aforismos e afins

07 março 2006

Quiz fracturante (e fictício)

1. Pode um líder de um partido socialista ter 500 mil contos investidos em acções, com uma postura especulativa? E de longo prazo?

2. Pode um líder de um partido conservador ser homossexual*? De forma assumida? E pode ter orgulho nisso?

3. Pode um líder dum partido liberal desejar proibir que se façam as perguntas 1. e 2. no espaço público? E discordar dessa escolha?

Enfim, pode um político pregar uma coisa e ter uma conduta que contradiga claramente isso? Não pretendo elaborar teorias. As perguntas valem o que valem, e respostas simples de sim / não às (no total) sete perguntas mais uns pozinhos são bem-vindas. O "pode", claro, é normativo, não positivo. Só para os mais distraídos.

*ou, numa versão mais restrita ainda - à la Miguel Sousa Tavares - não ser um heterossexual em 'full-time'. E, notem bem, este 'full-time' permite, em termos lógicos, pausas entre os períodos de actividade febril, seja por escolha, inspiração divina à la César das Neves ou Carlos Espada, ou ainda pelo tão famoso quanto desditoso "síndrome de Pedro Mexia". Ou seja, é um 'full-time' fundacional, ainda que não concretizado.

25 Comments:

  • "3. Pode um líder dum partido liberal proibir um colega seu de fazer as perguntas 1. e 2. de forma aberta no espaço público? E discordar?"

    Primeiro, temos que definir "proibir". Se a questão é "pode um lider liberal determinar que os camaradas (ops, força do hábito) de partido serão expulsos se fizerem estas perguntas em público", claro que pode - pela lógica liberal, isso não passa de um contrato voluntário que em nada limita a liberdade de quem, voluntariamente, entrou no partido. Se, além de expulsão, a pena for uma multa de 5 biliões de contos, torturas, etc. também está tudo bem, desde que esteja previsto (explicita ou implicitamente) no acordo que o militante aceita quando se filia.

    Se ele impor essa regra, não a um "colega de partido", mas um empregado das suas empresas, aplica-se o mesmo raciocinio.

    E se for um liberal fã de Nozick, que acredita na "escravatura voluntária", então, temos pano para mangas.

    E, se ele pode proibir, por maioria de razão pode "discordar".

    By Blogger Miguel Madeira, at 12:22 da manhã  

  • A pergunta três é a menos interessante, mas fair enough :)

    Foi escrita mais por motivos formais, ao mesmo tempo que fazia uma espécie de pescadinha de rabo na boca, envolvendo as duas primeiras perguntas ao barulho.

    E a resposta à pergunta 1?

    PS: vou ver com mais calma a tua resposta ao Quiz 6, que conto publicar só no fds. Mas, como te tinha dito, julgo que faltava uma coisa mínima na tua resposta anterior, que imagino não tenhas na tua posse. Dp digo qq coisa.

    By Blogger Tiago Mendes, at 12:27 da manhã  

  • "Pode um líder de um partido conservador ser homossexual? De forma assumida? E pode ter orgulho nisso?"

    Em abstrato, pode "ter orgulho nisso" se viver numa sociedade em que a homossexualidade seja tradicionalmente bem vista. No entanto, desconheço se há alguma sociedade/cultura em que a homossexualidade entre adultos seja socialmente respeitável.

    Se a questão fosse um bocadinho mais "hard", gênero "pode um líder de um partido conservador ser homossexual e pedófilo?", creio que haveria algumas tribos do pacifico em que um "conservador" local poderia ser isso com orgulho.

    By Blogger Miguel Madeira, at 12:31 da manhã  

  • "No entanto, desconheço se há alguma sociedade/cultura em que a homossexualidade entre adultos seja socialmente respeitável."

    ???

    Holanda / Amsterdão? Ingalterra / Londres? Canadá? Califórnia? Barcelona? (...) Esrtanho o teu comentário, porque usas a palavra "respeitável", que é diferente de "recomendável", mas antes próxima de "aceitável" ou "tolerável" (podendo esta última ter uma forma mais ou menos negativa / positiva).

    By Blogger Tiago Mendes, at 12:36 da manhã  

  • A pergunta 1 vai ser a última (talvez porque é que mais me toca). Mas tem semelhanças com a minha questão sobre se um defensor do "democracia directa" pode concorrer a eleições.

    By Blogger Miguel Madeira, at 12:38 da manhã  

  • Eu estava usando "respeitável" no sentido de "prestigiante" (como no expressão "uma das familias mais respeitáveis da aldeia")

    By Blogger Miguel Madeira, at 12:41 da manhã  

  • "Eu estava usando "respeitável" no sentido de "prestigiante" (como no expressão "uma das familias mais respeitáveis da aldeia")"

    Understood.

    (Aparte: viveste no Brasil? Já desconfiava de alguns acentos teus.)

    "A pergunta 1 vai ser a última (talvez porque é que mais me toca)."

    Sim, não esperaria outra coisa.

    By Blogger Tiago Mendes, at 12:44 da manhã  

  • Quanto a um lider conservador poder ser homossexual, mesmo no contexto da civilização "judaico-cristã", penso que sim - afinal, os conservadores acham que o homem é um ser naturalmente "pecador", portanto, se ele, apesar de tudo, não conseguiu dominar os seus impulsos, o que poderá fazer? A respeito de o ser "abertamente", o raciocinio é mais ou menos o mesmo (no entanto, para ambas as questões, é conveniente que, pelo menos, tenha tantado reprimir a sua "devassidão")

    nota: estou a pensar nas respostas na prespectiva de conservadores e liberais "extremistas" (como também vou fazer para o socialismo) - se fosse para "moderados" era fácil.

    By Blogger Miguel Madeira, at 12:52 da manhã  

  • "Aparte: viveste no Brasil? Já desconfiava de alguns acentos teus."

    Não. Se for do uso do gerundio (como em "usando"), também é tradicional no Algarve.

    By Blogger Miguel Madeira, at 12:55 da manhã  

  • 1. Quanto à primeira questão, em princípio não haveria problema. Se se utilizar o termo socialista no sentido de social-democrata, não há problema, porque a social-democracia aceita o mercado, neste caso, o mercado de capitais. Se o socialismo em causa for o chamado socialismo real, então há uma contradição entre a palavra e a acção do político. É uma questão ética, mas não legal.
    Haverá um problema legal se o político investir em acções de empresas em que o Estado é accionista e se tiver que tomar decisões económicas que envolvem as mesmas. Aí o problema não é ideológico, mas pura e simplesmente de leis. Parece-me evidente que há uma incompatibilidade entre o cargo e a titularidade das referidas acções, devendo tal situação ser proibida por lei.

    By Anonymous Anónimo, at 12:56 da manhã  

  • Zé: vê o comentário acima do Miguel: se fosse para falar de "moderados", era fácil. Claro que falo de socialistas da velha guarda, comunistas, extrema-esquerda, etc. Escolhi as denominações "largas" para simplifciar. E julgo que o contexto (com o comentário final) sugere que estamos a falar de comportamentos que vão contra aquilo que é a "doutrina" pregada, logo, na primeira pergunta, nunca poderia estar a referir-me a socialistas de terceira via ou outros que aceitem de bom grado (a superioridade) do mercado.

    O mesmo se aplica aos conservadores. Falo, não tanto da filosofia política, mas do "real world", ainda que, naturalmente, não esteja a pensar em ninguém em particular claro que não).

    Miguel: não me lembrei disso, embora agora que o dizes me recorde de ouvir o gerúndio (mais) frequentemente no Algarve, é verdade.

    Segundo percebo da tua (interessante) análise para a segunda pergunta, um líder conservador poderá ser homossexual, mas não so nao poderá ter orgulho nisso, como deverá necessariamente que (este "necessariamente" quer dizer "logicamente)) ter vergonha, uma vez que não conseguiu derrotar esses instintos devassos. Ou seja, apresenta-se aos homens (e a Deus) como pecador, homem perdido nos desejos da carne, etc. Acho que é um ponto interessante (não estou a ser irónico), por trazer directamente à mesa a questão da religião, que não pode ser dissociada do conservadorismo (embora possa existir um conservadorismo agnóstico e/ou laico, obviamente - mas não fujamos à questão "fracturante", que é o que tem interesse aqui).

    Relembro que o "pode" é, de facto, um "deve". É normativo e não positivo. Ou seja, é "aceitável" que um líder conservador seja homossexual? Dito ainda de outro modo (economicista): quanto estaremos dispostos a pagar para, tudo o resto constante, termos um líder conservador que não seja homossexual?

    (CLaro que este "quanto estamos dispostos a pagar" não se refere necessariametne a dinheiro ou a otra coisa qualquer mensurável - é apenas uma forma de colocar a questáo, pondo a ênfase nos "custos" que essa homossexualidade teria).

    By Blogger Tiago Mendes, at 1:14 da manhã  

  • Zé: vê o comentário acima do Miguel: se fosse para falar de "moderados", era fácil. Claro que falo de socialistas da velha guarda, comunistas, extrema-esquerda, etc - Tiago Mendes.

    Se assim é, a resposta ainda é mais fácil. Sim, claro, há um problema de falta de honestidade política da parte de quem é comunista ou trotskyista e, ao mesmo tempo, detém acções de uma empresa.

    2. No segundo caso a situação não é tão simples. Um político conservador pode ser homossexual ou praticar actos homossexuais ocasionais, sem que a homossexualidade ou a prática destes actos o comprometa necessariamente com as reivindicações políticas dos homossexuais (casamento, adopção, etc..). Pode até tratar-se de um guilty pleasure, um vício privado, com que o dito político não se sente eticamente à vontade.
    Haverá aí uma tensão ética evidente, mas não me parece que seja impossível ao tal político defender as posições do partido conservador que representa no que toca às reivindicações em causa, porque pode partilhá-las com o partido sem contradição.
    Assumir a homossexualidade ou não não me parece mudar a minha resposta.
    Já o orgulho em ser gay é uma questão diferente. É-o porque dificilmente pode haver aí convergência entre as posições do político e as posições do partido quanto às reivindicações políticas dos homossexuais. Não sei como um homossexual que não vê mal nenhum na homossexualidade pode argumentar contra o casamento homossexual, porque - e é essa a minha posição - o casamento não pressupôe a abertura aos filhos. Se se considera que o casamento pressupôe tal característica, então ainda assim talvez o político pudesse ter orgulho em ser gay, mas rejeitar o casamento homossexual, por exemplo.
    Enfim, as variáveis na resposta à tua questão são demasiadas para dar que a dita seja cabal.:)

    Ps: Respondi ao João Mendes no Minarquias se quiseres ver.

    Um abraço,

    By Anonymous Anónimo, at 1:23 da manhã  

  • A respeito do socialista (estou assumindo que a questão se refere a um socialista radical, não a um social-democrata - esse poderia dizer: "não há problema, desde que pague impostos").

    Se fosse um socialista marxista, talvez podesse ter o investimento sem problemas: afinal, os marxistas, na sua versão mais purista, dizem que o mal do capitalismo é que "a anarquia das forças produtivas leva a crises de super-produção e ao consequente pauperismo do proletariado", ou seja, o problema não está tanto nos capitalistas, individualmente considerados, serem "ricos", mas no funcionamento do "sistema" na sua globalidade (pela lógica marxista, se Engels tivesse dado as suas fábricas aos trabalhadores, eles apanhariam à mesma com as "crises de superprodução", com a "decomposição da formação social capitalista", etc., logo não adiantaria nada).

    Claro que quase ninguém, na prática, leva a sério este atitude de "o marxismo é positivo, não normativo", a começar pelos próprios marxistas (e é polémico entre as várias subcorrentes se é mesmo assim - p.ex, os trotskistas da "facção Mandel-Krivine-Louçã" são muito menos "positivistas" que o marxismo mais tradicional).

    Agora, um socialista que seja "normativo" (como se calhar são todos) e que acredite que os "rendimentos do capital" são eticamente maus, penso que só poderá auferir rendimentos do capital se haver, a longo prazo, um saldo negativo (ou nulo) entre os rendimentos que aufere e os que "paga" (no "paga", estou incluindo não apenas os juros que ele pague de empréstimos, mas também uma fracção dos lucros da empresa aonde trabalha - que, para muitos socialistas - são dinheiro "roubado aos trabalhadores").

    No entanto, para um lider partidário, e para um valor tão alto, já sai claramente destas condições.

    By Blogger Miguel Madeira, at 1:26 da manhã  

  • Quanto à questão do "especulativo" vs. "longo prazo", creio que não será muito relevante, mas poderiamos até construir um argumento para ser mais aceitável o "especulativo" do que o "longo prazo" (!):

    No "longo prazo", o rendimento corresponde (para um socialista velha-guarda) a "mais-valia extorquida aos trabalhadores". No caso de lucros "especulativos", além da valorização "estrutural" das acções, há também a valorização "conjuntural", e esses lucros "especulativos" são, essencialmente, "perde-ganha": o que um especulador ganha (além da valorização dos "fundamentais") é o que outro perde - conclusão: um especulador "rouba" aos outros capitalistas, e não só aos trabalhadores.

    By Blogger Miguel Madeira, at 1:35 da manhã  

  • Já agora, como analisar o caso Georges Soros, que se dedica à especulação com divisas e acha que essa actividade é inútil, cria crises económicas e deve ser restringida? (o argumento dele: "se não fosse eu, era outro")

    By Blogger Miguel Madeira, at 1:37 da manhã  

  • Em relação à segunda questão digo apenas que Michael Portillo sempre foi o meu favorito à liderança dos Tories.

    By Anonymous Anónimo, at 5:25 da manhã  

  • 1. Sim. Sim.

    2. Sim. Sim. Não.

    3. Não. Sim.

    By Blogger André Azevedo Alves, at 5:58 da manhã  

  • Relativamente à 2ª pergunta só me faz lembrar um ex-líder de um partido conservador que ultimamente é só vê-lo a bombar pelo Lux... (Só lhe faltam as plumas)... Eu sou totalmente a favor das pessoas divertirem-se, mas sou contra a hipocrisisa...

    By Anonymous Anónimo, at 10:28 da manhã  

  • Concordo com o José barros em relação à segunda pergunta: Um político conservador pode ser homossexual sem abdicar da condenação da homossexualidade, abrigando-se na condição natural de pecador do homem.
    Mais genericamente, podemos formular a questão se uma pessoa, um político, pode/deve apregoar normas de comportamento sabendo se pessoalmente incapaz de cumpri-las?
    A minha resposta é definitivamente sim!
    Eu, que não sou conservador, pergunto: O que seria da nossa moral se só podiamos defender o que sabemo-nos capaz de cumprir?! Uns exemplos concretos: Vamos tornar lícita a evasão fiscal, porque todos que conheço já uma vez compraram indevidamente um serviço sem IVA ou descontaram uma despesa privada como da empresa?
    Já não posso defender a fidelidade conjugal como norma porque já cometi adultério?

    Em relação à vergonha que referiste não a acho muito "necessária". Em princípio não me incomoda e acho possível que uma pessoa se sente bastante bem com a sua condição de pecador e ao mesmo tempo continua a achar socialmente necessário a manutenção das normas que costuma infringir.

    Para um político coloca-se naturalmente a questão da sua credibilidade enquanto tal. Aqui o socialista da pergunta 1 talvez terá mais problemas do que o conservador da pergunta 2. Ambos tornam-se alvo mais fácil para ataques ad hominem. E há situações em que eu deixo ter complacência e me indigno com a hipocrisia. Nomeadamente quando a praticada dupla moral se institucionaliza e prejudica terceiros, o que acontece na marginalização, na negação de direitos à pessoas dependentes do pecado, como prostitutas, toxicodependentes etc.

    By Blogger lb, at 11:58 da manhã  

  • Obrigado a todos, e desculpas por ter os comments bloqueados (pensei que não estavam). Saúdo particularmente (sem desprimor par os outros) a resposta *clara* do AAA (mas pensa que na 1. falamos de tipos trotskistas e afins - não será contraditório?), e tentarei responder a todos mais logo.

    By Blogger Tiago Mendes, at 12:07 da tarde  

  • AS minhas respostas:

    1. Não. Sim.
    2. Sim. Sim. Não.
    3. Não. Sim.

    Depois, eventualmente, explicarei.

    By Blogger Tiago Mendes, at 12:38 da tarde  

  • Já agora explica tb como é q se analisa o nível de orgulho que um político tem numa sua característica pessoal.

    By Anonymous Anónimo, at 12:50 da tarde  

  • Não sei se ainda vai a tempo.
    1. Sim. Sim.
    2. Sim. Sim. Sim.*
    3. Não. Sim.

    * Numa sociedade onde a homossexualidade fosse maioritária e fizesse parte da sua matriz cultural.

    By Blogger Carlos Guimarães Pinto, at 11:07 da tarde  

  • 1. O socialista, na acepção comunista da palavra, pode, sim, ter capitais investidos e ser um dirigente empresarial: ser-lhe-á fácil justificar a sua atitude, afirmando que a única forma de se impor no mundo capitalista, é sendo capitalista, "em Roma se é romano", mas que continua a defender a idelogia marxista, pois sempre preferirá a estatização e planificação da economia, ao liberalismo. Ou seja, ele poderá afirmar que este é o modelo em que se vive, e que se serve dele para o combater, não o preferindo.
    2. O conservadorismo não é incompatível com determinadas práticas ditas pouco ortodoxas. Podemos, assim ter um conservador homossexual, visto até que a homossexualidade tem muitas vezes origens neurológicas e inatas, poderá o político conservador afirmar. Não é incompatível com o Cristianismo e Judaísmo, pois em nenhuma parte da Bíblia se escontra referências a isso como um pecado, e foi a Igreja Católica que no passado desvirtuou a Biblia, poderá igualmente defender.

    Além disto, uma pessoa genericamente comunista ou conservadora pode possuir determinados valores capitalistas e liberais, respectivamente. O campo da ideologia é muito subjectivo, e depende de caso para caso, de situação para situação, pelo que uma pessoa pode ter opiniões comunistas/conservadoras na maioria dos assuntos, e em determinadas excepções contrariar essas convicções, pelo que se torna impossível responder sim/não às questões.
    Quanto ao liberalista, ele pode ser economicamente liberal, e politicamente ser ultraconservador, e mesmo totalitarista, e o pior exemplo disso foi Adolf Hitler: um monstro político, liberal economicamente.

    By Blogger PedroP, at 10:25 da tarde  

  • Monstro no mau sentido, está claro, com tudo o que isso implica.

    By Blogger PedroP, at 10:39 da tarde  

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