Brincando com o infinito (2)
Eu e o LA-C temos tido uma discussão interessante e bem acesa. Uma das questões que nos tem dividido é a probabilidade de um mundo durar para sempre. Eu prefiro pensar num mundo que "nunca acaba", mais do que um mundo que "dura para sempre", porque julgo que este "para sempre" pode sugerir uma intuição errada sobre o conceito de infinito - que é teórico e não um "número", algo de "concreto", mas sim uma abstracção teórica.
.
Imaginemos que em cada período a vida pode acabar com 1% de probabilidade, e que esta probabilidade é constante e independente em todos os períodos. Assim, a probabilidade de o mundo existir no período t é (0.99)^t. O que acontece se tomarmos o limite desta expressão à medida que t tende para infinito? A expressão aproxima-se de zero. A diferença que me separa do LA-C é que ele diz que «A probabilidade de o mundo durar para sempre é zero», enquanto eu prefiro esta formulação: «A probabilidade do mundo nunca acabar é - no limite - zero».
.
A diferença está no conceito de limite e na sua interpretação, quanto a mim incorrecta da parte do LA-C. Em termos simplificados, claro que podemos dizer que a probabilidade do mundo durar para sempre é zero. Percebe-se o que queremos dizer. Mas a verdade é que a probabilidade só é zero no limite. Daí que me pareça algo perigoso omitir os termos "no limite" ou, alternativamente, "tende" ou "converge". Uma reformulação seria: «A probabilidade do mundo nunca acabar tende/converge para zero à medida que t se aproxima de infinito».
.
Julgo que podemos demonstrar isto por contradição da seguinte forma. Imaginemos que a probabilidade de o mundo nunca acabar é zero, como diz o LA-C (isto é, omitindo considerações sobre o conceito de limite). Então, a probabilidade do acontecimento complementar - acabar em algum período - é 1. Mas isto contradiz a a ideia de em cada período existir uma probabilidade de 1% de a vida continuar no périodo seguinte. Logo, é errada a afirmação «A probabilidade de o mundo durar para sempre é zero».
.
E é errada, a meu ver, não na "ideia geral" que transmite - que é grosso modo correcta - mas na forma como o faz, que me parece falaciosa devido à omissão do conceito de limite e consequente desvirtuamento da questão que envolve o infinito. Tentarei explicar isto melhor em futuros posts. Agradeço aos leitores com tendências matemáticas que se atirem descontroladamente para esta discussão, para termos mais opiniões a considerar, já que nem eu nem (julgo eu) o LA-C temos certezas sobre isto.
5 Comments:
Olha, já tinha deixado este comentário no outro post, pelo que o torno a colocar aqui. Devo no entanto salientar que para se perceber o que eu digo do 0.(9)=1 é necessário ir ver a entrada anterior. Aí vai então.
Prometo que esta é a minha última tentativa. :)
“4. Ora, se a probabilidade de o mundo nunca acabar fosse zero, a probabilidade de ele acabar em algum periodo seria 1. Mas isto contradiz a hipótese de que EM CADA período ele possa continuar.”
Não contradiz nada, porque tu não está a calcular a probabilidade de o mundo acabar num período em concreto mas sim em qualquer um que vai até ao infinito.
A probabilidade de o mundo acabar em algum período é igual à probablidade de o mundo acabar no período 1 mais a probabilidade de acabar no período 2 mais a probabilidade de acabar no 3 e por aí fora, ou seja:
0.01+0.01*0.99+0.01*0.99^2+0.01*0.99^3+0.01*0.99^4+...
=
0.01(1+0.99+0.99^2+0.99^3+0.99^4+...)
=
0.01*1/(1-0.99)=1
Como podes ver, mais uma vez, esta demonstração torna a ser igual à demonstração de 0.(9)=1. É engraçado porque realmente nem me tinha apercebido que isto se pode demonstrar de tantas maneiras diferentes e que em quase todas elas encontrei sempre um demonstração análoga.
By Luís Aguiar-Conraria, at 11:33 da manhã
Bolas, para o sleirtores que não leram os comentários ao post anterior estes números caem do céu.
0.99 era a probabilidade de o mundo não acabar num deternminado período (pelo que 0.01 é a probabilidade de acabar nesse período). Nós assumimos, para simplificar, que a probabilidade de acabar em cada período era sempre a mesma, em vez de assumirmos que à medida que o mundo envelhece a probabilidade de acabar aumenta.
By Luís Aguiar-Conraria, at 11:39 da manhã
"Como podes ver, mais uma vez, esta demonstração torna a ser igual à demonstração de 0.(9)=1. É engraçado porque realmente nem me tinha apercebido que isto se pode demonstrar de tantas maneiras diferentes e que em quase todas elas encontrei sempre um demonstração análoga"
Sem dúvida :)
Repara que voltamos sempre ao mesmo (acho que isto é um pedido de tréguas mútuo): eu concordo com o que tu escreveste. Eu também acho que a probabilidade de a vida acabar em ALGUM período é a soma dessas probabilidades, só que elas envolvem um limite. Logo, eu diria que a probabilidade é 1, sim, mas NO LIMITE.
Acho sinceramente difícil não admitir que possa haver alguma contradião com a hipótese base de que em QUALQUER período a vida pode continuar. Isto é a BASE. É a ontologia do problema.
QUanto tiramos o limite no infinito, o resultado pode ser alterado se nos esquecermos que tratamos de limites e infinito. Para mim o ponto é que em cada périodo a vida pode continuar, logo, POR DEFINIÇÃO do problema, a probabilidade de o mundo acabar em algum périodo NÃO É 1, MAS SIM - TENDE PARA 1.
Voltamos sempre ao mesmo... será que ninguém quer dar um outra opinião aí no fórum?
By Tiago Mendes, at 11:52 da manhã
Vou mandar um e-mail à homoclinica, mas ela não é da área de probabilidades...
Mas tens razão. Neste momento a nossa divergência é sobre o conceito de limite, e também não será provável que seja um matemático a fazer-nos mudar de opinião sobre esse conceita (que diria ser quase meta-matemático).
By Luís Aguiar-Conraria, at 12:17 da tarde
"Vou mandar um e-mail à homoclinica, mas ela não é da área de probabilidades..."
O ideal era mesmo alguém familiar com Set Theory e as ideias de Cantor. Os conceitos de infinito, limite, e continuidade são o que estão em causa, quanto a mim. As probabilidades são apenas uma aplicação que nós escolhemos.
"Neste momento a nossa divergência é sobre o conceito de limite, e também não será provável que seja um matemático a fazer-nos mudar de opinião sobre esse conceita (que diria ser quase meta-matemático)."
Pelo menos concordamos nalgumas coisas! Que a divergência é no conceito de limite, e que isso é - como eu já tinha referido - um problema da "meta-matemática".
Quanto a opiniões exteriores, diria que quanto mais melhor, e que se todas ou muitas apontarem numa certa direcção, com explicações aceitáveis, a mudança de opinião será quase inevitável. Só 1 acho difícil, mas se forem muitos... the more the merrier ;)
By Tiago Mendes, at 12:23 da tarde
Enviar um comentário
<< Home