aforismos e afins

03 novembro 2005

(Des)acordo e honestidade intelectual

No seguimento dos comentários do João Galamba em relação ao artigo publicado no DE, recomendo esta leitura. Não é técnica e as primeiras páginas são fluídas e bastante fáceis de assimilar.
Repito, João, que a contribuição do Aumann não diz respeito ao problema de conhecer a verdade, mas sim de perceber o porquê da discordâncias. Há três alternativas que a podem justificar:

1) Os "priors" (ou "código de valores", ou "concepções do mundo", ou "being-in-the-world", ou o que queiras entender como "prior") das duas pessoas são diferentes;

2) Ambos os indivíduos são racionais (ou inteligentes) mas pelo menos um deles não é intelectualmente honesto;

3) Pelo menos um indivíduo não é racional.

O caso 3) é o mais fácil de entender. Se um dos indivíduos não é racional, não estamos propriamente a falar de "debate", mas mais de "conversa fiada", "cacofonia", ou "luta de galos". Whatever.

O caso 2) indica que o indivíduo no seu íntimo (sendo racional) até percebe que deveria concordar, isto se assumirmos priors iguais (estou a isolar cada um dos três factores acima propostos, claro). Acontece que discorda. Um razão bastante provável é essa pessoa ter começado o debate com uma dada opinião e depois «não querer dar o braço a torcer», para falar em bom português. O que não é muito honroso para quem aprecie os diálogos de Platão.

O caso 1) é intuitivo: pessoas têm concepções diferentes do mundo. Eu não quero obrigar ninguém "racionalmente" a concordar comigo sobre A ou B. Apenas procuro sempre que posso de esclarecer a "origem das diferenças", para que possamos terminar um debate inteligentemente com um mutuamente apreciativo "concordar em discordar". Em vez de sair dum debate a achar que o outro é estúpido ou ignorante, entender o que nos separa.

O ponto do artigo era ajudar a perceber quais as condições necessárias e suficientes para haver discórdia entre pessoas racionais e intelectualmente honestas num qualquer debate. Porque a diversidade de opiniões não implica que tudo seja aceitável. E a discórdia não impossibilita a compreensão mútua.

2 Comments:

  • Existe uma pequena nuance no primeiro caso...

    As preferências observadas podem ser iguais mas o processo de chegar a elas pode ser diferente, reflectindo valores (OU "formas de pensar" - os mecanismos pelos quais os valores se transformam em decisão) diferentes. Ou as preferências observadas podem ser diferentes apesar de partirem de valores iguais porque a "forma de pensar" é diferente.

    Tenho um trabalho que menciona as diferentes formas como as pessoas podem "ser diferentes" na sua tomada de decisão. Se lhe interessar...

    PM

    By Anonymous Anónimo, at 3:08 da tarde  

  • Caro PM: antes de mais, obrigado pela nota. Quanto ao paper, parece-me muito interessante. Se quiser, envie-me para o meu email, tenho todo o gosto em lê-lo quando tiver mais tempo. Quanto ao que diz eu concordo absolutamente. Julgo que nesse caso o "relevante" para o argumento é que os agentes tenham "preferências" idênticas. Esse seria o "prior" relevante nesse caso. De acordo?

    A questão de adaptar o "jogo" para que os priors advenham das preferências pareceu-me demasiado complexa para trazer aqui a este fórum. O meu ponto era mesmo focar a questão argumentativa e não a "quest for truth" na qual o João insiste.

    By Blogger Tiago Mendes, at 3:19 da tarde  

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