SIDA: cuidado com a(s) estatística(s)
«2 em cada 3 novos infectados são heterossexuais».
Como interpretaria este título do post que Ninno publicou na Grande Loja do Queijo Limiano? Veja a diferença para este:
«7 em cada 8 infectados existentes são heterossexuais.»
[Nota: o título do post original foi alterado pelo seu autor no seguimento do debate que se deu na caixinha dos comentários. Para além desta nota, o post mantém-se como originalmente. Vejam os comentários que vale a pena.]
Ninno incorre no seu título em dois erros estatísticos:
1) Confunde fluxo e stock. No Público apresentam-se números que dizem respeito ao retrato actual da situação e não à probabilidade de novos casos serem devidos à causa X ou Y. Mais, sendo que a proporção de diferentes "populações" infectadas se tem vindo a alterar, não é muito provável que esse retrato constitua uma boa estimativa para prever um futuro em mudança;
2) Ignora a proporção contaminada por via não sexual e a necessidade de a distribuir (proporcionalmente). Essa omissão poderá resultar num entendimento parcial e enganador dos números, nomeadamente para quem não os conheça ou não os saiba (ou consiga) interpretar. No Público, as causas de contaminação da população actualmente contaminada são:
A. Por via sexual (heterossexuais): 65%
B. Por via sexual (homossexuais): 10%
C. Por uso de seringas (toxicodependentes): 18%
D. Outros: 7%
Ora, é um facto que a contaminação por via sexual, de heterossexuais corresponde sensivelmente a 2/3. Mas não será o leitor levado a pensar que 1/3 são homossexuais? O problema aqui é análogo à questão da distribuição de indecisos/abstencionistas nas sondagens, que tem causado grande polémica ultimamente. Pedro Magalhães pede uma maior numeracia. Só posso concordar.
É que se distribuirmos os 25% de contaminados por via não sexual (de modo a nos focarmos apenas nos factores A e B), passamos de proporções de 65% e 10% para heterossexuais e homossexuais, para proporções de 87% e 13%. Ou seja, de um rácio de 2/3 para um rácio de 7/8. Indicando que dentro da população contaminada por via sexual, 13% são homossexuais e 87% são heterossexuais.
É isto importante? Parece-me que sim. Por um lado, por simples respeito à «verdade dos números». Por outro, para alertar a população para o facto de o risco ser sensivelmente semelhante nas duas populações, o que vai contra a ideia comum de que o grupo homossexual é muito mais perigoso. Hoje em dia - e isto é uma questão de facto e não de política ou activismo - parece que a diferenciação é tendencialmente cada vez menor, quando há anos atrás o risco de contaminação na população homossexual era estridentemente mais elevado.
Os números são o que são e têm que ser respeitados. Lembremos Disraeli, que dizia: «There are lies, damn lies - and statistics». É possível muito e «bom» malabarismo com base na(s) estatística(s). O que requer maior atenção e cuidado do leitor.
O título do post deveria, então, ser este:
«7 em cada 8 infectados são heterossexuais.»
Como interpretaria este título do post que Ninno publicou na Grande Loja do Queijo Limiano? Veja a diferença para este:
«7 em cada 8 infectados existentes são heterossexuais.»
[Nota: o título do post original foi alterado pelo seu autor no seguimento do debate que se deu na caixinha dos comentários. Para além desta nota, o post mantém-se como originalmente. Vejam os comentários que vale a pena.]
Ninno incorre no seu título em dois erros estatísticos:
1) Confunde fluxo e stock. No Público apresentam-se números que dizem respeito ao retrato actual da situação e não à probabilidade de novos casos serem devidos à causa X ou Y. Mais, sendo que a proporção de diferentes "populações" infectadas se tem vindo a alterar, não é muito provável que esse retrato constitua uma boa estimativa para prever um futuro em mudança;
2) Ignora a proporção contaminada por via não sexual e a necessidade de a distribuir (proporcionalmente). Essa omissão poderá resultar num entendimento parcial e enganador dos números, nomeadamente para quem não os conheça ou não os saiba (ou consiga) interpretar. No Público, as causas de contaminação da população actualmente contaminada são:
A. Por via sexual (heterossexuais): 65%
B. Por via sexual (homossexuais): 10%
C. Por uso de seringas (toxicodependentes): 18%
D. Outros: 7%
Ora, é um facto que a contaminação por via sexual, de heterossexuais corresponde sensivelmente a 2/3. Mas não será o leitor levado a pensar que 1/3 são homossexuais? O problema aqui é análogo à questão da distribuição de indecisos/abstencionistas nas sondagens, que tem causado grande polémica ultimamente. Pedro Magalhães pede uma maior numeracia. Só posso concordar.
É que se distribuirmos os 25% de contaminados por via não sexual (de modo a nos focarmos apenas nos factores A e B), passamos de proporções de 65% e 10% para heterossexuais e homossexuais, para proporções de 87% e 13%. Ou seja, de um rácio de 2/3 para um rácio de 7/8. Indicando que dentro da população contaminada por via sexual, 13% são homossexuais e 87% são heterossexuais.
É isto importante? Parece-me que sim. Por um lado, por simples respeito à «verdade dos números». Por outro, para alertar a população para o facto de o risco ser sensivelmente semelhante nas duas populações, o que vai contra a ideia comum de que o grupo homossexual é muito mais perigoso. Hoje em dia - e isto é uma questão de facto e não de política ou activismo - parece que a diferenciação é tendencialmente cada vez menor, quando há anos atrás o risco de contaminação na população homossexual era estridentemente mais elevado.
Os números são o que são e têm que ser respeitados. Lembremos Disraeli, que dizia: «There are lies, damn lies - and statistics». É possível muito e «bom» malabarismo com base na(s) estatística(s). O que requer maior atenção e cuidado do leitor.
O título do post deveria, então, ser este:
«7 em cada 8 infectados são heterossexuais.»
14 Comments:
É rigorosamente verdade o que diz. O título do meu post deveria ter sido: "Dois em cada três novos infectados são-no por via heterossexual".
By Nino, at 2:47 da tarde
A leitura exacta dos números arreda o preconceito de que a homossexualidade é de maior risco na transmissão do vírus HIV que a heterossexualidade e essa mensagem deve perpassar a opinião pública.
By Nino, at 2:52 da tarde
Caro NInno,
Não percebo se está a ser irónico ou não. Porque se não estiver a sê-lo, é algo contraditório porque continua a insistir no "novos", quando se trata dum retrato e não de uma previsão.
Por outro lado, sendo verdade referir o "por via heterossexual", julgo que isso é enganador. Talvez propusesse, alternativamente:
"Dois em cada três infectados foram-no por via (hetero)sexual".
Para além do verbo no pretérito ("foram-no" e não "são-no) - porque se trata de algo que já ocorreu - a sugestão "(hetero)sexual" seria menos falaciosa porque sugere que estamos a olhar apenas para a contaminação por via sexual, e nesse sub-grupo, para os heterossexais.
By Tiago Mendes, at 2:54 da tarde
"A leitura exacta dos números arreda o preconceito de que a homossexualidade é de maior risco na transmissão do vírus HIV que a heterossexualidade e essa mensagem deve perpassar a opinião pública."
Ok... mas nesse caso não seria melhor frisar o 7/8 e não os 2/3? Fico sem entender bem isto, dado ter reiterado o título inicial, com uma pequena alteração.
By Tiago Mendes, at 2:56 da tarde
Ou seja, acho contraditório concordar que o ponto MAIS importante aqui era reiterar que os riscos nas populações hetero e homo não sáo tão dispares como eram há alguns anos, e depois continuar a propor um título onde reforça os 2/3 e não 7/8...
By Tiago Mendes, at 3:18 da tarde
Apesar de considerar correcto a frequência sugerida (7/8), pretendo realçar a via de transmissão em detrimento da preferência sexual. A grande maioria dos toxicodependentes é heterossexual (como a população geral, 90%), mas contraiu sida por via sanguínea. Se ajustarmos os números à preferência sexual, a frequência é ainda proporcionalmente maior nos homossexuais(um oitavo dos infectados quando constituem apenas um décimo da população geral).
Logo, prefiro: "Dois em cada três infectados foram-no por via heterossexual".
Pode conferir na Grande Loja.
By Nino, at 4:35 da tarde
Caro Ninno,
Repare que a proporção 87%-13% é praticamente aquela que aponta como sendo a proporção na população em geral, 90%-10%.
Repare também que de 1/8 para 1/10 não há grande diferença, como pretende aludir na seu comentário. Falamos de 12.5% ou 10%.
Bem mais imporatnte é a sugestão de que os homossexuais seriam 33%, quando são 13%.
Não ponha em causa a sua intenção, obviamente, mas julgo que um título tao resumido será sempre mal interpretado, porque não poderemos ignorar o "contexto" e a informação passada que as pessoas têm. E essa é - correctamente, de resto - que os homossexuais são um grupo de risco MUITO MAIOR que o dos heterossexausi.
Ora, a sua simplificação, ainda que não estritamente errada, parece-me contribuir pouco para essa clarificação. Folgo, no entanto, a sua reformulação.
PS: se não for demais, pedia-lhe que linkasse no seu PS o post que escrevo aqui.
By Tiago Mendes, at 5:40 da tarde
Não seria intelectualmente honesto incluir aqueles que contrairam o vírus da sida por via sanguínea (os toxicodependentes, os hemofílicos e os acidentados com sangue) no grupo dos infectados heterossexuais, sob pena de induzir um viés.
Já linquei.
By Nino, at 7:05 da tarde
"Não seria intelectualmente honesto incluir aqueles que contrairam o vírus da sida por via sanguínea (os toxicodependentes, os hemofílicos e os acidentados com sangue) no grupo dos infectados heterossexuais, sob pena de induzir um viés."
Exacto. Por isso mantenho que, ainda que não estando errado o seu título, creio que induz um pouco em erro, porque parece reduzir o espectro ao universo de contaminação via sexual - afinal, porque é por aí que a "maioria" de todos nós o poderá contrair.
"Já linquei."
Obrigado.
By Tiago Mendes, at 7:11 da tarde
Tiago,
o post esta excelente. e e' muitissimo relevante.
By Joao Galamba, at 8:48 da tarde
Haverá 1 homossexual por cada 7 heterossexuais?
By Anónimo, at 11:28 da manhã
"Haverá 1 homossexual por cada 7 heterossexuais?"
Ou, de forma mais clara, serão os homossexuais 12.5%?
Mais importante que isso, será a proporção de "actos homossexuais". É preciso ter em conta que existe um "contínuo" entre a heterossexualida ("pura") e a homossexualidade ("pura"). Há hetereossexuais ("predominantly so") que têm actos homossexuais e vice-versa. É importante não cair em dualismos nestas coisas.
A proporção de actos sexuais depende não só da proporção de pessoas com determinadas orientações mas também da frequência com que concretizam actos sexuais. Poderá haver aqui alguma diferença.
Julgo que o importante nestes dados, para lá de haver um maior "risco" de uma das populações (falo em populações aqui para simplificar...), é fazer o ponto de que hoje em dia esse risco é mais ou menos semelhante, ou melhor, que a ideia de que os homossexuais são um grupo MUITO MAIS arriscado, já não é verdade.
Isto não é política - é um facto. QUe deve ser publicitado não só por amor à verdade, como (consequentemente) para mudar preconceitos existentes, como (consequentemente) para que as pessoas possam fazer escolhas mais informadas.
Uma coisa é certa: em cada momento do tempo, haverá sempre um grupo mais arriscado que o outro (a probabilidade de o risco ser *exactamente* igual é nula). A questão não é, com estes dados, de haver grupo X ou Y que hoje ou ontem é mais arriscado, mas reiterar que o risco é mais ou menos semelahnte, e como tal o panorama mudou face ao que era factual há 10 ou 20 anos atrás.
By Tiago Mendes, at 11:37 da manhã
Pois... continua aqui a insistir-se na hoje estafada falácia dos "grupos de risco", em vez de se referirem "comportamentos de risco".
By Anónimo, at 11:52 da manhã
"Pois... continua aqui a insistir-se na hoje estafada falácia dos "grupos de risco", em vez de se referirem "comportamentos de risco"."
Caro anonymous:
Não há aqui esse "preconceito", se quiser por as questões nesses termos. Agora, os factos são os factos, e eu não entro em politiquices. Claro que o importante são os comportamentos. No entanto, se se verificar - estatisticamente - se certas pessoas que têm característica X em comum têm uma probabilidade de risco SIGNIFICATIVAMENTE superior a outros grupos, então essa distincção pode e deve ser feita.
Tendo em mente que é uma generalização, uma média. Mas que é - em termos da população - um facto.
Por exemplo, os jovens de 18 a 21 anos pagam seguros automóveis mais elevados porque se verifica ESTATISTICAMENTe que a probabilidade de terem acidentes é maior.
As pessoas que têm por hábito ir ao McDonalds têm uma probabilidade maior de contrair doenças cardio-vasculares.
Etc, etc.
Se - num DADO momento - se verificar que a populaçõa que predominantemente comete actos sexuais do tipo X apresenta - enquanto POPULAÇAO - um risco maior de infecção, isso DEVE ser dito.
Este DEVE é o deve que tem a ver com o conhecimento e não com a politiquice.
É um facto que os homossexuais há 10 ou 20 anos atrás apresentam um risco de contágio muito maior. Hoje em dia isso parece não ser verdade, e era esse o ponto do meu post. Mas se amanhã os dados mudarem, eu continuarei a achar o mesmo: os dados são o que são e têm que ser respeitados.
Eu quando falo de "grupos de risco", sei do que falo. Talvez outros nao o saibam interpretar. Grupo de risco quer dizer apenas que álguém que tem uma certa caraceristica X tem uma probabilidade maior de Y. Não há qualquer juízo de valor, seja de condenar os homossexuais, ou acahr que são mais promiscuos, etc.
Acho que não é com esse tipo de atitudes politiqueiras e que negam (eventualmente) os dados, que se vai muito longe. Claro que o que importa na óptica do "consumidor-utilizador" (no ambito das relacções sexuais) são os comportamentos. Achar que o risco é igual se a pessoa se envolver com uma rapariga virgem, ou com uma drogada, ou com uma prostituta de luxo, ou com uma prostituta barata que nunca usou preservativo na vida, etc, é tudo igual, só porque nao PODEMOS DISCRIMINAR ninguem, é vazio, superficial, e por isso mesmo condenável.
Não vou por aí.
By Tiago Mendes, at 12:09 da tarde
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