Liberalismo, cientismo e contradições
Diz o António Amaral n'A Arte da Fuga:
1. «Pesa sobre o liberalismo a absurda acusação de cientismo (aplicação dos métodos das ciências físicas às ciências sociais), algo que é fundamentalmente rejeitado pelo pensamento liberal. (...) Esta metodologia foi levada às últimas consequências pelo Movimento Tecnocrata, que defendia uma economia optimamente planeada com base numa irrepreensível abordagem científica. (...)»
Disse o Helder em tempos:
2. «O Liberalismo não é uma ideologia, (...) porque não trata do que deve ser, trata do que é.»
Disse o João Miranda repetidas vezes:
3. «Quanto ao redutível, o que eu defendo é que qualquer sistema complexo, incluindo as sociedades humanas, resultam exclusivamente das propriedades das suas partes.»
4. «O que lhe posso dizer é que os processos sociais futuros serão uma consequência do ambiente externo e do estado actual de todas as células de todos os seres humanos. Quem defende o contrário acredita que existem causas mágicas que determinam os processos sociais.»
5. «Creio no entanto que o Tiago não põe em causa o facto de a economia poder ser encarada como uma ciência exclusivamente positiva. (...) . O certo é que se poderia escrever um livro expondo detalhadamente a teoria liberal sem nunca fazer um juízo moral e sem nunca atribuir ao liberalismo posições morais.»
O António Amaral respondeu ao comentário que o João Galamba fez, «Não entendi», da seguinte forma:
6. «Caro João, Apenas estou a dizer que a tecnocracia é tão anti-liberal como o socialismo real, e que ambas partem de uma base racionalista que o liberalismo teórico rejeita— a impossibilidade do socialismo podia estender-se à impossibilidade da tecnocracia. É verdade que falo em extremos, mas abordagem "algorítmica" da economia também foi mais ou menos assimilada por gerações de economistas que defendem intervenções mais ou menos extensas do Estado, justificadas pelas limitações dos seus modelos...».
Ou sou eu que não estou a ver algo, ou as críticas do António Amaral em 1. e 6. assentam que nem uma luva na forma de pensar do João Miranda e outros (todos?...) austríacos. Isto pretende ser um apontamento factual, e não [necessariamente] crítico. O que eu esperava, assim que li o primeiro parágrafo, era que o AA fosse criticar algum excesso de "cientismo" em certos austríacos. Julgo que o João Galamba terá tido uma surpresa semelhante.
1. «Pesa sobre o liberalismo a absurda acusação de cientismo (aplicação dos métodos das ciências físicas às ciências sociais), algo que é fundamentalmente rejeitado pelo pensamento liberal. (...) Esta metodologia foi levada às últimas consequências pelo Movimento Tecnocrata, que defendia uma economia optimamente planeada com base numa irrepreensível abordagem científica. (...)»
Disse o Helder em tempos:
2. «O Liberalismo não é uma ideologia, (...) porque não trata do que deve ser, trata do que é.»
Disse o João Miranda repetidas vezes:
3. «Quanto ao redutível, o que eu defendo é que qualquer sistema complexo, incluindo as sociedades humanas, resultam exclusivamente das propriedades das suas partes.»
4. «O que lhe posso dizer é que os processos sociais futuros serão uma consequência do ambiente externo e do estado actual de todas as células de todos os seres humanos. Quem defende o contrário acredita que existem causas mágicas que determinam os processos sociais.»
5. «Creio no entanto que o Tiago não põe em causa o facto de a economia poder ser encarada como uma ciência exclusivamente positiva. (...) . O certo é que se poderia escrever um livro expondo detalhadamente a teoria liberal sem nunca fazer um juízo moral e sem nunca atribuir ao liberalismo posições morais.»
O António Amaral respondeu ao comentário que o João Galamba fez, «Não entendi», da seguinte forma:
6. «Caro João, Apenas estou a dizer que a tecnocracia é tão anti-liberal como o socialismo real, e que ambas partem de uma base racionalista que o liberalismo teórico rejeita— a impossibilidade do socialismo podia estender-se à impossibilidade da tecnocracia. É verdade que falo em extremos, mas abordagem "algorítmica" da economia também foi mais ou menos assimilada por gerações de economistas que defendem intervenções mais ou menos extensas do Estado, justificadas pelas limitações dos seus modelos...».
Ou sou eu que não estou a ver algo, ou as críticas do António Amaral em 1. e 6. assentam que nem uma luva na forma de pensar do João Miranda e outros (todos?...) austríacos. Isto pretende ser um apontamento factual, e não [necessariamente] crítico. O que eu esperava, assim que li o primeiro parágrafo, era que o AA fosse criticar algum excesso de "cientismo" em certos austríacos. Julgo que o João Galamba terá tido uma surpresa semelhante.
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A visão "algorítmica" da economia é a imagem de marca de JM. Não é a "complexidade" dos processos físicos que está em causa. É o facto de, independentemente dos processos sociais serem mais ou menos complexos que (por exemplo) a teoria (abstracta) do caos, o JM achar que tudo pode ser explicado através de equações, ainda que contendo incerteza (à la Heisenberg). Apenas e exclusivamente com relações tipo causa-efeito. Tudo puramente mecanicista, ainda que - frisemos isto - não determinista.
Acho que JM não percebeu que o "holismo" não é negar este tipo de complexidade, que pode ser descrito pelas ciências naturais. É, antes, dizer que há outro tipo de complexidade, que não pode ser expressa por leis físicas. Quando ele apelida isto de "coisas mágicas" revela apenas que está por definição FECHADO a uma interpretação do mundo que não seja EXCLUSIVAMENTE traduzível por meios utilizados pelas ciências naturais. Se isto não é uma atitude fechada, anti-conhecimento, não sei o que é.
Assim, parece que temos uma grande contradição entre o que disse o AA e as afirmações de JM. A não ser que JM não seja um liberal para AA. Ou que AA ache que a filosofia de JM não encaixa nessa visão "algorítmica". Julgo que não há volta a dar. Acredito que em parte a falta de crítica a JM, neste contexto, se deve ao facto de haver concordância e aprelo noutros temas. Mas em relação ao MÉTODO, a descrição dificilmente podia ser melhor. Logo, para não haver contradição - something's got to give.
Acho que JM não percebeu que o "holismo" não é negar este tipo de complexidade, que pode ser descrito pelas ciências naturais. É, antes, dizer que há outro tipo de complexidade, que não pode ser expressa por leis físicas. Quando ele apelida isto de "coisas mágicas" revela apenas que está por definição FECHADO a uma interpretação do mundo que não seja EXCLUSIVAMENTE traduzível por meios utilizados pelas ciências naturais. Se isto não é uma atitude fechada, anti-conhecimento, não sei o que é.
Assim, parece que temos uma grande contradição entre o que disse o AA e as afirmações de JM. A não ser que JM não seja um liberal para AA. Ou que AA ache que a filosofia de JM não encaixa nessa visão "algorítmica". Julgo que não há volta a dar. Acredito que em parte a falta de crítica a JM, neste contexto, se deve ao facto de haver concordância e aprelo noutros temas. Mas em relação ao MÉTODO, a descrição dificilmente podia ser melhor. Logo, para não haver contradição - something's got to give.
8 Comments:
nao ha contradicao nenhuma Tiago. Nos e' que somos paranoicos e nao deixamos as pessoas em paz. Ai ai ai, sempre a recorrer aos cartoes.
By Joao Galamba, at 9:07 da tarde
a dúvida permanece...
é a realidade (física, química, económica, etc) que se espelha na matemática ou o contrário, a matemática que se modela ao real?
(tiago, como é óbvio o termo "modela" não foi utilizado inocentemente ;) )
By jmnk, at 10:15 da tarde
Caro jmnk,
Essa é uma velha questão, muito interessante por sinal. Será que a matemática existe "para lá" do mundo real?
Se não levares a mal, deixaria essa discussão para outro fóruns... quer por ela ser demasiado interessante, quer por desviar um pouco o tema do post, que é o cientismo de certos liberalismos.
By Tiago Mendes, at 10:25 da tarde
excelente post.
By Pedro Figueiredo, at 11:03 da manhã
*sigh* Tiago, isto está a ficar absurdo.
Comparar discursos descontextualizados de pessoas diferentes não nos leva a lado nenhum. Tentar arranjar um rationale para uma realidade tão complexa como uma blogosfera liberal criada dinâmicamente a várias vozes pode ser um bom exercício, mas infrutífero.
"A visão "algorítmica" da economia é a imagem de marca de JM."
O que entendemos por algoritmo são coisas diferentes. Para mim e para o JM, liberais cada um à sua maneira, e ambos das áreas de ciências, dizer que vemos a Economia de forma algorítmica é o mesmo que dizer a um marxista que é amigalhaço do grande capital. É uma provocação gira até deixar de o ser.
Em vez de algoritmo chama-lhe heurística. Nenhum de nós (JM ou eu) é heurístico na abordagem que fazemos da sociedade ou da Economia— penso que nos concedes isso. Mas há correntes económicas e ideológicas que o são, e que portanto entendem que a Economia pode ser manipulada. E nós entendemos que não. É isso que nos une como liberais.
Penso ser mais útil focarmo-nos nessa minha última frase...
Um abraço,
António
By AA, at 3:19 da tarde
Ahm, para que não haja dúvidas, refiro-me a esta heurística (algorítmica)...
By AA, at 3:24 da tarde
"O que eu defendo é que todos os fenómenos são regidos apenas por leis da física e estão sujeitos apenas a restrições matemáticas."
Repara no TODOS e no APENAS.
Se isto não é uma visão "algorítmica" não sei o que é, francamente, caro António.
Que tu não tenhas esta visão, não duvido. O que me faz confusão é que eu acho que tu achas coisas bastante diferentes do que eu acho sobre o que o JM pensa. Ele é absolutamente redutor e acha que tudo pode ser explicado como nas ciências naturais.
Se isto não é ipsis verbis igual à crítica que tu fazes aos tecnocratas, eu devo estar doido. O meu ponto era apenas frisar que a tua crítica assentava que nem uma luva ao, JM, logo, para ser CONSISTENTE, tu deverias critica NAO SO os tecnocratas (critica com a qual eu concordo) mas também os reducionistas absolutos como o JM.
E, vais-me desculpar, mas eu náo acho que tenha descontextualizado algumas coisa. Acho que os excertos que eu citei não desvirtuam o todo donde os tirei e são suficientemente claros em si para haver alguma contradiçao, que basicamente é tu NAO criticares o JM.
Um abraço,
By Tiago Mendes, at 4:42 da tarde
Olá Tiago,
hehehe
O prólogo à frase, para não a tirar fora de context... hum... do post é:
"Eu não defendo que tudo pode ser explicado através de equações. Por dois motivos: nem sempre as equações são explicativas e nem sempre uma teoria pode ser expressa por equações."
Estas frases rejeitam uma abordagem algorítmica ou heurística. Reconhecer as leis do jogo (as "leis da física" e "restrições matemáticas") não é pretender saber como jogá-lo da "melhor" forma ou conseguir explicar "todos os fenómenos" que delas derivam...
Se não conhecemos as motivações dos jogadores, apenas a suas consequências, não podemos aceitar que existam equações constitutivas inteligíveis que rejam a sua acção. No meu entender, os cientismos acontecem quando se usam ferramentas intelectuais para negar a realidade e emular as tais relações constitutivas...
De novo, repito que andamos com quesílias retóricas. Quando tu e eu falamos de algoritmos, estamos a falar de coisas diferentes. O importante, digo eu, é promover politicamente o liberalismo, e discutir como é que as várias visões são ou não politicamente correctas segundo as nossas próprias convicções que podem e devem diferir...
É mais compreensível e interessante para quem te lê que digas "Eu não concordo com JM porque o que ele defende terá esta consequência que eu entendo ser politicamente indefensável na minha concepção liberal" do que discutir a vírgula na teoria, sem que daí advenha algum avanço pragmático... (o que não quer dizer que eu não continue a ler-te com muito interesse!)
Um abraço,
António
PS- E sim, a frase do JM podia ter sido dito com outra elegância (entendida como matemática!)— o "apenas" tem obrigatoriamente de incluir os indivíduos, tidos individualmente ou associados em ordens ou organizações— são o sujeito dos fenómenos sociais—, mas o JM provoca sempre pondo a cauda de fora >)
By AA, at 6:17 da tarde
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