aforismos e afins

24 julho 2005

Água e liberalismo

Ouço as notícias e pasmo. Já não há quase água no Algarve, o resto do país para lá caminha, mas não ouço ninguém defender o aumento do preço da água. Será preciso ser economista para perceber que um recurso que se torna perigosamente escasso tem que ver essa escassez reflectida no seu custo de aquisição? Gastam-se milhões em campanhas de «sensibilidade» apelando os cidadãos à poupança da água. Eu acho muito bem que as Câmaras: 1) dêem o exemplo; e
2) façam apelos à «cooperação» com base no «espírito de cidadania». Mas, entendamo-nos: isto não é Cuba e isto não é a União Soviética. Eu pago pela água que consumo. Se me apetecer, tenho todo o direito a deixar as torneiras abertas o dia inteiro. Depois, pagarei a factura. Simples. Farei uma escolha pela qual pagarei um preço, que é igual para todos. Macário Correia diz que pondera multar ou mesmo prender quem se ponha a encher piscinas privadas na sua coutada, a provar como a sua social-democracia é muito liberal. Mas chegamos aonde? Não quererão também instalar câmaras para ver quantos banhos de imersão eu tomo por dia? Ou se deixo a torneira ligada enquanto lavo a louça, ou faço a barba, ou dou banho ao cão?

Estamos quase em eleições e o país político que temos sofre a agravante na estupidez do oportunismo conjuntural. Repito: quando é que resolvem aumentar o preço da água? Nem é preciso aumentar o preço uniformemente. Pode-se aumentar o preço por escalões: o agregado familiar que consumir mais que X m3 / pessoa pagará Y, se consumir acima de W m3 / pessoa pagará Z, e assim sucessivamente. De tal forma que encher uma piscina possa custar uma exorbitância. Mas num país livre, a água, mesmo sendo um bem essencial, é isso mesmo, um bem - transaccionável. E quem quiser, até pode comprar água engarrafada. Custa? Pois custa. Mas este é o país onde Guterres um dia disse que «gostava que a água pudesse ser gratuita». Isto é uma daquelas pérolas socialistas que se adivinham na ignorância de como funciona a economia. Meu amigo, a ver se nos entendemos:
um bem escasso nunca deve ser gratuito. Compreendido?

Os socialistas nunca perceberam muito bem que a razão porque o comunismo implodiu foi porque não existia um sistema de preços livres que reflectissem a escassez relativa dos bens transaccionados. Em vez disso, os preços eram determinados centralmente pelos "iluminados" do partido, consoante isso fosse adequado às necessidades do "povo" (ou, melhor dizendo, da "nomenklatura").
Ora a beleza do sistema de preços numa economia de mercado é que eles constituem sinais que indicam a escassez relativa (e por consequência, o valor relativo) dos bens, e isso promove uma uma afectação eficiente dos recursos. Portugal tem políticos pouco corajosos e incompetentes, e os jornalistas é o que se sabe: o país arde novamente de forma pornográfica mas este ano ninguém critica o Governo por isso. Eu, se estivesse no Algarve, organizava uma campanha para manter as torneiras a correr até se esgotar a água toda. Ouviram bem: T-O-D-A. Todinha, até à última gota. Seria, digamos, uma espécie de «arrastão construtivo». A ver se este risível rectângulo entrava de uma vez por todas nos eixos.

13 Comments:

  • seria precisamente isso que faria se fosse ao algarve. concordo consigo a 100%.

    By Blogger Salvador, at 6:20 da manhã  

  • Discordo: a política que se faz tem absoluta racionalidade económica: tudo depende de qual o grupo de interesse que impõe a "sua" racionalidade.

    Porque, quando falamos de racionalidade económica, falamos de um "raciocínio" decorrente da satisfação de interesses de um determinado indivíduo (ou grupo de indivíduos) (falo no contexto do individualismo metodológico).

    Não existe uma "racionalidade económica" objectiva, independente do(s) indivíduo(s). Embora aconteça, frequentemente, os indivíduos convencerem-se que que a sua racionalidade é "A Racionalidade".

    "Pas possible".

    By Blogger Joao Augusto Aldeia, at 1:32 da tarde  

  • Quando o ministro Guedes (do governo santanista) anunciou que talvez se tivesse que racionar água no Algarve, toda a gente lhe caíu em cima, incluindo o puritano presidente de Tavira e Algarves. Talvez que se tivessem tomado medidas consequentes nessa altura, o problema pudesse ter sido melhor gerido.

    By Blogger Joao Augusto Aldeia, at 1:38 da tarde  

  • Caro J.A., percebo inteiramente o seu ponto sobre o «individualismo metodológico», em que admitiria poder apelidar toda e qualquer escolha como "racional", desde que que os indivíduos por detrás dela também o são. Seriam, por definição, racionais à luz dos seus "interesses".

    Neste caso particular essas escolhas seriam racionais se, apesar do "objectivo" da actual política de poupar água ser mais eficientemente alcançado de outro modo, a ele acrescentarmos a "restrição" que estes políticos enfrentam de "não podermos chatear ninguém demasiado porque as autárquicas estão à porta".

    Mas esse é exactamente "um" dos meus pontoS. Que temos políticos que - MESMO QUE SOUBESSEM A FORMA EFICIENTE DE POUPAR ÁGUA - vivem a pensar nas eleições. E esta campanha e a gestão da água, são ineficientes, e ser ineficiente significa que perdemos todos com estas políticas.

    Ora o "outro" ponto é que os políticos não são necessariamente "racionais" no sentido de saberem que o que estão a fazer é "errado" (em termos de "eficiência") mesmo que justificável em termos "estratégicos" (face às eleições) é algo benevolente.

    Você acredita mesmo que Macário Correia e outros políticos SAIBAM que há uma forma muito mais eficiente de poupar água? QUe saibam o que é a escassez relativa dum bem? E o papel dos preços numa economia (de mercado)?

    Não sabem, caro J.A, não sabem. Não sejamos ingénuos, e não queiramos ver nisso qualquer "arrogância" da parte deste ou daquele economista, ou espírito da "verdade absoluta".

    Bastava para isso lembrar a frase que citei de Guterres. Simplesmente, há muita ignorância por aí. E quem paga por isso é sempre, como se sabe, o "mexilhão", e não quem se pode dar ao luxo de desafiar estes anti-liberais e por as piscinas a encher.

    ...........

    Quanto ao seu 2º comentário:

    O argumento de "racionar água" não é a forma mais eficiente de poupar água e restringe a liberdade das pessoas. Simplesmente o custo deve reflectir a escassez. Repare que todos gastamos mais água que o estritamente necessário: em duches mais prolongados que o necessário, em torneiras que ficam abertas, etc. Basta aumentar o preço ACIMA do consumo "minimo" por pessoa para que as pessoas CONSCIENCIALIZEM que a água é mesmo um bem escasso.

    Quando me fala da medida de Guedes (que considero errada, pelo que digo acima) e da reacção de Macário Correira, só me dá razão. Eles caíram-lhe em cima porque NÃO PRESTAM. São caciques, que não prestam. São a classe política que temos, que só pensa na próxima eleição. E são também largamente ignorantes.

    A gestão da água é das maiores prioridades, e fez-se o Alqueva e afinal é mais outro elefante branco, ao que parece. A questão é mesmo muito simples: suba-se o preço da água para as pessoas consciencializarem que têm mesmo que a poupar (embora dando-lhes o direito, desde que paguem por isso, a não o fazer).

    O problema é que Portugal vive no espírito marxista que se lê na COnstituição de achar que a água, como outras coisas, são "direitos adquiridos", bens "essenciais", e por ái fora, e que portanto têm que ser "baratos", porque senão é um atentado aos pobres, aos velhotes, que não vão poder tomar banho, e por aí fora. Isto é o Portugal que temos.

    Mas não há nada "adquirido" neste sentido, e o Alqueva vazio é bem prova de que se alguma coisa temos de adquirido é que os nossos políticos não prestam. A água é um bem cada vez mais escasso e valioso a nível mundial e Portugal não se apercebe disso, porque acha que por obra de Espírito Santo (leia-se, o espírito "comunitário" da nossa querida Constituição) a água cairá do céu.

    Já disse e volto a repetir: basta aumentar o preço por escalões ACIMA de certo nível para que as pessoas possam ter a vida que levam sem ver a sua factura subir. Não afecta os velhinhos nem os pobrezinhos. Mas põe-nos, como aos outros, mais "disciplinados", ou melhor, mais conscientes do verdadeiro "custo" das "decisões" que (livremente) tomam.

    By Blogger T. M., at 2:06 da tarde  

  • Caro Paulo,

    Eu não disse que o "único" problema é o "custo", ou melhor, a desadequação do custo à escassez real da água. Outros problemas envolvem uma política de longo prazo de gestão de caudais, armazenamento, etc.

    O meu ponto é, tão-só, que as pessoas têm liberdade para utilizar a água, e que a história de prender quem encha piscinas é um atentado, e é também ridícula.

    O que o Paulo diz é pouco preciso. Isso de chamar á "água" um bem comum não diz muito. A provisão da água é maioritariamente organizada por entidades estatais, mas a água é um bem «privado» e não um bem «público». Um bem público é aquele em que o consumo de alguém desse bem não diminui a capacidade de outros o usufruirem também. Exemplo: TV e rádio. OU mesmo florestas e praias, desde que não se atinja o ponto de congestão. Mas a água que EU beber, o Paulo NÃO poderá beber. É um bem privado.

    O exemplo das florestas é desenquadrado: eu se tiver uma floresta, ou jardim, ou corte de ténis, ou terreno ag´rícola, tenho TODO O DIREITO a queimar o que me apetecer, desde que isso não incomode ninguém´.

    O problema de alguém encher uma piscina e eventualmente depois se aperceber que não tem mais água vem exactamente da questão do PrEÇO não reflectir a escassez da água e como tal levar a um abuso (de certa forma "inconsciente") desse bem.

    A minha teoria é de facto algo "semelhante" à do poluidor-pagador no sentido que cada um deve enfrentar correctos incentivos das suas acções.

    Eu não sou liminarmente contra as acções de sensibilização. Acho que em certa medida poderão ser úteis, tal como acho que não é de desprezar o esp~irito de cidadania e cooperaçáo das pessoas.

    Apenas digo que isso é cego quanto à forma como o problema - que é gravíssimo - devia ser abordado: aumento de preços, de preferência por escalões, do consumo de água, por pessa, por habitação.

    By Blogger T. M., at 4:39 da tarde  

  • O queimar é naturalmente passível e incomodar o vizinho. Já o incomodar o "planeta" é algo que à escala individual não se põe. Mas, teoricamente, deve ser sancionado. Isso pode estar reflectido no custo de aquisicão da floresta, ou melhor, no custo de fazer uma queima. Mas imagine o que era se agora por se fazer uma pequena fogueira no quintal, ou um barcebue com lenha, de tivesse que pagar uma multa por causa do fumo... tinhamos o big-brother á porta.

    By Blogger T. M., at 4:51 da tarde  

  • Marta,

    Não acho que seja difícil compreender a razão do aumento do preço da água quando a seca está á vista. Quando há problemas nos países produtores de petróleo, a oferta contrai-se e o preço sobre. Ora a água é cada vez mais escassa e o seu custo está desajustado. As campanhas podem ser feitas mas isso deve ser visto apenas como "complementar" e não como essencial. E não interessa se achamos que é um "crime" deixar as torneiras abertas ou não. Claro que não é uma coisa que eu faça, nem que recomende, nem que aprecie. Mas a verdade é que temos o direito a fazê-lo. E depois pagamos a factura. Eu não gosto é que este país tenha ficado atolado desde sempre na ideia que é o Estado que tem que tomar conta de nós e que somos umas vítimas disto e daquilo. Portugal precisa de um choque "liberal" e não é pequeno. E "liberal" não é "neo-liberal". é liberal, ponto final. É trazer direitos aos indivíduos, é dar-lhes responsabilização, é diminuir o peso do Estado.

    By Blogger T. M., at 6:10 da tarde  

  • Marta, tens muita razão naquilo que dizes, e as "soluções" não são fáceis. TOmo como "desabafo", porque senão não me deitava hoje a escrever sobre isso... ;)

    By Blogger Tiago Mendes, at 12:47 da manhã  

  • Caro t.m.

    Não tenho nada a opor à sua argumentação em torno da racionalidade - mas a "racionalidade económica" (que foi o que referiu inicialmente) é sempre subjectiva; ou seja: não há uma racionalidade, mas muitas. Isto não é uma mera questão semântica: os fulanos que enchem as piscinas, regam os liláses e dão banho ao cão todos os dias, estão a ser racionais (e o cão, coitado, lá vai perdendo o sistema imunitário, exigindo cada vez mais banho) - ainda que estejam a comprometer o uso futuro do líquido, pois eles não estarão cá quando as consequências de longo prazo se fizerem sentir.

    Eu aceito o postulado de Coase: quando fazemos e aplicamos leis de controle da poluição industrial, estamos a prejudicar as empresas. Isto não quer dizer que Coase defendesse a ausência decontrolo, o que ele diz é que temos de compreender a neutralidade das diversas opções: o radicalismo do empresário que acha que nada deve ser feito que prejudique a empresa é igual ao radicalismo do ecologista que pretende que não se faça nada que prejudique o ambiente natural.

    A sociedade deve é regular este equilíbrio. Concordo que o sistema de preços é um mecanismo satisfatório para esta regulação, mas não podemos colocar de lado a regulação política, porque um sistema puro em que apenas exista controlo de preços é uma impossibilidade. Mesmo que se privatizasse de imediato toda a produção e distribuição de água, apenas se propagariam as distorções que já se encontram integradas nas infraestruturas e sistemas de abastecimento actuais, bem como as que decorrerão do mecanismo dos concursos públicos, que é muito imperfeito.

    Os concursos públicos são um mercado em monopsónio (o Estado como único vendedor) e em oligopólio (um pequeno número de empresas concorrentes).

    Concordo com as campanhas de sensibilização, embora também seja preciso avaliar o seus custo-benefício: são caras e nem sempre rendem para o gasto. No entanto eu até me lembrei de um slogan:

    Cuidado: a água enferruja!

    By Blogger Joao Augusto Aldeia, at 11:38 da manhã  

  • Caro J.A.,

    Eu sou completamente a favor da intervenção do Estado para correcção de externalidades, e não sou um libertário crente na hipótese dourada que os mercados são todos concorrenciais ou muito perto disso. Os de concursos públicos são exemplares, como bem referiu.

    Quanto À racionalidade, preferia pô-la noutros termos, embora entenda o que diz: racionalidade é apenas um qualificativo "instrumental" ou "metodológico" e por isso há de facto várias formas de "exprimir" essa racionalidade, consoante as preferências e as restrições que se enfrentem. Mas eu não acho que seja muito claro falar em "várias racionliaddes". O que há são diferentes preferências: para enchera a piscina, ou reciclar, ou não tomar banho, seja o que for. Mas a racionalidade é um conceito instrumental.

    By Blogger Tiago Mendes, at 11:43 da manhã  

  • Concordo que o aumento do preço da água se deveria reflectir numa baixa do seu consumo. Por exemplo um aumento de 25% do seu preço obrigava que cada família reduzisse em 20% o seu consumo, para não aumentar a sua factura com água. Mas provavelmente este aumento de preço, para a maioria das famílias, não seria muito significativo - elas gastarão muito mais em telecomunicações do que em água, portanto um aumento do preço da água não seria muito expressivo. Salvo para as famílias com recursos muito modestos, que provavelmente já gastam a água sabiamente.

    Parece-me portanto que há alguma racionalidade no racionamento controlado da água, como já se tem feito no Algarve nos últimos anos. Não encontrar água na torneira desperta muito mais para a necessidade de poupança de água do que sofrer um aumento do preço da água.

    By Blogger Rui Pedro, at 2:14 da tarde  

  • OMG! Thank you for this.

    By Anonymous Anónimo, at 7:11 da tarde  

  • What it could be useful for?

    By Anonymous Anónimo, at 1:38 da tarde  

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