aforismos e afins

15 novembro 2005

Re: O racionalês

Minha cara: não desfazendo, acho que fazes uma interpretação algo pobre da situação descrita, que advém dum enviesamento baseado na desmesurada importância que tu dás a três factores que se justificam em última análise numa dimensão «ad hominem». São eles os seguintes: 1) a tua pessoa; 2) os conectores lógicos; e 3) a tua avaliação à priori da probabilidade do tipo com quem interages (com conectores) ser um imbecil, demasiado imbecil.

Eu - não descurando as tuas justificações - acrescentava estas:

A. A tua ameaça - «caso se passasse isto, eu faria aquilo» - não ganha credibilidade apenas por tu acreditares que a vais cumprir com probabilidade X ou Y. Repara que estás numa situação de informação assimétrica, e qualquer interlocutor racional tomará como probabilidade relevante que a ameaça *escutada* seja levada a cabo a probabilidade adequada ao tipo de mensagem escutada. Ou seja, ele está-se marimbando para quem tu sejas, para o ódio que lhe possas ter, para o curso que tenhas, e por aí fora. Ele apenas faz depender a probabilidade de uma ameça ser credível com base no que tu lhe dizes - na mensagem, no tom de voz, no tempo que perdes com isso. Mas não depende de ti, cara. São tudo atributos da mensagem e não da pessoa per si. Este argumento refere-se aos pontos 1) e 2) acima mencionados.

B. Quanto ao ponto 3) que também menciono, tu pareces sugerir ainda que o pobre coitado seria estúpido apenas por não parecer entender as consequências que poderiam advir da concretização da tua ameça. Esqueces-te que o tipo do lado de lá tem determinados incentivos que advém sobretudo do seu contrato com o empregador e não directamente da interacção contigo.
A reacção racional dele é aquela que lhe proporciona maior payoff esperado possível numa situação onde há muita incerteza - de tu levares a cabo a ameaça, de ele ser descoberto, de ele ser tido como culpado, etc. Não é óbvio que tu consigas adivinhar qual a resposta racional do sujeito, porque tu não tens informação quer sobre as preferências dele, quer sobre os procedimentos recomendados pela empresa para a situação referida.

Ou seja, o problema aqui não foi um problema comunicacional no sentido de ele não te ter entendido. Tu é que não entendeste que ele não tinha que te entender da forma que tu gostarias. Porque quem tu és, é irrelevante para ele. Ela usa a informação que pode, e da forma óptima que advém dos incentivos que ele tem no seu emprego, e que são proporcionados pelo seu contrato de trabalho (visto numa perspectiva «holística» e não meramente literal).
Tu é que me parece que não entendeste lá muito bem a dimensão que o problema da agência tem (ou pode ter) neste caso. Que é um problema que advém da diferença de interesses das partes envolvidas e que se alimenta da assimetria informacional existente.

É que o «racionalês» não é bem aquilo que tu descreves.
É - se eu bem interpreto o que tu gostarias de ter escrito - mais que um discurso lógico, a compreensão da situação em jogo.
O que requer interpretar as motivações dos adversários e a informação que cada um tem. A lógica discursiva não tem o papel que tu lhe dás, porque a situação é estratégica - bem mais complexa que tu pretendes. Jogar xadrez ao vivo é uma coisa.
Lês o rosto da pessoa. Observas as jogadas feitas. Mas o que se passou contigo é mais próximo dum jogo de póker na internet.
Não conheces nem observas o tipo do lado de lá, e muito menos sabes que cartas é que ele tem na mão. E é por isso que me parece que tomaste o teu bluff demasiado a sério, minha cara.

Uma coisa é satirizar e conspurcar os "imbecis" que por aí andam. Outra, bem diferente, é achar que isso é (necessariamente) racional. Mais que não fosse, porque é raro observar que coisas provenientes da bílis, do rancor, e do ressentimento, pertencem ao reino do discutível. Relembro os comentários gerados pelo post do Pedro Picoito a propósito do seu amigo Saramago, aqui e aqui.
Resumindo, minha cara, não acho que devas misturar as coisas.
O teu tão estimado «racionalês» certamente que agradece.

With exquisite but utterly friendly intellectual pedantry,

Yours,

(IDI's) Special Contributor: TM

5 Comments:

  • "nao creio que me tenhas entedido também."

    Nesse caso é porque foste hermética, o que contradiz uma das tuas hipóteses :)

    Lembra-te que eu NÃO invalido alguns dos teus pontos NEM pretendo que o que escreves queira ser interpretado literalmente. O teu problema - élas -é que te arrogas de isso ser "racionalês", o que me faz ter que interpretá-lo à letra e disparar, não em todas as direcções, mas em todas as direcções suficientes para cobrir todas coisas que tu sugeres e que me parecem falacciosas.

    Fico à espera do seguimento... sem bílis, cara! Com calma! E sem bílis!

    By Blogger Tiago Mendes, at 10:15 da manhã  

  • Esquces-te duma coisa básica: a tua ameaça não tem que ser credível. POde haver uma probabilidade de 80% ou de 15% de tu a levares a cabo. Mesmo que tu tenhas TODA a intenção quando o dizes - isto é, que estejas disposta a TUDO para levar a cabo a tal ameaça - no futuro podem surgir eventos que mudam a tua escolha. Uma coisa provável é a bílis ter arrefecido. Outra é teres falta de tempo.

    Mas isso são apenas exemplos - o que NAO interessa para o ponto TEORICO, que é simplesmente que a tua ameaça - que é obviamente entendível em termos "lógicos" - não pode ser levada à letra numa SITUAÇÃO ESTRATÉGICA - pq o tipo do lado de lá tem que aferir da credibilidade da coisa.

    Vale?

    By Blogger Tiago Mendes, at 10:29 da manhã  

  • Não estou em sofrimento ;)

    By Anonymous Anónimo, at 1:32 da tarde  

  • Tiago, mas o que é que isso que tu dizes tem a ver com o facto de lhe terem cortado o serviço?

    By Anonymous Anónimo, at 7:42 da tarde  

  • "Tiago, mas o que é que isso que tu dizes tem a ver com o facto de lhe terem cortado o serviço?"

    Nada, caro.

    O argumento é meramente "formal" e versa a hipótese de "racionalidade" do agente em causa, dado que o tema era o "racionalês" e o sentimento bilioso que a minha cara IDI tem em geral perante a humanidade (como grande misantropa que é).

    O terem cortado o serviço foi apenas um pretexto para ela escrever o post dela, e eu apenas peguei nas possíveis inconsistências discursivas e argumentativas que ela faz. O que, de resto, acho muito mais agradável e útil do que falar sobre o serviço em si ter sido cortado ou não... prefiro o prazer da abstracção :)

    By Blogger Tiago Mendes, at 9:57 da tarde  

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