aforismos e afins

28 outubro 2005

Sobre a coragem

Julgo que a Charlotte está redondamente enganada. Antes de mais, importa dizer que não ganhamos nada em não (conseguir) separar o conteúdo da forma de qualquer argumento.
Devemos apreciar o conteúdo em si mas também a forma envolvente. Na filosofia, a estética tem apenas um lugar acessório. Na arte, a ética não se deve intrometer.

Acontece que a coragem é algo que *antecede* qualquer destas duas considerações, porque só com ela é que um argumento ou uma obra de arte tem existência real - quando são partilhados no "espaço público". O que dá à coragem uma primazia sobre o conteúdo e a forma do que é partilhado. Mais, sendo a coragem um pré-requisito, ela tem que ser apreciada por si só. O resto deve ser analisado em separado. A apreciação global deve ter em conta tudo. Mas há que avaliar as coisas individualmente.
Os simplismos são sempre muito perigosos - e batoteiros.

E ter coragem para discordar nao é só louvável mas é-o tanto mais quanto maiores forem as barbaridades que se digam, dado o (incremento no) "custo social" que a (acrescida) rejeição acarreta. Sinto uma leve dor de estômago em defender tão rasgadamente o valor da coragem porque me vêm à memória os elogios que à sua conta alguns faziam ao diabrete do Santana Lopes. Mas tenho que aceitar esse efeito colateral e dizer o que penso. Por uma questão de integridade. Com quanta coragem tiver.

PS: Para apimentar a discussão, ainda tiro isto do baú.

10 Comments:

  • «Na arte, a etica nao se deve intrometer.»

    Muito discutível...
    Reparei na frase porque li recentemente um livro que foca (e me alertou para) esse aspecto -Constantin Stanislavski. Muito interessante...

    By Anonymous Anónimo, at 7:43 da tarde  

  • "There is no such thing as a moral or an immoral book. Books are well written, or badly written."

    Era isso que eu tinha em mente. Mas se quiseres "bater umas bolas", shoot it!

    By Blogger Tiago Mendes, at 7:51 da tarde  

  • Nao tenho tido tempo para assentar ideias...mas tenho posts aí na calha sobre este(s) assunto(s)...prefiro guardá-los na algibeira, e nao esgotar aqui todo o reportorio. =)

    Nevertheless, deixo aqui uma frase do dito senhor (actor) :
    «Só quando o actor está em casa, a portas fechadas, com o seu círculo de relações mais próximas é que ele pode descontrolar-se. Porque o seu papel não acaba de ser representado com o baixar do pano. Ele ainda tem a obrigação de carregar em sua vida diária o estandarte da qualidade. De outro modo poderá apenas destruir o que tenta construir. Lembrem-se disto desde o início do vosso período de serviço artístico e preparem-se para esta missão. Desenvolvam em vocês próprios a necessária capacidade de controle, a ética e a disciplina de um servidor público destinado a levar ao mundo uma mensagem, que é bela, elevada e nobre.»

    By Anonymous Anónimo, at 9:15 da tarde  

  • (Li agora o texto do link...e, sim, concordo contigo, arte não se avalia com ética...tb não é bem nesse sentido que Stanislasvki nos escreve...arte vive-se com ética, tal como a medicina, advocacia,economia, etc.
    De outra forma, não será Verdade...)

    Desculpa a fuga ao tema da coragem.
    (Tb polémico, diga-se...
    «...ter coragem para discordar nao e' so' louvavel mas e'-o tanto mais quanto maiores forem as barbaridades que se digam, dado o (incremento no) "custo social" que a (acrescida) rejeicao acarreta.» Coragem ou capricho, casmurrice,desafio?

    E, fugindo à questão da forma/conteúdo,
    Cometer suicídio: coragem ou cobardia?)

    By Anonymous Anónimo, at 9:28 da tarde  

  • Tiago Mendes, encontrei-o no Expresso, tem graça. Os comentários são seus, porque no 2046, no site, está escrita a sua morada de e-mail: tiago.mendes@economics.oxford.ac.uk.

    2046 15 de Janeiro de 2005 às 02:20

    Loira burra IV
    Realmente o paradoxo maior deste seu artigo cheio de brindes foi ter-me feito perder tanto tempo a comentar algo perfeitamente dispensável. Mas assim ficamos apresentados, não é? Bem haja e juizinho com as suas alunas ("girls", não "boys", não confunda).

    2046 15 de Janeiro de 2005 às 02:16

    Loira burra III
    Mas ela não pára:

    4- Fala da homenagem ao tsunami com uma descontracção - até gozo - que dispensam comentários. E ainda acrescenta um comentário ao facto de ter sido o "rapaz" a lembrar a dita homenagem, como quem "estes homens, não têm mesmo noção das prioridades! Nós a qui a curtir o som do Eminem, a tonificar o corpinho, e o marmanjo quer que a gente páre?" Imagino se a querida estivesse em Jerusalém quando as sirenes tocam para relembrar os mortos no Holocausto...

    5- Para rematar, fala dos erros gramaticais dos portugueses, e ainda cita o caso duma loira brasileira com um ar superior. Francamente!

    Mas por que é a querida não aparece só com fotos? Não vê que prejudica a sua "classe" assim?

    2046 15 de Janeiro de 2005 às 02:11

    Loira burra II
    2- Continua a sua peripécia linguística propondo a palavra "supergrande" (tudo junto) quando o que se esperava era, no mínímo "horrores-de-grande" ou "podre-de-grande" ou mesmo "supre-podre-de-muitíssimo-grande".

    3- Como se não bastasse, no mesmo parágrafo usa uma forma verbal incorrecta: "variamos" em vez de "variávamos" (o conjuntivo, querida, mas o tempo verbal, veja lá).

    2046 15 de Janeiro de 2005 às 02:09

    Ó querida...
    ...que você será uma bomba não ponho em causa, mas por que é que a temos que aturar? A menina não vê que é loira?

    Escreve aqui um chorrilho de disparates, mas alguns graves.

    1- Não sabe nada de inglês, nem percebe trocadilhos de nível básico. Então acha que "ohh boy" quer dizer "ai, miúdo"? Então e quando a menina diz "ai, meu Deus, isso, isso, aí", acha que está mesmo a invocar Deus? E que ele ainda por cima é seu? O efeito em português não resulta exactamente porque uma tradução mais apropriada "ui ui, toca-me, miúda, isso, toca-me no corpo todo" não tem piadinha por aí além.
    ___________

    Suponho que esteja satisfeito com a sua coragem.

    By Blogger Charlotte, at 9:47 da tarde  

  • Carla,

    Tudo o que escrevo leva a minha assinatura. É uma questão de "atitude", e não de "satisfação". O "2046" era apenas uma homenagem a esse grande filme, na sequência duma discussão noutro blog. Mas o contacto existe sempre e é verdadeiro (como constatou).

    Lembro-me perfeitamente dessa sua crónica, porque foi a primeira vez que li a Carla. Na altura desconhecia-a e ao seu blog. Os meus comentários - dado que a desconhecia - foram tudo menos "pessoais": apenas aproveitaram o "contexto" em que se inseriam as palavras escritas:
    1) fórum do Expresso online;
    2) crónica com um nome apetecível - "Bomba Inteligente";
    3) foto muito gira (muito "bomba");
    4) crónica com argumentos duvidosos (pouco "inteligente");
    5) crónica que versa "feministicamente" sobre histórias de ginásios - nada de mal, claro;
    6) 2h da manhã.

    Um cocktail mais irresistível que este para uma pequena sátira parece-me difícil de imaginar. Relidos os comentários, não me é difícil assumir alguma falta de humor, excesso do verbo, e (aparente) misoginia. Nada de pessoal - tudo brincadeira no fórum do Expresso.

    Peço desculpas se ficou ofendida. Sempre achei que certos comentários pelo que têm de excesso óbvio, não podem ser levados à letra, mas sim vistos no seu todo. Eu achei a crónica "banal", achei a cronista "gira", e isso misturado com um "Bomba Inteligente" foi demasiado incentivador para me conter. De resto, os comentário inserem-se todos no mesmo "tom", pelo que basta ler um para ler todos.

    De resto, posso-lhe asseverar que sou (com gosto) leitor assíduo das suas crónicas do Expresso e intermitentemente do seu blog. No seu caso, lembrei-me como pode ser exagerada aquela ideia de que "não há segundas oportunidades para uma primeira impressão". Enganei-me. Mas o que está escrito está escrito. Não retiro o que disse. Apenas o interpreto à luz do contexto em que tal escrevi, e asseguro à Carla que má intenção não havia. Excesso vituperino, nada mais.

    PS1: O link da crónica: http://semanal.expresso.clix.pt/unica/opiniao.asp?edition=1681&articleid=ES160942&withcomments=true#comentarios

    PS2: Um "flavour" da dita crónica:

    "Na minha aula de ginástica só há raparigas e nenhuma anda pelo ginásio nua. Agora é tudo diferente. Mas quando um rapaz chega a uma aula cheia de miúdas preocupadíssimas com os seus corpos, a coisa muda de figura: as mulheres riem-se dele, sem pudor. O rapaz lá vai, pobre, todo torto, sem acertar uma vez com a música e não desiste. A tenacidade do homem, no entanto, não comove as mulheres entretidas com os seus umbigos furados.

    (...)

    Ainda não é tarde para eleger o melhor verso de «hip-hop» de 2004. E é ele, tchan nan: «ooh boy, just touch my body, I mean girl, just touch my body», do tema «Just Lose It», do astuto Eminem. Traduzido será qualquer coisa como «miúdo, toca-me, ai não, não, espera, o que quero dizer é rapariga, toca-me».

    Aquele «I mean girl» leva-me à seguinte interpretação do verso: «Embora só goste de ter rapazinhos na cama aos saltos, sempre me desculpam se disser que gosto de miudinhas». Como se houvesse dois tipos de pedofilia: uma proibida com rapazes e outra autorizada com meninas. E se isto chegou ao «hip-hop» então é porque está odiosamente na moda."

    By Blogger Tiago Mendes, at 10:57 da tarde  

  • A crónica toda, para quem não tiver acesso ao Expresso ONLINE:

    ..........

    A AULA DE GINÁSTICA

    Alterar tamanho

    Muitos acreditam que a ginástica serve para desanuviar a cabeça, outros crêem que nada melhor do que umas horas de aeróbica insana para suar literalmente couro e cabelo e assim emagrecer, outros ainda encaram a ida ao ginásio como um acontecimento social. E depois há a gente séria. Falo dos puristas que sempre que vêem a palavra ginásio lembram, com algum saudosismo, os bons velhos tempos da Grécia Antiga, em que indivíduos todos nus exercitavam corpo e mente no mesmo espaço.

    Do grego gymnásion podemos dizer uma coisa: há ali gente nua e não é assim tão pouca como isso. Gymnós quer precisamente dizer «nuzinho da silva». Os rapazes eram, a partir de tenra idade, iniciados na ginástica e na música. Longe dos olhares femininos causadores de distracções, os jovens treinavam o corpo sem nunca esquecerem a mente e aprendiam muitas coisas sobre a higiene e a dieta. A defesa de Platão de uma «ginástica simples» que rejeitasse grandes variações na alimentação e sonos prolongados, faz-me pensar que, já naquela altura, passar a vida no ginásio só podia dar mau resultado.

    Importante era compreender os exercícios. Por exemplo, esticar as pernas sentado não é para todos. Para conseguir um ângulo perfeito de 90º temos de encolher a barriga, esticar o peito, endireitar bem as costas, rodando a bacia para a frente e puxando as omoplatas para trás, esticar as pernas até que a parte de trás dos joelhos toque no chão, esticar os pés (e de preferência levantar os calcanhares do solo) e, finalmente (já estou um bocadinho ofegante), puxar o cocuruto da cabeça para o tecto e baixar os ombros para esticar definitivamente o pescoço e toda a coluna. E assim temos o corpo todo exercitado numa só posição. Experimente fazer isto sem pensar. Lá está.

    Na minha aula de ginástica só há raparigas e nenhuma anda pelo ginásio nua. Agora é tudo diferente. Mas quando um rapaz chega a uma aula cheia de miúdas preocupadíssimas com os seus corpos, a coisa muda de figura: as mulheres riem-se dele, sem pudor. O rapaz lá vai, pobre, todo torto, sem acertar uma vez com a música e não desiste. A tenacidade do homem, no entanto, não comove as mulheres entretidas com os seus umbigos furados.

    Naquele dia em que o mundo parou e fez três minutos de silêncio em homenagem às vítimas do maremoto, com toda a gente viradita para a frente às portas das repartições públicas, lá estava eu aos saltos na aula de ginástica. Às onze, olhei para o relógio de parede. O rapaz também. Lembrei-me do tsunami. Ele parou e disse: «São onze horas!» Ninguém lhe ligou nenhuma. Continuei aos pulos mas ao menos estive sempre calada.

    Sólidos
    Ainda não é tarde para eleger o melhor verso de «hip-hop» de 2004. E é ele, tchan nan: «ooh boy, just touch my body, I mean girl, just touch my body», do tema «Just Lose It», do astuto Eminem. Traduzido será qualquer coisa como «miúdo, toca-me, ai não, não, espera, o que quero dizer é rapariga, toca-me». Aquele

    «I mean girl» leva-me à seguinte interpretação do verso: «Embora só goste de ter rapazinhos na cama aos saltos, sempre me desculpam se disser que gosto de miudinhas». Como se houvesse dois tipos de pedofilia: uma proibida com rapazes e outra autorizada com meninas. E se isto chegou ao «hip-hop» então é porque está odiosamente na moda.

    Líquidos
    Ora, líquidos, água, água, maremoto. E assim voltamos ao tsunami, como todos dizem agora. E porque não? Se tsunami e maremoto querem dizer, basicamente, «onda muito, muitíssimo, mesmo supergrande, que se forma depois de a terra tremer também bastante porque para provocar uma vaga daquelas tinha de ser», por que não utilizar ambas as palavras sem critério? Sempre variamos. A resistência a novos vocábulos parece ser uma coisa portuguesa. Quase tanto como a permissividade aos erros de sintaxe ou a falta de jeito para conduzir.

    Gasosos
    Típico é do português indignar-se mas depressa perdoar. Toda a gente brama contra os erros gramaticais, mas o facto de se repetirem, desavergonhados, significa que há muita gente a compreendê-los, o que é mais de meio caminho andado para o perdão total. O facto de o duvidoso plural «pais Natal» ser mais utilizado do que o de longe preferível «pais natais» só pode querer dizer que ninguém percebe o segundo. Será pela mesma razão que Malu Mader disse «o Natal que eu gosto» e não «o Natal de que eu gosto»? A rapariga é gira e brasileira e aquilo, afinal, se se diz nas novelas e está escrito em cartazes publicitários, é porque deve estar certo.

    By Blogger Tiago Mendes, at 10:59 da tarde  

  • Tiago:

    1. "duas da manhã" não é uma hora; é uma desculpa. Para si, claro;

    2. "não retiro o que disse. Apenas o interpreto à luz do contexto em que tal escrevi, e asseguro à Carla que má intenção não havia. Excesso vituperino, nada mais." Acha que o excesso vituperino é uma questão menor? E se eu lhe disser agora: "o Tiago Mendes é uma besta"? Pronto. Estou desculpada. São onze e meia da noite e trata-se apenas de um excesso "vituperino".

    Temos duas hipóteses: ou o Tiago é muito burro ou é muito novo.

    By Blogger Charlotte, at 11:37 da tarde  

  • 1. "Acha que o excesso vituperino é uma questão menor?"

    Não, não acho. Acho é que tem significados diferentes dependendo do contexto, e de se ter a *intenção* de "pessoalizar" o comentário ou não. O que, volto a repetir, não foi o caso.

    2. "E se eu lhe disser agora: "o Tiago Mendes é uma besta"?"

    Já disse. Talvez substituísse o "é" por o "fui". Estados de alma não são permanentes.

    3. "Pronto. Estou desculpada."

    Está, de facto, Carla. Aliás, eu já tinha apresentado as minhas desculpas, enquadradas no contexto que lhe dei e da não intenção que tive de a ofender.

    4. "São onze e meia da noite e trata-se apenas de um excesso "vituperino"."

    São já 11h50, e o comentário é apenas agradavelmente vituperino, nada de excessivo. Apenas contextualmente diferente, porque subsequente aos esclarecimentos (?) que eu pretendi dar. Nem com "atenuante", nem "agravante" - apenas diferente.

    5. "Temos duas hipóteses: ou o Tiago é muito burro ou é muito novo."

    Tenho 27 anos, não é segredo. Quanto ao resto, dispenso comentários em público. E, embora me parece que tenhamos concordado que eu "fui" uma besta, estritamente falando ser "besta" não é coincidente com ser "burro", portanto pode haver ainda pontos a esclarecer. [Privately, if you may].

    By Blogger Tiago Mendes, at 11:51 da tarde  

  • Adenda: como a Carla sabe mehor do que eu, há uma figura de estilo que consiste em pegar em alguém em particular, caricaturá-la, e usar descrições que se adaptam ao "boneco pretendido".

    Isto é, de partir do indivíduo para o que ele momentaneamente representa. Seja um futebolista, ou um socialista, ou um skater, tentar pegar no que os caracteriza e falar "impessoalmente" sobre o "tipo" representado.

    No caso que aqui se trata, o boneco foi o da "loura burra". O que é óbvio que a Carla não é. O que aconteceu foi apenas uma brincadeira (com excessos) à volta deste "boneco", e não - REPITO - à volta de SI, Carla Hilário Quevedo.

    A Carla e a sua crónica foram apenas um pretexto apetecível. Sem qualquer intenção "personalizada". Claro que tem todo o direito a (mesmo assim) ficar ofendida, mas queria deixar esse ponto tão claro quanto possível.

    Mais que isto, e que novamente pedir desculpa pelo desconforto causado - ainda que quanto a mim mal (ou excessivamente) interpretado - está para além de mim.

    By Blogger Tiago Mendes, at 11:58 da tarde  

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