ou falsificar quaisquer conclusões a que tenha chegado. Perante a tua intransigência em dar "alguma" importância que seja às ciências naturais, vejo-me obrigado a recorrer a um exemplo simplista para ver se pomos alguns pontos nos iiis:
Facto 1: O Prozac é um químico.
Facto 2: Tomar Prozac pode alterar a tua mood.
Conclusão: Um químico pode alterar a tua mood.
Corolário: A tua mood pode ser parcialmente explicada por agentes químicos e/ou factores meramente causais e/ou factores enquadráveis no framework das ditas "ciências naturais".
E ainda digo mais, em jeito de prevenção dos teus previsíveis rasgos mais-ou-menos Heidegger-Wittgeinsteinianos:
1. A conclusão não depende de tu teres ou não consciência do efeito. Se te meterem um prozac na sopa às escondidas o efeito é o mesmo (claro que estou a excluir o "efeito placebo"). Também não depende de estares mais-ou-menos-entrusado num certo mundo-que-te-rodeia. É uma questão de "facto". Uma questão "causal". Ou, melhor ainda, e para não te revoltares contra o dualismo "facto-valor" e o absolutismo da palavra "causal" - é passível de o ser. E é-o exactamente porque a ciência é - por definição - refutável. Isso de dizer que o "amor está para além do psíquico" pode ser muito bonito e coisa e tal mas é irrefutável porque se auto-define e auto-delimita em si-mesmo. A isso chama-se crença ou dogma ou axioma. Cada um pode ter os seus, e isso é respeitável. Não se pode é ter pretensões de as qualificar como ciência, nem de querer impô-las a outros;
2. A conclusão também não depende da linguagem. Não depende de lhe chamarmos "mood", ou "efeito", ou "sentimento", ou o que quer que seja. Também não depende da interpretação que damos às coisas, nem depende de eu escrever isto ou não. Se eu der prozac a um macaco, ou a um surdo-mudo que não tem qualquer poder de linguagem, ele vai sentir o mesmo efeito. Pode não conseguir comunicá-lo, ou interpretá-lo, ou descrevê-lo, ou saber o que é um "efeito" - o que tu queiras. O ponto é que há fenómenos que estão para lá da linguagem. Antes do homem existir já havia mundo, já havia coisas a acontecer, já havia relações de causa-efeito e outras sem ser de causa-efeito. Nós humanos só as podemos entender se usarmos linguagem. Só posso falar contigo através da linguagem. Só posso entender o mundo através da linguagem. Excelente. Mas o "refúgio" de achar que nada tem sentido FORA da linguagem é mais outra construção que - por muito respeitável que seja - está para alem da ciência. A filosofia e a ciência são separáveis. Embora não sejam independentes. É preciso perceber esta diferença crítica.
Podes substituir prozac por ectasy, chocolate, tabaco, cocaína; e susbtituir "mood" por "sensação", ou "sentimento", ou o que queiras - desde que seja algo impossível de "medir" na forma habitual que as ciências naturais usam. Esse algo que é fisicamente não mensurável ainda assim "existe". É algo que tu percepcionas - ou sentes, ou vives, ou experiências. O que importa é que tu dizeres que NENHUMA sensação (ou "mood", etc) pode ALGUMA vez depender, nem sequer PARCIALMENTE, de químicos ou demais reacções que sejam explicáveis pelas ciências naturais... sinceramente não me parece compatível com a hipótese de esse alguém "amar o conhecimento". O refúgio em teorias que são auto-construídas e por natureza irrefutáveis, que depois se defendem (e tentam impor) como sendo self-evident é, repito, inteiramente respeitável, mas não é ciência, nem, como tal, passível de ter autoridade para falar sobre ela.
Dizes também - citando Heidegger - que, mais do que um mero "fenómeno psíquico", o amor é uma "categoria existencial" diferente. Não nego. Sobretudo não menosprezo a complxeidade da coisa. Aliás, desde sempre que o homem fala sobre isso. Mas se tu me queres convencer que todo e qualquer fenómeno que involva "sentimentos" ou "percepções" está numa categoria existencial diferente por causa do being-in-the-world e etc e tal, eu lembro-te isto: para uma declaração universal ser rejeitada basta um contra-exemplo. Bastante fácil, neste caso: pensa nos alucinogéneos e no efeito que eles têm. Estou seguro que a maior parte das pessoas que os experimentaram se refeririam a essa experiência exactamente como proporcionando uma "categoria existencial" diferente, nomeadamente - e isto roça fronteiras importantes - estados avançados de consciência.
Se a tua aversão infinita às ciências naturais vem do facto de teres MEDO de vir a descobrir coisas que possam fazer ruir o teu mundo perfeito OU se vem do facto de teres MEDO que concepções demasiado "mecanicistas" - mesmo se verdadeiras - possam afectar o teu bem-estar e o mundo que te rodeia, o mais simpático que posso dizer quanto a isso é que é anti-científico duma forma pouco respeitável para tantos que morreram na fogueira em defesa das suas convicções e descobertas. Pensa em Galileu ou em Darwin, e no tempo que levou a que as suas teorias fossem aceites, APENAS porque na altura em que foram propostas desafiavam as concepções vigentes sobre o mundo, sobre o que somos e porque estamos aqui.
A tua atitude é semelhante à dos inquisidores. Negas, rejeitas, abominas as ciências naturais e os seus métodos com medo que elas te demonstrem ou apontem para - por exemplo - uma coisa tão simples quanto perceber que "parte" do nosso comportamento que nos habituámos a designar por "ético" pode ter uma origem "parcial" na teoria evolucionista, e que os nossos genes possam ser "parcialmente" responsáveis por (ou "incentivadores" a) atitudes de cooperação e reciprocidade.
O conhecimento do mundo e de nos próprios - como atitude - tem de estar para além da moral e do que desejamos. A moral e o contexto e tudo o resto têm que ser tidos em conta para analisar um determinado objecto (ou "sujeito", ou "realidade-em-si", ou "vivência", ou "experiência" - o que queiras). Mas a atitude tem de ser, por definição, positiva e não normativa. Um cientista pode rejeitar participar num projecto que se debruce sobre a bomba atómica por não querer ser responsável pelo seu uso eventual. Mas um cientista - enquanto cientista - não pode negar os resultados que eventualmente descobrisse nesse estudo. O cientista tem que ser aquele que por natureza é capaz de descobrir algo e o proclamar ao mundo, mesmo que isso implique a ruina na sua vida, quer na sua dimensão moral quer "real".
Cito, a propósito, João Aldeia:
Por outro lado, creio que deveríamos excluir daqui as questões ideológicas. Se há uns tipos ("neoliberais puros e duros do darwinismo social" ?) que pegam nesta hipótese para fundamentar um qualquer programa ou teoria económica, a nossa não aceitação duma tal insanidade não nos deve levar a rejeitar, só por isso, a hipótese que eles abusivamente extrapolaram.
E termino referindo que: 1) os teus "medos" relativamente às consequências de certas descobertas; 2) a tua aversão a poder concordar com algo que os teus adversários (noutros campos) defendem (o ponto que João Aldeia faz); e 3) os teus argumentos que apelam a explicações que são única e exclusivamente possíveis "FORA" das ciências naturais e do seu método - todos têm nomes bem conhecidos no mundo da filosofia e da lógica argumentativa. Eles são, respectivamente:
1) Falácia do Apelo às Consequências:
O argumentador, para “mostrar” que uma crença é falsa, aponta consequências desagradáveis que advirão da sua defesa.
2) Falácia do Apelo a Preconceitos:
Termos carregados e emotivos são usados para ligar valores morais à crença na verdade da proposição
3) Falácia da Irrefutabilidade:
A teoria que foi avançada para para explicar a ocorrência de algum fenómeno não pode ser testada.
Convido a que leiam os exemplos referentes às falácias acima citadas, e de resto, a ler todas as outras lá descritas, para realizar o quanto elas estão recorrentemente presentes em tanto debate que se vê por aí, seja na política, ciência, ou filosofia.
E acabo comentando o título do post: acho que essa tua (excessiva?) interpretação - e (obsessiva?) aplicação - do being-in-the-world de Heidegger a TODO o fenómeno passível de conhecimento te faz, sinceramente, estar mais out-of-the-world do que in-the-world. [O "being" felizmente não ponho em causa]. Não estás "fora" do mundo em si, claro. Mas parece-me que ficas, por escolha própria (não sei se consciente ou não), demasiado afastado do mundo do conhecimento e daqueles que o vivem de espírito aberto e honrando a tradição dos clásssicos.
20 Comments:
"Conclusao: Um quimico pode alterar a tua mood."
i know that, cuddle a chemist and see the reaction
By jmnk, at 8:15 da tarde
So' tu para me fazeres rir depois desta diatribada... fico tambem 'a espera dum comentario mais serio/completo... se te apetecer, claro.
Para ja agradeco o momento de "descompressao" proporcionado :)
By Tiago Mendes, at 8:24 da tarde
Concordo plenamente com o post. Compreendo que o enunciado de fenómenos neuronais aparentemente simples, associados a sentimentos complexos, provoque um fenómeno de regeição, se é esse o caso. Mas nem os neurocientistas afirmam que esses fenómenos são simples nem que são exclusivos. Se há alguém que tem constantemente chamado a atenção para esse aspecto é António Damásio, que tem sido citado a propósito dessas investigações.
Nem é necessário ser cientista para aceitar a ligação psicosomática de comportamentos complexos como o amor, ou a paixão, ou o desgosto, que podem provocar alterações somáticas importantes.
A poesia não é negada pelas investigações neurológicas. Pelo contrário, e os poetas sempre souberam incorporar nas suas obras os inesperados avanços da ciência.
By Joao Augusto Aldeia, at 8:34 da tarde
... ou se calhar o oposto caro j.a., a ciência também deve incorporar o clarão da poesia.
Kant fez a crítica da razão pura e da razão prática; precisamos hoje de outro Kant que faça a crítica da razão científica. O momento é propício, porque na maioria das ciências é visível um movimento de auto-reflexão e de autocrítica, como os cosmólogos modernos nos mostram. O diálogo entre a ciência, a filosofia e a poesia poderia ser o prelúdio da reconstituição da unidade da cultura. O prelúdio também da ressurreição da pessoa humana, que foi pedra de fundação e o manancial da nossa civilização.
By jmnk, at 9:13 da tarde
tiago: logo a seguir ao momento de descompressão escrevi um comentário sobre a tua visão absolutista do cientista, mas esqueci-me do Word Verification e foi-se; vou atrás dele...
By jmnk, at 9:17 da tarde
(ecco...)
"O cientista tem que ser um destruidor impenetravel e alheio a consideracoes morais que podem advir do seu estudo - isto na dimensao "cientifica" da coisa. Claro que ele pode rejeitar estudar a bomba atomica por nao querer ser responsavel por um eventual uso dela. Nao pode e' - enquanto cientista - falsificar quaisquer conclusoes a que tenha chegado por esse motivo"
como sabes, por definição, não posso ser anti-científico. Não creio que existam vacas-sagradas em ciência mas sim limites; o do cientista a sua consciência, o da ciência a dignidade da pessoa humana. Não são fronteiras estáticas, antes dinâmicas, mas estão lá e fazem falta.
By jmnk, at 9:28 da tarde
1) Falacia do Apelo 'as Consequencias: O argumentador, para “mostrar” que uma crença é falsa, aponta consequências desagradáveis que advirão da sua defesa.
Para alem do desagradavel penso ja ter argumentado contra a possibildade ontologica da ciencia lidar com certos fenomenos sem os transformar logo sem destruir o fenomeno que tentava explicar. Aqui e a ciencia que se auto-refuta, nao sou eu
3) Falacia da Irrefutabilidade: A teoria que foi avançada para para explicar a ocorrência de algum fenómeno não pode ser testada.
A ontologia nao e empirica, e algo que torna possivel existirem argumentos empiricos. E uma condicao transcendental da possibilidade de algo. Por exemplo para que uma proposicao possa ser verdsdeira ou falsa tem que haver uma possibilidade ontologica da proposicao e do objecto terem afinidades. A "ciencia" se quiseres chamar-lhe assim que se debruca sobre isto e a Ontologia. Por isso e que Heidegger disse que a Verdade como proposicoes correctas pressupoe a Verdade como revelacao...Se quiseres falar de como e que algo e verdadeiro recorrendo a correspondence theory of truth entras numa regressao infinita...O Heidegger explica-te como e que evitas essa regressao. O Platao pensava que tambem o tinha feito mas para isso tinha de falar da alma como algo cuja essencia era a mesma das ideias e que era imortal. O Heidegger propos algo mais prosaico: o ultimate ground de tudo, aquilo que torna possivel ciencia, amor, relacoes, economia, ciencias sociais e o nosso Being-in-the-world. Le Heidegger e vais ver que e dificil discordar dele. Ele e tudo menos anti-cientifico...
By Joao Galamba, at 10:24 da tarde
Ha uma coisa que nenhuma ciencia (nem natural nem social) estuda que sao os pressupostos ontologicos dos fenomenos sobre os quais se debrucam. Quando o neurocientista estuda algo ele ja esta a assumir que os fenomenos podem ser estudados segundo os seus metodos (sem este pre-judgement ela nao podia fazer nada)essa "hipote" nao e objecto da sua area de estudo, ela constitui o pressoposto que ele usa sempre e portanto nao e questionado. Antes de se poderem fazer argumentos empiricos ja estamos a assumir que os metodos, as ferramentas e os pressupostos sao de determinada natureza. A Ontologia questiona estes pressupostos e a relacao que eles tem com determinados fenemonos. Se Ontologicamente se demonstrar que ha fenomenos que nao podem ser estudados pelas neurociencias elas nao podem simplesmente ignorar o argumento ontologico. Para se auto-legitimarem elas tem de entrar pelo campo ontologico e nao simplesmente fazer um re-statement dos seus pressupostos (isso e dogmatismo ou arrogancia que e tudo menos cientifico. Dizer que a mente e x nao e um argumento empirico pois ja pressupoe o que a mente "e"...etc...Podemos dizer que usando o pressuposto que a mente e algo que se estuda segundo as neurociencias (um argumento nao cientifico) podemos fazer afirmacoes que sao verdadeiras ou falsas, estudos melhores ou piores...(aqui ja ha argumentos empiricos). Por detras de qualquer argumento empirico ha um argumento ontologico, foi apenas isto que eu quis debater. ISTO NAO TEM NADA DE ANTI-CIENTIFICO
By Joao Galamba, at 10:50 da tarde
O que eu chamo de cientismo e a atitude arrogante que age como se a ciencia nao tivesse pressupostos ontologicos e avanca com os seus metodos para estudar TUDO. O argumento ontologico so mostra que isso e uma falacia e no fundo uma forma de cegueira.
By Joao Galamba, at 10:52 da tarde
Obrigado a todos pelos comentários. Vou responder logo que possa, mas dificilmente hoje.
By Tiago Mendes, at 10:53 da tarde
"Quando o neurocientista estuda algo ele ja esta a assumir que os fenomenos podem ser estudados segundo os seus metodos"
Certamente. E o filósofo que estabelece os pressupostos ontológicos não assume nada? Apoia-se em quê: na autoridade Divina?
É um argumento circular.
By Joao Augusto Aldeia, at 11:54 da tarde
COmo ja passa da meia-noite, já posso responder sem me corromper :)
Joao: ninguem defendeu que a ciência possa explicar TUDO. Negar a sua possibilidade explicativa é que me parece pouco recomendável.
JA: é isso mesmo: há sempre um ponto de partida que não é justificável. por isso é que eu gsto tanto da incompletude godeliana :)
Jmnk: tu dizes "Não creio que existam vacas-sagradas em ciência mas sim limites; o do cientista a sua consciência, o da ciência a dignidade da pessoa humana."
Eu não aceito isto como limitativo do "conhecimento". POde ser, isso sim, limitativo da "acção". Tu podes conhecer algo a agira contrariamente a isso, ou ignorá-lo, ou até mentir, para proteger um valor maior. Mas do ponto de vista do "conhecimento", a ética não pode ser metida ao barulho.
Renovdos agradecimentos.
A gerência informa que depois de animadas e amigáveis conversas com o visado, resolvemos decretar trèguas, desarmamento mútuo, e passarmaos a um being-in-the-workd mais focado no que temos que acabar. Embora estas discussões sejam fascinantes.
By Tiago Mendes, at 12:05 da manhã
Caro Joao Aldeia,
Todos os argumentos sao ultimamente circulares. O que a ontologia fundamental de Heidegger nos permite e entender que a circularidade ultima remete para a existencia. O ground e o Being-in-the-world. Agora o que e interessante em Heidegger e que a sua circularidade consegue explicar a prioridade ontologica do Being-in-the-world (o fenomeno holistico da existencia) como algo que permite a ciencia, as ciencias humanas, a literatura, a existencia de individuos que interagem,etc...(todo o mundo do ser) e o inverso nao acontece. E uma circularidade diferente e, se quiser, mais abrangente. Por isso e que ele lhe chama Ontologia fundamental. Isto nao da para elaborar num comment, mas acredite que o que Heidegger assume nao sao hipoteses. Ele tenta entender qual a condicao de possibilidades de termos hipoteses explicitas rm primeiro lugar. Isto parece obscuro reconheco, mas destruir e repensar toda a ontologia que moldou a civilizacao ocidental (Platao) nao e pera doce. Eu ainda estou a tentar lidar com o senhor Alemao o que se calhar e um projecto de uma vida.
Eu sei que isto nao e um argumento, mas alguem que permitiu Dreyfus refutar os modelos de IA, alguem que deu autnonomia as ciencias naturais, alguem que foi revolucionario para a teologia, para a filosofia, para social theory e afins nao deve ser descartado ainda tao facilmente. Isto nao e um argumento, serve apenas para dizer que alguem que teve o impacto revolucionario de Heidegger deve ter alguma coisa de fundamental a dizer-nos.
By Joao Galamba, at 12:06 da manhã
João (Galamba): dá só uma olhadela nisto:
http://aforismos-e-afins.blogspot.com/2005/11/cultura-contexto-e-individualismo.html
E também nisto, mas em 2ª prioridade:
http://aforismos-e-afins.blogspot.com/2005/11/conscincia.html
By Tiago Mendes, at 12:41 da manhã
"ou se calhar o oposto caro j.a., a ciência também deve incorporar o clarão da poesia."
Pobre aldeia, cidade ou país
Que o nariz afiado da Ciência
Vá meter a estudar a Consciência
Julgando ser fecundo como quis...
Ontológico, Galamba prediz:
"Não violem mais a Mente com experiências!
Quem quizer saber da psíque, bem: pense-a,
Que a pensar muito burro foi feliz!"
Eis Tiago o cerco dos sofismas:
Não há nada que a Ciência estude
Sobre a mente que não minta ou que grude
Mas não vejo que isto em breve mude
E por isso vou testar outro prisma:
Moody Blues ou Miller "In The Mood"
By Joao Augusto Aldeia, at 7:53 da manhã
Como seria bom se todas as discussões terminassem assim, em poesia; o seu clarão foi brilhante caro j.a
By jmnk, at 8:26 da manhã
Excelente, JA!!!! Estou tentado a publicar em post... may I?
By Tiago Mendes, at 12:00 da tarde
... mas devagar
By jmnk, at 12:32 da tarde
excelente caro JA! Como o Tiago tambem estou tentado a publica-lo (com a sua autorizacao) no metablog. Armisticio intelectual, que dizem?
By Joao Galamba, at 2:35 da tarde
Pode ser publicado à vontade. Pode até ser modificado/melhorado. Eu próprio enviei ao Tiago uma versão ligeiramente alterada (as nebulosas certezas da madrugada corrigidas pelas nítidas dúvidas da manhã).
By Joao Augusto Aldeia, at 7:25 da tarde
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