aforismos e afins

03 março 2006

Correspondência liberal

A propósito do penúltimo artigo de Carlos Marques de Almeida, gerou-se uma troca de ideias que (autorizado) julgo valer a pena partilhar (omito as formalidades, para atentarmos à substância):

TM: Na passagem,

"A Direita sorri complacente perante todo e qualquer esquema orientado para o progresso da Humanidade. Pelo simples facto de que o progresso é uma estranha ilusão que vicia todas as mentes, a Direita julga-se pois dispensada das incomodidades do mundo. Tanto à Esquerda como à Direita, a irracionalidade é o mais óbvio convite ao desastre.",

é impressão minha, ou vejo aqui uma crítica a um certo conservadorismo (porque) eivado da "apatia" referida? Foi assim que interpretei o texto, e, se é isso, concordo. De resto, não me consigo identificar como conservador "tout court" exactamente por não partilhar essa visão demasiado "passiva" (a palavra não é a melhor, bem sei) perante o mundo. Estando correcta a minha interpretação, confesso-me relativamente surpreso, dado esperar ler nesta coluna algo muito próximo dum conservadorismo clássico... tipicamente Oakeshottiano. Ou será que interpreto abusivamente?

CMA: A direita portuguesa confunde-se mais com um tique ou uma pose do que verdadeiramente com um posicionamento político. Age-se de determinado modo porque se pensa que, agindo assim, se estará a agir "à direita". Profundo engano e triste espectáculo. A direita portuguesa desconhe o significado da palavra "liberal". E esse pormenor "speaks volumes".

Infelizmente, a direita portuguesa - aliás tal como a esquerda -, são radicalmente ineducáveis. Portanto são incapazes de entender a ironia e o sarcasmo.

O vício do conservadorismo é precisamente esse resvalar para a apatia, essa ilusão de que os arranjos políticos do passado são perfeitos porque suportaram o teste do tempo e da história. Ilusão fatal. Não existe nunca a possibilidade de um regresso ao passado. Não existe nunca uma ordem política ou social permanente.

O conservadorismo deve ser entendido como uma atitude particular em relação à mudança. Uma atitude que pretende controlar a mudança, aceitando-a como uma facto natural. Relembro a propósito Edmund Burke (cito de memória) - Um estado que não tem os meios para a renovação, não possui os meios para a respectiva preservação.

Quanto a Oakeshott. Oakeshott era um céptico. E um céptico quer em relação às lições da história, quer em relação à infinita felicidade de um estado perfeito e utópico algures num futuro longínquo. E era em muitos aspectos um típico liberal clássico. O difícil equilíbrio estará precisamente em dosear um certo olhar liberal como uma particular visão conservadora. É no equilíbrio que reside, pois, toda a arte.

TM: Esclarecido, então. E de acordo, quer com a brilhante leitura sobre a direita portuguesa, quer acerca desse (difícil) equilíbrio.