aforismos e afins

28 janeiro 2005

Pessoalismos 21 [escritos autobiográficos 5]

"Sou a sombra de mim mesmo, à procura daquilo de que é sombra.

Paro às vezes à beira de mim próprio e pergunto-me se sou um doido ou um mistério muito misterioso." [Fernando Pessoa]

27 janeiro 2005

Pessoalismos 20 [escritos autobiográficos 4]

"Toda a minha vida tem sido de passividade e sonho. Todo o meu carácter consiste na aversão, no horror, na incapacidade, que impregnam tudo o que sou, física e mentalmente, de actos decisivos, de pensamentos definidos. Nunca tomei uma resolução nascida do autodomínio, nunca dei sinais exteriores de uma vontade consciente. Nenhum dos meus escritos foi concluído; sempre se interpuseram novos pensamentos, associações de ideias extraordinárias, impossíveis de excluir, com o infinito como limite. Não consigo evitar a aversão que tem o meu pensamento pelo acto de acabar seja o que for. Uma única coisa suscita dez mil pensamentos, e desses dez mil pensamentos surgem dez mil inter-associações, e não tenho força de vontade para os eliminar ou deter, nem para os reunir num só pensamento central, onde os seus detalhes sem importância, mas a eles associados, possam perder-se. Passam dentro de mim; não são pensamentos meus, mas pensamentos que passam dentro de mim. Não reflicto, sonho; não estou inspirado, deliro." [Alexander Search]

18 janeiro 2005

Pessoalismos 19 [Diário 2]

"Na minha família não há compreensão do meu estado mental - não, nenhuma. Riem-se de mim, zombam de mim, não me acreditam; dizem que desejo ser alguém extraordinário. Nada fazem para analisar o desejo de ser extraordinário. Não podem compreender que entre ser-se e desejar-se ser extraordinário apenas há a diferença de se acrescentar consciência a esse desejo. (...)

Não tenho ninguém em quem confiar. A minha família não entende nada. Aos meus amigos não posso incomodar com estas coisas. Não tenho amigos verdadeiramente íntimos, e mesmo que houvesse um amigo íntimo, como o mundo o entende, ainda assim não seria íntimo no sentido em que eu entendo a intimidade. Sou tímido e não gosto de dar a conhecer as minhas angústias. Um amigo íntimo é um dos meus ideais, um dos meus sonhos, mas um amigo íntimo é algo que nunca terei. Nenhum temperamento se adapta ao meu; não há carácter neste mundo que dê o mais leve indício de se aproximar do que eu sonho num amigo íntimo. Basta, não falemos mais nisso." [Alexander Search]

Pessoalismos 18 [escritos autobiográficos 3]

"Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: Navegar é preciso; viver não é preciso. Serve para mim o espírito dessa frase, transformada a forma para se casar com o que sou. Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a [ ] a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho na essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade." [Fernando Pessoa]

Pessoalismos 17 [escritos autobiográficos 2]

"Embora tenha sido um leitor voraz e ardente, não me recordo de nenhum livro que tenha lido, a tal ponto eram as minhas leituras estados do meu próprio espírito, sonhos meus, ou antes, provocações de sonhos." [Fernando Pessoa]

Pessoalismos 16 [escritos autobiográficos 1]

"O meu carácter é tal que eu detesto o princípio e o fim das coisas, pois são pontos definidos. A ideia de se encontrar uma solução para os mais elevados, mais nobres, problemas da ciência, da filosofia, aflige-me; a ideia de que algo possa ser determinado sobre Deus ou sobre o mundo horroriza-me. Que as coisas mais importantes se realizem, que todos os homens venham um dia a ser felizes, que se descubra uma solução para os males da sociedade, só imaginá-lo enlouquece-me. Contudo, não sou mau nem cruel; sou louco, e isso de um modo difícil de conceber." [Fernando Pessoa]

Pessoalismos 15 [Diário 1 - Parte 3]

[30 de Outubro de 1908]

"Toda a minha vida tem sido de passividade e sonho. Todo o meu carácter consiste na aversão, no horror, na incapacidade, que impregnam tudo o que sou, física e mentalmente, de actos decisivos, de pensamentos definidos. Nunca tomei uma resolução nascida do autodomínio, nunca dei sinais exteriores de uma vontade consciente. Nenhum dos meus escritos foi concluído; sempre se interposeram novos pensamentos, associações de ideias extraordinárias, impossíveis de excluir, com o infinito como limite. Não consigo evitar a aversão que tem o meu pensamento pelo acto de acabar seja o que for. Uma única coisa suscita dez mil pensamentos, e desses dez mil pensamentos surgem dez mil inter-associações, e não tenho força de vontade para os eliminar ou deter, nem para os reunir num só pensamento central, onde os seus detalhes sem importância, mas a eles associados, possam perder-se. Passam dentro de mim; não são pensamentos meus, mas pensamentos que passam dentro de mim. Não reflicto, sonho; não estou inspirado, deliro." [Alexander Search]

Pessoalismos 14 [Diário I - Parte 2]

[30 de Outubro de 1908]

"ENFUREÇO-ME. Queria compreender tudo, saber tudo, realizar tudo, dizer tudo, gozar tudo, sofrer tudo, sim, sofrer tudo. Mas nada disso faço, nada, nada. Fico acabrunhado pela ideia daquilo que queria ter, poder, sentir. A minha vida é um sonho imenso. Penso, às vezes, que gostaria de cometer todos os crimes, todos os vícios, todas as acções belas, nobres, grandiosas, beber o belo, o verdadeiro, o bem de um só trago e adormecer em seguida para sempre no seio tranquilo do Nada.
Deixem-me chorar." [Alexander Search]

Pessoalismos 13 [Diário I - Parte I]

30 de Outubro de 1908

"Jamais existiu alma mais afectuosa ou terna que a minha (...). Porém, nenhuma alma é tão solitária como a minha - solitária, note-se, não devido a circunstâncias exteriores, mas sim a circunstâncias interiores. Quero dizer: a par da minha grande ternura e bondade, entra no meu carácter um elemento de natureza inteiramente oposta, um elemento de tristeza, de egocentrismo, de egoísmo, portanto, que tem um duplo efeito: perverter e estorvar o desenvolvimento e a plena acção interna dessas outras qualidades, e impedir, deprimindo a vontade, a sua plena acção externa, a sua manifestação. Um [dia] hei-de analisar isto, um dia hei-de exactamente melhor, discriminar, os elementos constituintes do meu carácter, pois a minha curiosidade por todas as coisas, aliada à minha curiosidade por mim próprio e pelo meu carácter, leva a uma tentativa para compreender a minha personalidade." [Alexander Search]

14 janeiro 2005

As categorias humanas

O homem na sua essência pode ser dividido em 5 tipos:

A- Génio
B- Superior
C- Inteligente
D- Mediano
E- Medíocre

À primeira vista, a categorização proposta parece ser exclusivamente derivada da inteligência humana, o que é verdade, mas não toda a verdade. Uma forma subtil e muito útil de abordar esta questão [embora não totalmente imune a um paradoxo] baseia-se na categorização ela própria e na "consciência" que cada um dos tipos propostos tem acerca dela. Passo a explicar.

A- Os "génios" são pessoas absolutamente raras, capazes de mudar o mundo. São de tal maneira diferentes dos outros que vivem num mundo à parte, não se apercebendo muitas vezes das pequenas coisas que se passam à sua volta. Cientistas, filósofos, matemáticos, músicos, artistas são fontes comuns de tais "espécimes". Einstein, Kant, Nash, Beethoven, Dali. O carácter de genialidade não raro está associado a um estado de "loucura" - se é que tal não é mesmo uma condição necessária para tal. Por isto, os génios verdadeiros em geral identificam-se - instintivamente - uns aos outros, mas não distinguem os outros: B, C, D ou E. Melhor: eles "poderiam", se quisessem, fazê-lo. Mas a sua vivência é de tal forma uma abstracção da realidade (quotidiana) que os rodeia que não estão minimamente preocupados com os "outros", e nesse sentido esses "outros" acabam por parecer iguais. Haverá 1 em cada milhão - se tanto.

B- O "homem superior" caracteriza-se sobretudo por um estado de consciência sobre si que é inultrapassável. Poderia ser ultrapassado apenas pelos "génios" mas, como dissemos, estes em geral têm a eles associados um estado tal de alienação do mundo real que perdem muitas vezes tal consciência. O homem superior sabe - com pena - que não é um génio. Reconhece um génio em pouco tempo. Admira-o, comunga das suas preocupações, embora o faça a um nível - que ele reconhece - inferior. [Na carta de recomendação de John Nash para Princeton vinha escrito apenas "This man is a genius"]. É capaz de distinguir, também, um homem inteligente. Vê-o como pessoa capaz, embora inferior. Em geral fá-lo com alguma complacência, em parte por (como veremos adiante) o homem inteligente ter a ele associado uma certa vaidade que provoca um riso (interior) enorme ao homem que lhe é superior [e que, por definição nossa, o percebe].

É-lhe normal um certo desdém pelo mundo exterior, ao mesmo tempo que nutre um verdadeiro interesse por ele; preocupam-no as grandes questões do mundo, da metafísica, da ciência, os limites do bem e do mal, o conhecimento da natureza humana e do que o homem é capaz de fazer - no mundo físico e no mundo moral. Mas vê nos outros um certo obstáculo não só a essa análise, como por vezes a um mundo também ele "superior" - no seu ponto de vista, claro. Nesta categoria encontram-se especialmente escritores, poetas, filósofos. Dostoievsky, Pessoa, Nietzsche. Outra característica que distingue B é ter uma inabalável honestidade intelectual. Contudo, não raro é movido por algum sentimento de vaidade que poderá obscurecer tal postura, sobretudo devido - e eles compreende isso melhor que ninguém [se não mesmo unicamente] - à incompreensão dos que o rodeiam.

Neste sentido, também o homem superior vive num mundo à parte. Contudo, esta vivência é muito mais dura do que para o "génio": i) por ser consciente, enquanto a do génio é insconciente; e ii) por não ser reconhecido como tal - os génios não se preocupam com tal distinções, e os inferiores não têm capacidade de os identificar e compreender. Por isso, vivem em geral num estado profundo de solidão interior. Haverá 1 em cada 10.000, grosso modo.

C- "Homens inteligentes" serão cerca de 20% da população. Percebem que são i) superiores a D e E e ii) inferiores a A. Não distinguem em geral entre D e E e, embora reconheçam A têm dificuldade em lidar com B, por se acharem na mesma categoria que estes últimos. São - está visto - vaidosos q.b. ainda que no interior por vezes admitam que não valem tanto quanto (por vezes) pensam - mas isto será mais uma luta entre super-ego e infra-ego (simplificando, claro). São pessoas em geral de bem com a vida, bem sucedidas, que não se preocupam com "grandes questões", vivem o seu dia-a-dia. Empresários e líderes em geral, na política, na sociedade, na academia, são casos comuns. Também abundam escritores (que não raro se julgam melhores do que realmente são).

D / E - Numa distinção um pouco arbitrária, esta massa de 80% da população poder-se-á melhor dividir tendo em conta as suas diferenças qualitativas. Os "medíocres" são pessoas que não conseguem distinguir nada acima deles. De certa forma vivem também num mundo à parte, tal como os génios. Em geral têm amizades e círculos de pessoas do mesmo nível, o que faz prolongar (estavelmente) o ciclo de que nunca sairão.

Os "medianos" são pessoas que percebem ser superiores a E e inferiores a A, B e C, mas sem ter capacidade para distinguir entre estes últimos. Uma distinção importante neste grupo faz-se entre os "invejosos" e os "acomodados". O primeiro grupo reinvindica por vezes ser do tipo C (embora reconhecendo que não o é, mas querendo aparentar), enquanto o segundo assume a sua mediania. Claro que esta distinção varia de cultura para cultura. No país à beira mar plantado todos sabem o que vale a inveja - palavras para quê.

É assim a vida. Desigual, mas nem por isso menos bela.