O escritor (1)
O meu único leitor... Mais tarde trocá-lo-ei pelo leitor ideal, por esse patifório íntimo, esse querido velhaco com quem poderei falar como se nada tivesse valor a não ser para ele - e para mim. Por que acrescentarei e para mim? Esse leitor ideal poderá porventura ser outro que não o meu alter ego? Para quê criar um mundo nosso, se ele tem de fazer sentido para todo o bicho careta?
...
E que pode um simples escritor criar que não tenha já sido criado? Nada. O escritor reordena a matéria cinzenta na sua pinha. (...) Alguns livros modificaram a face do mundo. Reordenamento, mais nada. Os problemas da vida permanecem. Pode-se fazer o levantamento da pele de uma cara, mas a idade da pessoa é indelével.
...
Para nascer águia, uma pessoa tem de se habituar às alturas: para nascer escritor, tem de aprender a gostar de privações, sofrimentos e humilhações. Tem, sobretudo, de aprender a viver à parte.
...
Ah, sim, esquecia-me de mencionar uma coisa!... É um pormenor que talvez o assuste: é-me indiferente que os livros venham a ser publicados ou não. Quero expulsá-los de dentro de mim, mais nada. As ideias são universais: não as considero propriedade minha...
[Henry Miller, Nexus]
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E que pode um simples escritor criar que não tenha já sido criado? Nada. O escritor reordena a matéria cinzenta na sua pinha. (...) Alguns livros modificaram a face do mundo. Reordenamento, mais nada. Os problemas da vida permanecem. Pode-se fazer o levantamento da pele de uma cara, mas a idade da pessoa é indelével.
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Para nascer águia, uma pessoa tem de se habituar às alturas: para nascer escritor, tem de aprender a gostar de privações, sofrimentos e humilhações. Tem, sobretudo, de aprender a viver à parte.
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Ah, sim, esquecia-me de mencionar uma coisa!... É um pormenor que talvez o assuste: é-me indiferente que os livros venham a ser publicados ou não. Quero expulsá-los de dentro de mim, mais nada. As ideias são universais: não as considero propriedade minha...
[Henry Miller, Nexus]
9 Comments:
tem muito nexus o que ele diz
By jmnk, at 1:29 da manhã
:) :) no plural e tudo, gostei!
By T. M., at 10:13 da manhã
Cara Espelho, nao creio que esse viver 'a parte seja viver "completamente" de forma isolada, qual lobo da montanha, certamente nao "desde sempre". A forma que eu leio isso e' sobretudo uma forma (exacerbada) de individualismo, de reflexao individual, nmas nao em absoluto longe dos outros. Acho que e' mais estar numa dimansao diferente, olhar para a realidade com outros olhos, porque se esta fora dela, nao literalmente, mas no sentido de nao estar no meio da confusao. No fundo, de "nao andar por ai".
Quanto a escritores que se isolam no sentido que tu referes - de so olharem para o seu umbigo - isso e' uma fenomeno bastante diferente... Os grandes escritores, o Kafka, o Dostoievsky, o proprio Miller, o Pessoa, todos viveram num mudo 'a parte, num mundo seu. Mas conheciam muito mais da natureza humana que os que estao derretidos nela... para ver bem a realidade e' necessario subir ao cumo da montanha, mas nem todos tem pulmoes ou vocacao para essa caminhada...
PS: Obrigado pelo comment.
By T. M., at 2:16 da tarde
«...para ver bem a realidade e' necessario subir ao cumo da montanha, mas nem todos tem pulmoes ou vocacao para essa caminhada...»
Diz-se que o ponto mais alto da montanha é simultaneamente o mais belo e o mais solitário...(lembrei-me desta frase ao ler a tua..)
Acho que toda a manifestação artística resulta de momentos de reflexão e introspecção...Um escritor (ou pintor, ou músico, ou..) tem de ter qualquer coisa de «seu», de autêntico, verdadeiro para dizer...senão vai ser banal, vai ser apenas uma cópia de outro/s qualquer/quaisquer. Essa «verdade» só se encontra...procurando!, bem no fundo do que cada um de nós é. Daí ser necessária essa dose saudável de isolamento.
claro que «o que cada um de nós é» não está à margem do Mundo. Ele ajuda à nossa construcção e, consequentemente, está presente na nossa expressão.
By Anónimo, at 3:33 da tarde
Gabs, obrigado pelo teu comentario tambem, parece-me muito lucido. Lembra-me alias algo do Vergilio Ferreira que como vem a proposito, acho que publicarei aqui ou talvez no My Drishti. Provavelmente neste ultimo, diria...
By T. M., at 4:46 da tarde
Marta, essa distinção é interessante, mas tenho alguma dificuldade em aceitá-la plenamente... (embora não consiga propor nada alternativo assim imediato). Tenho dificuldade em caracterizar o Miller, mas é um escritor certamente provocador e auto-consciente, mas não um daqueles que causa rupturas gigantescas, parece-me.
Não conhecia essa frase de Vergílio Ferreira, embora a adivinhasse. O curioso é que eu tinha escrito algo semelhante há uns tempos, e acho que vou por outro post... espero que seja o ultimo por hoje! :)
By Tiago Mendes, at 6:54 da tarde
Marta, embora (acho que) perceba perfeitamente o que queres dizer com o "Escrever, é uma grande aventura que exige muita coragem, devoção e humildade." não concordo totalmente. Que é uma "aventura" sim, mas isso não é muito qualificativo, logo não é muito polémico (so, that´s fine).
Mas não acho que exija muita coragem. Acho que a escrita verdadeira jorra de dentro, e surge como inevitável. Nesse sentido, o escritor só tem que deixar que a mão seja esse veículo da escrita. Como eu li algures, e achei lindíssimo, é pôr o que somos "na ponta dos meus dedos". É quase como um imperativo moral escrever, para podermos "ser".
A devoção, que é um "facto", não me parece também muito adequada. POrque mais uma vez não há grande alternativa. Mas sim, compreendo que aqui queres dizer que quando se escreve isso absorve e exige dedicação total.
A humildade discordo mas também compreendo, na dimensão da humildade para nós próprios, de aceitarmos que ao escrevermos estamos também a conhecermo-nos e que como tal não devemos arrogarmos de não ter necessidade de escrever. Não: a escrita traz-nos algo de novo e nesse sentido tem que merecer todo o nosso respeito (isto vai de encontro à minha interrogação no post linkado sobre se a escrita é "autónoma" ou não).
Mas todos os verdadeiros escritores se estão a marimbar para os leitores, como diz o Miller. Aliás, porque só com essa postura é que a escrita é sincera e verdadeira. POr isso o escritor não tem que ser humilde para com os "outros", os leitores, mas apenas humilde no acto de escrever.
No acto de se "entregar" à escrita...
N
By T. M., at 7:21 da tarde
Marta, obrigado pelo further comment. Percebo melhor o que dizes e concordo com isso excepto que tenho algumas dúvidas quanto à «humildade» do escritor... eu interpreto as palavras de VF como tu o fizeste mas ele neste caso fala introspectivamente e esse falar é quase sempre dirigido a um outro desconhecido, que um dia nos aparece pela frente sem mais nem menos...
Outros escritores não creio que tenham essa necessidade tão premente ainda que ela lá esteja incutida bem no fundo... no fundo, só quero dizer que é possível haver um "verdadeiro escritor" que se está marimbando para todos os outros - o problema está que é provave´l que nunca tenha publicado nada e que nós não o conheçamos!!
Esse é o problema: so conhecemos aqueles que de algum modo se deram a conhecer.
Por exemplo, o Santa-Rita Pintor destruir tudo o que tinha escrito...
By T. M., at 9:42 da tarde
ele teve direito a destrui-las, não acho que eu tenha direito a dizer que ele "não teve amor suficiente para as partilhar". porque ele é soberano nessa escolha.
tal como o antero e o mario de sa carneiro se suicidaram, e não é da minha boca que vai sair que eles "não tiveram suficiente amor pela vida"...
By T. M., at 10:15 da tarde
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