aforismos e afins

26 julho 2005

Desafios liberais (4)

É admissível, num país liberal, mesmo que inserido na complexa e tensa luta anti-terrorista, que a polícia abata um inocente?

A mim não me interessa que o cidadão abatido com 5 (ou 8) tiros na cabeça seja brasileiro bem que seja eletricista , como gostam de enfatizar os senhores do Bloco de Esquerda, para apelar à opressão das "classes" e dos "povos". A mim interessa-me somente que era um cidadão inocente, o que é profundamente lamentável. Interessa-me saber que ele era um emigrante ilegal apenas porque isso explica a razão de ele não ter obedecido à polícia. Interessa-me, e muito, também perceber que se a polícia suspeitar de um indivíduo ser um bombista suicida ao ponto de ter que o neutralizar, que isso só poderá ser feito através de tiros na cabeça, uma vez que tiros no coração ou uma mera imobilização seriam insuficientes para impedir o accionamento duma eventual bomba.

Interessa-me também saber que a polícia que matou este cidadão inocente o perseguiu nas ruas de Londres e não o imobilizou antes de ele entrar no metro, apesar de o considerar suspeito. E não o fez muito possivelmente por isso mesmo: por ele ser suspeito e por não querer abusar dos seus poderes. Interessa-me - e isto é o mais importante - saber qual a probabilidade Y, de uma pessoa de tom de pele escuro, que está vestida com uma gabardina, que não responde às ordens da polícia, e isto tudo a seguir aos atentados, ser um bombista suicida. Temos que concordar que é uma probabilidade razoavelmente elevada. Um cidadão minimamente consciente deveria ter a capacidade para aferir o risco elevado de ser considerado suspeito ao fugir da polícia. Um tom de pele mais claro, usar menos roupa, não fugir, tudo isso diminuiria a probabilidade Y. Isto não é ser racista nem dizer que o homem não tem direito a andar de gabardina. É apenas pormo-nos na pele do polícia que tem que tomar decisões e para tal aferir a probabilidade condicional de dado suspeito ser um bombista, de modo a melhor defender o bem-comum.

É fácil a posteriori condenar os polícias, mas isso é de uma hipocrisia de todo o tamanho. É também ridículo invocar a nacionalidade do cidadão e fazer muitos loopings diplomáticos à volta dessa questão. Os polícias mataram um inocente, ponto final. Não o mataram por ser brasileiro nem eletricista. Temos que perceber que se os polícias não tivessem feito nada arriscavam-se a que com probabilidade Y uma bomba detonasse e matasse X inocentes. A decisão é entre matar 1 inocente com probabilidade (1-Y) [se ele não for culpado] e permitir com probabilidade Y [se ele for culpado] que X inocentes sejam mortos, com a agravante de se descredibilizar as forças de segurança e aumentar o medo. Sim, porque se o homem fosse de facto culpado e não tivesse sido abatido, e ao invés tivesse rebentado uma bomba causando 20 ou 50 vítimas inocentes, aqui d'el rei nosso senhor Jesus Cristo que as forças de Sua Majestade eram incompetentes e que deviam ter abatido o suspeito e mais isto e aquilo.

Ora, é isto mesmo que temos que perceber: pela natureza da situação, os agentes estão numa situação de assimetria informacional, porque não têm a certeza absoluta de certo cidadão ser suspeito ou não. E como têm informação imperfeita, e porque estão vidas em causa, a decisão é extremamente difícil. Os políticos e demais comentadores, independentemente de lamentarem a morte e de criticarem (com mais ou menos razão) a forma de actuação da polícia neste caso particular, deviam ter a ombridade de entender os trade-offs que estão em causa neste tipo de acção anti-terrorista, em que os eventuais suspeitos estão dispostos a suicidar-se e accionar uma bomba que matará outros cidadãos inocentes. O que muda muito a forma de decidir em situações de incerteza face a um suspeito que pode estar prestes a fazer-se rebentar. A decisão é, tão simplesmente, escolher que vidas inocentes se põe em questão. Mas, élas, os políticos são o que sabemos e dos jornalistas não podemos esperar muito. É o famoso PQT - o «país que temos».

14 Comments:

  • excelente post. a dizer o que é preciso ser dito.

    By Blogger Mário Almeida, at 12:33 da manhã  

  • Paulo: o teu argumento é idêntico ao meu, e acho que não há volta a dar. Confesso que de início me surpreendi muito com esta actuação e depois de ler as descrições e de pensar sobre o assunto, não me parece que a opção tomada seja condenável. Deve, no entanto, alertar-nos para melhorar ainda mais a "táctica" dos polícias, desde as perseguições, até eventuais detectores de bombas, e por aí fora. Mas o que mete mesmo nojo é a os críticos não se colocarem numa posição EX-ANTE onde NÃO têm informção sobre o suspeito ser inocente ou não, e têm que decidir sobre QUE VIDAS por em risco. Tão simples quanto isto.

    Quanto ao teu segundo comentário, eu preferiria não usar esse argumento, para não enfraquecer o argumento principal, que é "eles agiram correctamente". Claro que são humanos, e claro que isto são situações de tensão elevadíssima, e claro que é muito mau matar um inocente. Mas entre dois "males", uma escolha tem que ser feita. É essa escolha que os srs. do Bloco de Esquerda e afins preferem não fazer, mas apenas criticar as "forças da ordem", ainda mais dos países "imperialistas".

    MA: obrigado pelo comment.

    By Blogger T. M., at 12:55 da manhã  

  • li o post acenando afirmativamente com a cabeça.
    excelente capacidade de síntese e argumentação.

    bjo confesso

    By Blogger (in)confessada, at 3:02 da manhã  

  • Thanks, my darling :)

    Bjo confesso tb para ti.

    By Blogger T. M., at 10:19 da manhã  

  • Manel... quer desenvolver?...

    By Blogger T. M., at 2:34 da tarde  

  • Só há uma informação que falta acrescentar. Os polícias estavam à paisana. Se eu visse um bando de tipos armados a correr atrás de mim, acho que também teria fujido.

    Acho que nos falta informação para tomarmos partido de um lado ou do outro.

    Claro que podemos sempre opinar desinformadamente.

    By Anonymous Anónimo, at 2:39 da tarde  

  • Sab: obrigado pelo comment, antes de mais. E' um facto que os policias estavam 'a paisana. Mas tb e' um facto que era relativamente obvio que se tratavem de policias. Mais que nao fosse porque a pprobabilidae de alguem andar armado em Inglaterra e' baixissima. E de perseguir alguem ainda menor. E o cidadao morto sabia certamente que houvera atentados, que tinham ocorrido (sobretudo) no metro, e como tal nao acredito que ele nao ACREDITASSE tratarem-se de policias verdadeiros, ainda que 'a paisana. Ele tera' fugido exactamente por acreditar serem policias e por ser emigrante ilegal.

    DE qualquer modo, e' um ponto "teoricamente" valido, mas dentro do contexto da situacao, acho que nao muda muito as conclusoes. Obrigado pelo comment.

    By Blogger T. M., at 2:46 da tarde  

  • quanto ao ser ilegal:

    @BBC
    Brazilian Jean Charles de Menezes, 27, was shot seven times in the head and once in the shoulder, at Stockwell Tube station, south London, on Friday.

    Det Insp Elizabeth Baker revealed the details at a hearing in London.

    Security sources said Mr Menezes had an out-of-date visa, but his family denied this. Foreign Secretary Jack Straw said he believed he was legally in the UK.

    portanto baseado em "hear/say", até a investigação ser terminada e publicada, não há a certeza disso. Se é pra matar emigrantes ilegais, Portugal tem uma data de alvos também. A questão de estarem à paisana também já foi levantada por Sab.

    Resta acrescentar que a um dos policias envolvidos, lhe foram oferecidas férias pagas para espairecer. E as culpas foram totalmente colocadas completamente nos terroristas. (fonte BBC)

    By Anonymous Anónimo, at 5:04 da tarde  

  • Com calma...

    1. "Se é pra matar emigrantes ilegais, Portugal tem uma data de alvos também."

    Isto nao faz sentido porque eles nao tinham informacao sobre tal.

    2. "A questão de estarem à paisana também já foi levantada por Sab."

    A maioria dos policias fardados nao andam armados. E' natural que sejam policias "especiais" a tratar destes assuntos (investigar e perseguir suspeitos). Isto nao implica que tenham que andar 'a paisana, mas isso e' o MAIS NATURAL. Um pouco como a nossa POlicia Judiciaria. Eu acedo que se nao tivessem 'a paisana o suspeito teria a certeza ABSOLUTA de estar a ser perseguido por policias, enqunato aqui essa probabilidade pode ser menor que 100%. O meu ponto e' que 1) nao pode ser muito menor que 100%, e 2) mesmo que fosse, e dados os trade-offs envolvidos (que expliquei no texto), a policia DEVERIA agir exactamente da mesma maneira.

    3. "Resta acrescentar que a um dos policias envolvidos, lhe foram oferecidas férias pagas para espairecer."

    Isto e' algo sensacionalista. E' natural que quem tneha morto o cidadao, que A POSTERIORI se verificou ser inocente, tenha ficado (emocionalmente) abalado. COmo tal, nao por consideracao a um policia que CUMPRIU A SUA MISSAO mas sobretudo para proteccao da comunidade (dado ele nao estar nas "melhores condicoes" para a exercer), essas ferias sao inteiramente RACIONAIS. De qq modo, isso tera sido muito possivelmente uma "antecipacao" de ferias e nao ferias "extra". Este argumento e' muito povre, quanto a mim. E' muito "'a Bloco de ESquerda. TIpo "o gajo mata um inocente e depois ainda vai de ferias!".

    4. "E as culpas foram totalmente colocadas completamente nos terroristas."

    Este argumento e' superfluo e demagogico. Como eu refiro no meu post, os policias fizeram o que tinham a fazer. CLaro que so' o fizeram porque houve atentados terroristas suicidas, obvio! Nesse sentido, a "culpa" e' em parte dos terroristas, mas so' no sentido de perceber que tal actuacao - atirar para matar e na cabeca - nunca seria usada se nao se tratassem de EVENTUAIS bombistas suicidas. E so' ha' bombistas suicidas desde que ha' este tipo de terrorismo. Simples.

    Obrigado pelos comments.

    By Blogger T. M., at 5:18 da tarde  

  • T.M. embora não concorde com o teor do artigo, respeito obviamente os teus argumentos mas a minha posição neste assunto é bastante contrária à tua. Apenas um esclarecimento na tua resposta: sou apartidária, por favor nada de rotulagens ou associações à minha opinião com qualquer partido político ;)

    Danke Schön

    By Anonymous Anónimo, at 5:38 da tarde  

  • Ok, "concordamos em discordar" entao, no probs :) APesar de os teus argumentos contrarios nao serem claros para mim, mas vou dar uma vista de olhos nos comments do teu blog ;)

    Quanto a mencao partidaria, nao quis imputar nada a ti, mas apenas fazer alusao a um partido que geralmente usaria tal retorica com bastante 'a vontade. Tens toda a razao em "recomendar" que eu nao o faca, ja' que nao conheco a tua posicao politica. FIcam as minhas desculpas, entao.

    By Blogger T. M., at 5:47 da tarde  

  • T.M. não te estava a pedir um pedido de desculpas, disparate ;)
    Cheguei aqui através do maracujá.
    No nosso blog não ha qualquer menção aos atentados. Não é esse o propósito do blog mas depressa descobres se por acaso tiveres tempo de dar "uma volta" por lá :) Este tipo de debates mantenho-os num forum onde participo

    By Anonymous Anónimo, at 5:52 da tarde  

  • Eu percebi que nao estavas, minha cara :)

    So' o fiz porque tambem sou apartidario, e quando me meto em comentarios politico-partidario detesto que me facam qualquer rotulagem, nisso como em tudo o resto, de resto. (Bom eco, gostei).

    Qual e' o forum em que participas, if I may know?

    Os comments no post do Maracuja estao muiiiiito interessantes.

    By Blogger T. M., at 5:59 da tarde  

  • num forum caótico que deveria ser sobre música mas acaba por se falar de tudo: o ForumSons :D

    By Anonymous Anónimo, at 6:06 da tarde  

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