Cunhal (7)
Deixo aqui alguns excertos da entrevista que Cunhal deu ao Independente em 1990, republicada a 18-06-2005, mas que já não se encontra online. Entrevistam Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas.
«Éramos três conservadores à mesa do café. Os doutores Cunhal, Portas e Esteves Cardoso. Ou, se preferirem, os camaradas Álvaro, Paulo e Miguel. Como seria de esperar, demo-nos lindamente. Vimo-nos aflitos para discordar minimamente.
Álvaro Cunhal tem uma lenda admirável, está colado à história. Numa época omissa em qualidades de carácter, o dirigente comunista é uma excepção. É corajoso, dedicado, coerente, íntegro, constante. (...) Álvaro Cunhal é um homem direito. Não tem medo da vida nem da morte nem de Deus. (...) Sabe muito, mas parece sentir tudo o que sabe. É simpático sem ser sedutor, é inteligente sem ser espertalhão. Até parece um homem aberto e justo. É muito, muito vivo. Ri-se, surpreende-se, faz bonecos, deixa-se agitar. Ao conversar connosco, tem a solidez de quem se sente estar do lado dos outros. É a terrível vaidade do serviço. A vaidade do verdadeiro colectivista.
Estivemos com ele duas vezes. Quatro horas. Ficámos impressionados. Diz-se marxista-leninista "com hífen". É o eterno comunista. Para muitos, será o último. Nós ficámos a acreditar que podia ser o primeiro.
Acredita mais no coração ou na razão?
Tudo intervém. Razão e coração, não são duas coisas que possam andar independentes em cada um de nós.
(...)
O senhor tem um ar organizado, frio quando é necessário, afectivo quando é preciso. Os portugueses não o irritam?
Se me permite, a minha relação com os outros não depende da necessidade. Não gosto de relações verticais, um a falar de cima, o outro a sentir-se por baixo. Procuro relações horizontais seja com quem for. E havia de irritar-me porquê? A espontaneidade é muito boa e não faço nenhum esforço por contrariá-la.
(...)
Tem paciência para a estupidez?
Não sei a que é que chamam de estupidez. É difícil definir estupidez. Muitas vezes confunde-se estupidez com falta de conhecimento. E pode haver falta de conhecimento e haver inteligência. Daí a necessidade de discernir onde há uma menor faculdade intelectual. Quem está habituado a lidar com gente de variados níveis de instrução deve ter essa cautela.
Prefere estar a falar com um mau camarada ou com um bom adversário?
Não tenho maus camaradas nem bons adversários. É uma distinção um pouco subtil. Posso dizer-lhe que gosto de falar com qualquer pessoa. Seja adversário, seja camarada, tenha mais ou menos instrução, seja analfabeto, seja um sábio. Aquilo que é difícil para mim não são as conversas, são os jogos. Há uma pessoa com quem falei muitas vezes, uma pessoa responsável, e não posso garantir que lhe tenha apanhado alguma verdade.
É o Mário Soares!
Não fui eu que o disse. Mas também posso dizer que falei com pessoas que nunca apanhei a mentir.
A política partidária tem regras que impõe alguma hipocrisia.
No que respeita ao meu partido, preferimos perder votos com a verdade a ganhá-los com a mentira.
(...)
Porque é que escolheu Direito?
Porque o meu pai era advogado.
(...)
Mas, por exemplo, quando esteve doente, tu cá tu lá com a morte, nessa altura falou com Deus?
Não, falei com os médicos. Mas, por formação do meu partido, sou respeitador dos crentes. Acho que as crenças não são uma questão a resolver nem em milénios.
(...)
Fica zangado quando o acusam de ser conservador?
Zangado não é uma palavra que traduza um estado de espírito que me seja próprio.
PS: Mais excertos desta entrevista aqui e ali.
«Éramos três conservadores à mesa do café. Os doutores Cunhal, Portas e Esteves Cardoso. Ou, se preferirem, os camaradas Álvaro, Paulo e Miguel. Como seria de esperar, demo-nos lindamente. Vimo-nos aflitos para discordar minimamente.
Álvaro Cunhal tem uma lenda admirável, está colado à história. Numa época omissa em qualidades de carácter, o dirigente comunista é uma excepção. É corajoso, dedicado, coerente, íntegro, constante. (...) Álvaro Cunhal é um homem direito. Não tem medo da vida nem da morte nem de Deus. (...) Sabe muito, mas parece sentir tudo o que sabe. É simpático sem ser sedutor, é inteligente sem ser espertalhão. Até parece um homem aberto e justo. É muito, muito vivo. Ri-se, surpreende-se, faz bonecos, deixa-se agitar. Ao conversar connosco, tem a solidez de quem se sente estar do lado dos outros. É a terrível vaidade do serviço. A vaidade do verdadeiro colectivista.
Estivemos com ele duas vezes. Quatro horas. Ficámos impressionados. Diz-se marxista-leninista "com hífen". É o eterno comunista. Para muitos, será o último. Nós ficámos a acreditar que podia ser o primeiro.
Acredita mais no coração ou na razão?
Tudo intervém. Razão e coração, não são duas coisas que possam andar independentes em cada um de nós.
(...)
O senhor tem um ar organizado, frio quando é necessário, afectivo quando é preciso. Os portugueses não o irritam?
Se me permite, a minha relação com os outros não depende da necessidade. Não gosto de relações verticais, um a falar de cima, o outro a sentir-se por baixo. Procuro relações horizontais seja com quem for. E havia de irritar-me porquê? A espontaneidade é muito boa e não faço nenhum esforço por contrariá-la.
(...)
Tem paciência para a estupidez?
Não sei a que é que chamam de estupidez. É difícil definir estupidez. Muitas vezes confunde-se estupidez com falta de conhecimento. E pode haver falta de conhecimento e haver inteligência. Daí a necessidade de discernir onde há uma menor faculdade intelectual. Quem está habituado a lidar com gente de variados níveis de instrução deve ter essa cautela.
Prefere estar a falar com um mau camarada ou com um bom adversário?
Não tenho maus camaradas nem bons adversários. É uma distinção um pouco subtil. Posso dizer-lhe que gosto de falar com qualquer pessoa. Seja adversário, seja camarada, tenha mais ou menos instrução, seja analfabeto, seja um sábio. Aquilo que é difícil para mim não são as conversas, são os jogos. Há uma pessoa com quem falei muitas vezes, uma pessoa responsável, e não posso garantir que lhe tenha apanhado alguma verdade.
É o Mário Soares!
Não fui eu que o disse. Mas também posso dizer que falei com pessoas que nunca apanhei a mentir.
A política partidária tem regras que impõe alguma hipocrisia.
No que respeita ao meu partido, preferimos perder votos com a verdade a ganhá-los com a mentira.
(...)
Porque é que escolheu Direito?
Porque o meu pai era advogado.
(...)
Mas, por exemplo, quando esteve doente, tu cá tu lá com a morte, nessa altura falou com Deus?
Não, falei com os médicos. Mas, por formação do meu partido, sou respeitador dos crentes. Acho que as crenças não são uma questão a resolver nem em milénios.
(...)
Fica zangado quando o acusam de ser conservador?
Zangado não é uma palavra que traduza um estado de espírito que me seja próprio.
PS: Mais excertos desta entrevista aqui e ali.
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