O reducionismo (holismo) em João Miranda (Galamba)
«Se se olhar para a sociedade como um grande novelo enredado e sem pontas em que tudo está relacionado com tudo, a única coisa que se conseguirá concluir é que a sociedade é um grande novelo enredado e sem pontas em que tudo está relacionado com tudo.»
Há de facto esse perigo, e eu critico muitas vezes o João Galamba por isso. Porque o conhecimento precisa de simplificações e porque acredito que não nos podemos "resignar" a achar que pouco pode ser cognosível apenas porque o mundo é complexo. Claro que o JG não defende isto literalmente - estou a exagerar. Mas é isso que transparece muitas vezes nos textos (e até no tom com) que ele escreve. Estou constantemente a dizer-lhe isso.
Há de facto esse perigo, e eu critico muitas vezes o João Galamba por isso. Porque o conhecimento precisa de simplificações e porque acredito que não nos podemos "resignar" a achar que pouco pode ser cognosível apenas porque o mundo é complexo. Claro que o JG não defende isto literalmente - estou a exagerar. Mas é isso que transparece muitas vezes nos textos (e até no tom com) que ele escreve. Estou constantemente a dizer-lhe isso.
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Uma coisa bem diferente é achar que por existir esse perigo, se deve impor, mesmo que isso não seja verdade, que a realidade é simples e redutível. Isso é o que o João Miranda faz e critico-o também amiúde por esse excesso. Qual é o mais "perigoso"? Difícil responder. Ambos o são. Diria que a posição dogmática do JM é provavelmente mais perigosa, porque distorce a realidade, nega a sua complexidade, e toma um modelo redutor como uma representação fiel da realidade. As construções "mecanicistas" e "algorítmicos" que JM usa não são aceites por mais ninguém no mundo da ciência senão os fiéis seguidores do Human Action de Mises. Perdão, tenho que corrigir: não são mesmo aceites por ninguém no mundo da ciência, dado que a escola austríaca não é ciência, no sentido Popperiano do termo (isto é um "facto").
«"O todo é mais do que a soma das partes" é uma frase batida, mas totalmente vazia. Quem defende tal coisa anda a somar batatas com cebolas. Quem defende que o todo é maior que a soma das partes está a comparar dois objectos descritos a dois níveis de representação distintos. É por isso que a soma das partes pode parecer menos complexa e menos interessante que o todo, mas a diferença não se deve aos objectos em si mas à forma como a soma das partes e o todo são representados.»
Parece-me, caro JM, que não se trata de um problema de representação. É mesmo um problema ontológico. Simplesmente, a natureza das partes, da soma das partes, e do todo, difere. A inclinação que o JM tem por achar que a sociedade é perfeita e totalmente interpretável à luz do conjunto de células ou bactérias diz bem da forma simplista como vê o comportamento humano. Acho fascinante essa "crença". Aliás, todas as crenças são fascinantes, porque requerem do crente a aceitação de premissas indemonstráveis, reveladas de forma mais ou menos mística ao mundo. Imagino que seja bem mais confortável simplificar tudo e viver num mundo perfeito e auto-coerente onde tudo faça sentido à luz de certas teorias irrefutáveis. Não digo que o faça por esse motivo, atenção. Muito menos que não tem direito a ter essa fé. Apenas acho que é uma muito curiosa forma de obscurantismo.
11 Comments:
Excelente post.
Só diria o seguinte. Não acho que o JM seja mais coerente do que o Tiago ou eu próprio ou outras pessoas.
Pelo contrário, o JM incorre em inúmeras contradições próprias de quem assume posições tão extremadas. Simplesmente, como não assume erros e nunca dá conta de mudanças de opinião, os leitores acabam por partir do princípio que as ideias do JM formam um teoria perfeitamente coerente. As contradições pura e simplesmente não são reconhecidas enquanto tal.
Dá-se o mesmo fenómeno com Cavaco Silva. O próximo presidente criou uma imagem de infalibilidade com a célebre frase sobre as dúvidas e os enganos que não tinha e se, por um lado, isso dá-lhe a fama de arrogante e dogmático, por outro lado, permite-lhe alcançar o estatuto de mito.
Ps: acho que o JM é um dos melhores bloggers que por aí andam; e acho que tem muitas qualidades de pensador: criatividade, capacidade de argumentação, conhecimentos invejáveis em várias áreas. Mas também acho que se criou um mito num meio - a blogosfera - que não deve ter mitos.
By Anónimo, at 11:46 da tarde
tb concordo que o jm e' dos melhores bloggers que temos (e que ja' mudou a maneira de eu ver algumas coisas) mas por vezes o homem e' tal e qual um comunista a discutir: fe', pura e simples.
By Pedro Figueiredo, at 11:50 da tarde
Caro José Barros,
Concordo em parte com a sua análise. Eu diria que o JM é "aparentemente" um todo coerente e "inviolável". Eu já mudei de opinião nalguns assuntos (entre eles, sobre epistemologia e evolução) desde que debato estes temas com o João Galamba desde há uns anos e mais recentemente com outros ilustres bloggers e comentadores. O JM tem cometido várias incoerências. O problema é que não "rende" muito ilustrá-las porque ele POR DEFINIÇÂO não admite erros nem muda opiniões. Dáí que se crie uma ideia de "incorruptibilidade".
Eu não tenho problemas com isso, atenção. Sempre reconheci não só o poder intelectual de JM, como aprecio as suas simplificações, o seu poder de comunicação (isto é raro, atenção) e de argumentação. Não tenho dúvidas que ele é um dos maiores bloggers. A questão é "mistificar" duma forma ou de outra. Há quem ache que criticar o JM é uma questão de inveja. Ora só critica quem dá valor ao que critica. Eu só critico JM porque lhe dou valor e porque acho que algumas posições dele merecem ser debatidas abertamente. (Algo dificil com o próprio, mas possível com os demais).
Não percebo bem porque é que o JB acha que a blogosfera não deve ter mitos. Quer dizer, não percebo se é contra os mitos em geral, ou se isso advém dalguma especificidade da blogosfera, porventura, arriscaria eu, a assimetria informacional e o poder de mercado não concorrencial entre blogs (embora tendencialmente seja concorrencial, se bem que existam first-movers advantage, "carteis", etc, nada de mais).
Não sei se concordo com a analogia com Cavaco. Acho que os espaços argumentativos são muito diferentes para se poder comparar as coisas facilmente. Ambos têm muita confiança naquilo que acreditam, é um facto. Creio que o mito de Cavaco se deve mais à austeridade e ao exercício de poder, mais do que á consisténcia de opiniões. Repara que - isto é claramente a favor de JM - a blogosfera é sobretudo um espaço intelectual. Daí que o valor de JM seja sobretudo intelectual. Já o valor de Cavaco - como de qualquer político - é em grande medida "pessoal".
Caro Pedro Figueiredo,
Também eu já mudei algumas coisas, e aprendi outras tantas, com JM. Com grande alegria, diga-se. Gosto de aprender. A comparação que fazes é, infelizmente, certeira, quero crer. Porque há demasiada irredutibilidade e, sobretudo, demasiada convicção nas ideias que se defende, que são tal e qual como "escrituras". Invioláveis, autênticas revelações vindas do céu.
By Tiago Mendes, at 12:07 da manhã
PS: Caro José Barros, seria excelente trocar umas ideias ao vivo no encontro que estou a organizar com o João. Dias mais prováveis: 18, 19, 20 de Dezembro.
By Tiago Mendes, at 12:11 da manhã
Caro Tiago Mendes,
Gostava muito de participar na tertúlia, até porque gosto muito de filosofia e seria um prazer conhecer pessoas pelas quais nutro simpatia. Simplesmente, sou portuense e não me é muito fácil ir aí a Lisboa. Agradeço o convite e, enfim, vou ver o que posso fazer...:)
Quanto ao meu comentário sobre os mitos:
- eu prezo a blogosfera como um espaço de liberdade e igualdade em que é possível haver uma discussão franca e saudável sem os constrangimentos dos laços sociais típicos. Todos dizem o que querem dizer e ninguém é mais do que os outros.
Ora o problema dos mitos é que uma vez criados tornam-se inquestionáveis. Para mim o ideal é que a discordância fosse normal dentro de um blogue entre os autores do mesmo.
Acho que muitos leitores do JM e os seus colegas do blogue ou não têm coragem de discordar ou concordam acriticamente. É essa a sensação que tenho. E é pena que a partir de certo momento a blogosfera se divida entre mirandistas e anti-mirandistas quando o que importa é continuar a discussão nos termos em que ela vale a pena.
By Anónimo, at 12:54 da manhã
Ah, claro... concordo perfeitamente com a sua descrição sobre os mitos, caro JB. De facto, uma vez criados, tornam-se intocáveis e quando criticados vai-se demasiado facilmente para uma lógica de barricada. Eu faz-me certa confusão (acho que não serei o único) como é que certas pessoas da blogosfera que escrevem muito e bem sobre teoria política, nunca comentaram criticamente (que eu me lembre) um único escrito de JM, como aquele mais recente em que ele defendia (inacreditavelmente) que a "política é um jogo de soma nula", para não falar nos textos habituais que negam qualquer coisa que exista para além da "soma das partes", que basicamente reduz conceitos como cultura ou civilização a mera agregação de átomos.
PS: de facto vir do Porto não é pera doce! Mande-me um mail se quiser para trocar umas ideias sobre isso. Ah, e os temas são mesmo em aberto, claro... a história de Russell-Wittgeinstein (que nos interessa, de facto) era apenas uma graçola, talvez demasiado privada, daí que tenha sido por muitos levado à letra :)
(tiago.mendes@economics.oxford.ac.uk)
By Tiago Mendes, at 8:39 da manhã
«Eu faz-me certa confusão (acho que não serei o único) como é que certas pessoas da blogosfera que escrevem muito e bem sobre teoria política, nunca comentaram criticamente (que eu me lembre) um único escrito de JM, como aquele mais recente em que ele defendia (inacreditavelmente) que a "política é um jogo de soma nula", para não falar nos textos habituais que negam qualquer coisa que exista para além da "soma das partes", que basicamente reduz conceitos como cultura ou civilização a mera agregação de átomos» - Tiago Mendes.
Este seu comentário acerta em cheio no problema. É precisamente isso que eu critico. As pessoas abandonam facilmente a sua consciência crítica em troca da pertença a um grupo.
Quanto à tertúlia, não devo poder ir até porque os meus exames começam no dia 3 de Janeiro com uma prova oral sobre o princípio da autodeterminação dos povos e um outro tema sorteado nas áreas de direito admnistrativo e direito constitucional, o que implica estudar todos os outros temas que possam sair (são 16 hipóteses).:) São mais de 1000 páginas que tenho de estudar a partir do dia 18 e não creio que consiga fazer muito para além disso nesses dias. Mas fica combinado que havemos de nos encontrar um dia destes.:)
By Anónimo, at 4:39 da tarde
"Este seu comentário acerta em cheio no problema. É precisamente isso que eu critico. As pessoas abandonam facilmente a sua consciência crítica em troca da pertença a um grupo."
Na mouche, caro Jose Barros... (como sempre). E' mesmo isso: sentimento "grupal" (ou "tribal"), em troca duma posicao um pouco mais critica e consciente.
PS: boa sorte para os exames! :)
By Tiago Mendes, at 9:13 da tarde
PS2: aproveitando a "embalagem" do Joao no Metablog, que tal tratarmo-nos por "tu"? Esta coisa do "voce" tambem nao e' muito do meu agrado, e o "tu" e' tao respeitavel (e propenso ao respeito) como o voce - parece-te bem, caro Jose'? :)
By Tiago Mendes, at 9:22 da tarde
PS2: aproveitando a "embalagem" do Joao no Metablog, que tal tratarmo-nos por "tu"? Esta coisa do "voce" tambem nao e' muito do meu agrado, e o "tu" e' tao respeitavel (e propenso ao respeito) como o voce - parece-te bem, caro Jose'? :)
Com certeza, Tiago. Sinto-me muito melhor quando me tratam por "tu".:) Já agora, podes tratar-me apenas por José ou Zé (que é como me chamam).:)
By Anónimo, at 9:28 da tarde
Optimo, caro Ze' - combinated :)
By Tiago Mendes, at 9:35 da tarde
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