aforismos e afins

30 novembro 2005

70 anos



Passaram desde a morte de Fernando Pessoa. Veja-se o que dizem o Expresso, o DN1 e DN2. Fotos e retratos aqui. Dos escritos autobiográficos, destaco um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze. E ainda um décimo-terceiro:

«Sucede que tenho precisamente aquelas qualidades que são negativas para fins de influir, de qualquer modo que seja, na generalidade de um ambiente social. Sou, em primeiro lugar, um raciocinador, e, o que é pior, um raciocinador minucioso e analítico. Ora o público não é capaz de seguir um raciocínio, e o público não é capaz de prestar atenção a uma análise. Sou, em segundo lugar, um analisador que busca, quanto em si cabe, descobrir a verdade. Ora o público não quer ver a verdade, mas a mentira que mais lhe agrade. Acresce que a verdade - em tudo, e mormente em coisas sociais - é sempre complexa. Ora o público não compreende ideias complexas. É preciso dar-lhe só ideias simples, generalidades vagas, isto é, mentiras, ainda que partindo de verdades; pois dar como simples o que é complexo, dar sem distinção o que cumpre distinguir, ser geral onde importa particularizar, para definir, e ser vago em matéria onde o que vale é a precisão - tudo isto importa em mentir. Sou, em terceiro lugar, e por isso mesmo que busco a verdade, tão imparcial quanto em mim cabe ser. Ora o público, movido intimamente por sentimentos e não por ideias, é organicamente parcial.»

"Instrução" da ICAR sobre a homossexualidade

O melhor mesmo é ler a peça toda do JN. (via Notas Várias)
Ver o documento original aqui, como indica o Bruno Gonçalves.

Cruzes e falácias

Por manifesta distração, ainda não tinha sugerido os excelentes posts de CAA e os dois posts de Bernardo Sousa de Macedo.

O poder das sondagens (II)

O incentivo ao uso estratégico, quiçá abusivo, das sondagens, é o tema (bem quente) da minha crónica de hoje no Diário Económico, como sempre também disponível no caderno de aponTaMentos.

Re: Silogismo para multiculturalistas

Caro Henrique, julgo que no teu argumento há duas coisas a apontar. Uma é que falta a premissa «Todos os multiculturalistas apoiam as minorias». Coisa menor, dado que ela é facilmente dedutível. O problema está em sugerires (2) como sequência lógica de (1), o que manifestamente não é (sempre) verdade. O facto de haver menos pessoas num grupo A, não significa que esse grupo seja uma minoria. Estás a confundir fluxo com stock. Só a partir de certo nível é que se poderá falar de minoria, pelo que não basta observar uma tendência decrescente para tal concluir.

Assim, o silogismo que julgo pretendias fazer,

Premissa 1: Os multiculturalistas defendem todas as minorias
(Premissa 2': Os crentes católicos decrescem em número)
Premissa 2: Os crentes católicos são uma minoria
Conclusão: Os multiculturalistas defendem os crentes católicos,

não é verdadeiro, porque a passagem que existe da premissa 2' para a premissa 2 não é formalmente válida, e isso faz com que a premissa 2 não seja necessariamente verdadeira. Como a tua afirmação pretende ser universal, isto implica que a conclusão, embora válida, não possa ser considerada verdadeira, e isto é independente das noções de «minoria» e «multiculturalista», para além de pressupor (a teu favor) que a premissa 1 é verdadeira.

Isto não tem nada que ver com as presidenciais (10)

«Nada tenho por seguro, a não ser as coisas incertas.» [Villon]

A propósito de cruzes

Seria bom - a bem da diversidade e do mérito - ver as cruzes ditas 'normais' a conviver em tolerância com as ditas 'invertidas'.

Debate em curso (a não perder)

Depois do excelente post do RAF (1), da resposta do João (2), e da contra-resposta de RAF (3), há novo seguimento do João (4). A bola está do lado do RAF. Enquanto eles vão jogando, animados, cheios de fair-play, e sem precisar de árbitro, o público agradece.

Sobre Manuel de Brito

Sugiro este texto-testemunho no Incredulamente Descrente.

a Morte

«Ninguém o confessa senão a si próprio. O nosso sonho é não morrer. Quando a gente se esquece um bocado a vida tem já passado. E quando a vida tem já passado é que nos agarramos com mais saudades à vida. E como a morte é inevitável, como tenho por força de me resignar, como não lhe posso fugir, para não se perder tudo, criei outra vida. E afinal quem sabe se este sonho que a humanidade traz consigo desde que pôs o pé no mundo não é o maior de todos os sonhos e o único problema fundamental? (...) A questão suprema é esta e só esta: Deus existe ou Deus não existe. Se não há Deus, a vida, produto do acaso, é uma mistificação. Aproveitemo-la para satisfazer instintos e paixões.»

Raúl Brandão, «Húmus»

29 novembro 2005

Manuel de Brito

«O» galerista de arte português, que difundiu, entre outros artistas, Paula Rego, Graça Morais, António Palolo e Álvaro Lapa, morreu hoje, em Lisboa, aos 77 anos. [via Expresso]

Cruzes (2)

No Blasfémias, escreve José Pedro Lopes Nunes:

«Os símbolos religiosos são funcionalmente semelhantes, segundo esta visão, a símbolos discriminatórios de outra natureza, tais como os símbolos políticos ou desportivos. A discriminação associada ao uso de símbolos tanto pode ser favorável como desfavorável, e pode interferir com a liberdade dos outros, com a igualdade de direitos e com a igualdade de oportunidades. (...)
A sociedade deverá, ainda na mesma linha de pensamento, dar passos no sentido de se libertar de símbolos discriminatórios em locais públicos, mesmo que admitamos que, muitas vezes, eles são colocados por genuína simpatia e compaixão.»

N'O Acidental, refere-se (com bastante humor, há que dizê-lo) medidas que se seguiriam, numa espécie de efeito bola de neve, à retirada dos crucifixos da escolas públicas, a proposta da Associação República e Laicidade de retirar o Cristo-Rei e a proposta de Sócrates de acabar com os feriados religiosos.

Paulo Pinto Mascarenhas volta a falar da tal associação republicana neste post, depois de ter (de forma falaciosa) apelado às consequências que tal medida teria, fazendo uma analogia (?) com o que se terá passado em França.

Formalmente, reagir a uma medida concreta, e isolada, que é a retirada das cruzes, apelando a certas consequências que dela adviriam, engloba-se na manobra muito habitual de «dispersão» dos argumentos, fazendo crer ao interlocutor que há uma relação (lógica) entre a medida tomada e outras medidas "perigosas" que lhe seguiriam. É a Falácia da Derrapagem (bola de neve). Uma coisa muito comum nos debates políticos que vemos diariamente.

Isto para não falar do «destaque» que é dado à associação republicana. Tratar o assunto da laicidade, pegando nessa associação e usando-a como arma de arremesso, é análogo à manobra de certa esquerda de, a propósito do aborto, fugir ao tema, e apontar algumas associações que defendam a prisão das mulheres. É fugir ao tema. É pegar numa amostra enviesada, que escolhe aqueles que têm posições extrema(da)s em cada um dos assuntos, para "assustar" o povo. É apelar ao preconceito, usando as imagens de Afonso Costa e outros jacobinos.

N'O Insurgente, o João tem uma séria de posts com muito, mas mesmo muito humor (estou a falar a sério). Recomendo vivamente que leiam este, este, e este posts. LT, também n'O Insurgente, defende seriamente, e não com a (interpreto eu) ironia de PPM, que há mesmo uma implicação lógica entre defender a retirada dos crucifixos e defender a abolição dos feriados religiosos.

Acho o humor é essencial. Notaria apenas uma coisa. Quando sobre certos assuntos só se consegue fazer humor, quando esse humor é sempre baseado em falácias e preconceitos (o que é inteiramente normal e respeitável para fazer humor), e quando não se diz mais nada sobre o assunto (para além desse humor), acho que isso não pode deixar de ser (como tudo o resto)interpretável. E quase sempre essa atitude é elucidativa.

Parece-me que certa direita portuguesa perdeu (mais) uma boa oportunidade de mostrar que não tem medo de defender uma separação de poderes, sem temer ser acusada de jacobinismo ou de estar ao lado de associações mais ou menos extremistas, ou de "trair os seus". Isto assumindo, claro - o que não é lícito - que ela de facto defende uma separação de poderes.

Lembremos que essa separação de poderes não implica que se acredite numa "super-neutralidade", como parece sugerir Carlos Novais na Causa Liberal. Uma neutralidade universal é de facto impossível. Não há absolutos. Mas daí a relativizar quase tudo e distorcer as próprias premissas vao alguma distância. Se a Educação do Estado é de facto urgente, como defende CN, não é essa urgência que muda alguma coisa na avaliação da medida em causa relativa à retirada dos crucifixos. O hábito de criticar uma medida porque ela não é urgente não é um argumento em si.
É, senão uma escapadela, no mínimo uma escorregadela.

É neste contexto que o artigo de José Pedro Lopes Nunes, que não defende nada de "chocante" ou "extremado", acaba por parecer uma corajosa pedrada no charco na(lguma) blogosfera de direita portuguesa. Sem aquele gostinho de barricada.

Lord of the Rings (3)


The (Iron) Cross Posted by Picasa

Cruzes

Confesso não gostar mesmo nada de morais consequencialistas, que se baseiem na ponderação (ou cálculo) do resultado de certa acção para a poder categorizar como sendo certa ou errada. Aqui identifico-me com Kant. Não tenho para mim que se possa (ou melhor, que se deva) defender um princípio argumentando com base num «depois deu no que deu». E também me parece, caro Paulo Pinto Mascarenhas, algo «excessiva» essa dificuldade em aceitar um laicismo verdadeiro. Para não dizer mesmo um pouco paradoxal com o carácter liberal da embrionária «direita liberal».

Nota: a palavra «moral» neste texto tem o sentido equivalente de «dever ser». Não se trata (necessariamente) de questões éticas, mas apenas de questões de princípios base para nossa sociedade.

A Arte e o Outro (3)

«Para que a arte possa ser arte, não se lhe exige uma sinceridade absoluta, mas algum tipo de sinceridade. Um homem pode escrever um bom soneto de amor sob duas condições - porque está consumido pelo amor, ou porque está consumido pela arte.

Tem de ser sincero no amor ou na arte; não pode ser ilustre em nenhum deles, ou seja no que for, de outro modo. Pode arder por dentro, sem pensar no soneto que está a escrever; pode arder por fora, sem pensar no amor que está a imaginar.

Mas tem de estar a arder algures. De contrário, não conseguirá transcender a sua inferioridade humana.» [Fernando Pessoa]

28 novembro 2005

Liberalismo, norma e intencionalidade em F. Hayek

Grande post do Rodrigo Adão da Fonseca. (via A Arte da Fuga)

B. B.

«Aumenta agora "o vazio na chamada esquerda da blogosfera, agravado porque antes já tinha padecido o Barnabé. O Barnabé e o BDE eram os baluartes dos blogues de esquerda. Vai haver um desequilíbrio muito grande, porque os blogues de direita continuam em grande forma e deixou de haver o outro lado da barricada".» Ah... a Bendita Barricada! (via Blue Lounge Café)

A Arte e o Outro (2)

«Art is the most intense mode of Individualism that the world has known.» [Oscar Wilde]

Leitura sugerida

Sobre Schmitt, pelo Eduardo Nogueira Pinto n'O Acidental:

Não sem antes, porém, deixar um reparo schmittiano: as coisas nem sempre são o que queremos que sejam. (...) É que, mesmo sendo isto um blog, quando se pretende escrever posts analíticos sobre matérias um tanto ou quanto mais complexas, torna-se conveniente começar por definir os conceitos usados.

A Arte e o Outro (1)

«A arte não tem, para o artista, fim social. Tem, sim, um destino social, mas o artista nunca sabe qual ele é, porque a Natureza o oculta no labirinto dos seus designios. Eu explico melhor. O artista deve escrever, pintar, esculpir, sem olhar a outra cousa que ao que escreve, pinta, ou esculpe. Deve escrever sem olhar para
fora de si. Por isso a arte, não deve ser, propositadamente, moral nem imoral. É tão vergonhoso fazer arte moral como fazer arte imoral. Ambas as [cousas] implicam que o artista desceu a preocupar-se com a gente lá de fora. Tão inferior é, neste ponto, um sermonário católico como um triste Wilde ou d'Annunzio, sempre com a preocupação de irritar a plateia.

Irritar é um modo de agradar. Todas as criaturas que gostam de mulheres sabem isso, e eu também sei.» [Fernando Pessoa]

Isto não tem nada que ver com as presidenciais (9)

«Pretendeu-se, erradamente, fazer da burguesia uma classe. A burguesia é muito simplesmente a percentagem satisfeita do povo. O burguês é o homem que conquistou o direito de se sentar.
O burguês é o homem que conquistou o direito de se sentar.
Uma cadeira não é uma casta.» [Victor Hugo]

Sobre blogs e jornalismo

A não perder a crónica de José Carlos Abrantes no DN.

Isto não tem nada que ver com as presidenciais (8)

«Não se pode pedir a um puro-sangue que puxe uma charrua.» [Sheik Hamidou Kane]

Pois...

«Em Caxemira não havia turistas europeus e americanos, como no "tsunami". Nem existia o picante de uma nação riquíssima defrontar problemas típicos de países subdesenvolvidos, como em Nova Orleães. E, sobretudo, a cultura do efémero predomina cada vez mais nas televisões. Veremos se, nesta tragédia, será uma vez mais a comunicação social a ditar a agenda política ou se prevalece uma ética de solidariedade

...é a vida, como diria o outro. Aqui duplamente a propósito.

O liberalismo evolui

[Na sequência do post anterior, da resposta do André, e dos comentários que então lhe dirigi (ainda sem resposta).]

Com certeza que o liberalismo evolui. Por definição.

O peso, a altura, a personalidade duma pessoa também evoluem. Não é por não serem constantes e imutáveis ao longo do tempo que deixamos de dizer que a cada momento do tempo toda e qualquer pessoa têm um peso, uma altura, uma personalidade.

A doutrina da ICAR evolui. Não que tenha (necessariamente) essa vocação ou tendência ou apetência natural ou enraizada. Mas é um facto que ao longo dos tempos as posições da ICAR se têm alterado. Ou seja - e equivalentemente - que as posições
(ou a doutrina) da ICAR têm evoluído. Logo, elas evoluem.

O liberalismo evolui. Ao contrário de outras doutrinas, no liberalismo essa apetência para a mudança é uma marca essencial. Como refere Mário Vargas LLosa: «Because liberalism is not an ideology, that is, a dogmatic lay religion, but rather an open, evolving doctrine that yields to reality instead of trying to force reality to do the yielding, there are diverse tendencies and profound discrepancies among liberals. [bold meu]»

Mas não é por evoluir que deixa de ser uma doutrina. Pode ser uma doutrina menos rígida que outras. Concordo. Pode não ser uma ideologia no sentido pejorativo que Llosa lhe dá. Concordo. Mas repare-se no essencial da frase do escritor que o André cita: o «that is», que sugere que o escritor usa a palavra ideologia apenas e somente com o sentido de «dogmatic lay religion». Pode ele fazer tal coisa? Com certeza. As palavras são ricas em significado e no contexto percebe-se perfeitamente o que ele quer dizer. E de resto isso não é abusivo mais que não seja porque ele esclarece o significado que quer dar às palavras.

É que, por muito que nos custe, as palavras são o que são.
E quando há pouca inclinação ou apetência ou propensão para atender de forma honestas ao que o outro tenta explicar e fazer entender, e se opta por reduzir a significância das palavras a algo muito restrito que possa ser consonante com as nossas teorias acerca do mundo, isso parece-me um pouco lamentável e certamente não muito propício a qualquer dialéctica.

Diz-me lá tu, caro André, onde é que está afinal a esquizofrenia. Eu já sabia que muitas vezes as questões se resumiam a uma questão de bolds, mas não imaginava que pudesse ser assim tanto. Não de forma tão clamorosa. Mas vou aprendendo.

PS: a ler também os comentários (até agora) existentes, feitos por Cláudio Tellez, José Barros, MP-S, Vasco Gabriel, e Alaíde.

O 4º segredo de Fátima

«Não se é liberal ou comunista ou outra ideologia qualquer porque se considera que é a melhor forma de organização de uma sociedade?»
«O Liberalismo não é uma ideologia

«Porque que é que não é uma ideologia?»
«Porque não trata do que deve ser, trata do que é

A bold estão as palavras do Helder d'O Insurgente, escritas e repetidas aqui, como foi anunciado em primeira mão no Metablog.

Não sei se há pessoas que acham o termo ideologia demasiado «carregado» pela (nossa) história. Mas as palavras são o que são. No Dicionário online da Porto Editora encontramos o seguinte:

IDEOLOGIA
Sistema de ideias, valores e princípios que definem uma determinada visão do mundo, fundamentando e orientando a forma de agir de uma pessoa ou de um grupo social (partido político, grupo religioso, etc.).

Dizer que o liberalismo não é uma corrente política, um conjunto de ideias, valores e princípios, parece-me verdadeiramente milagroso. Parece que a partir de hoje o Liberalismo não será mais normativo, mas positivo. Será mesmo ciência? Se trata do que é, à partida deve ter um método para chegar a esse conhecimento. Usará o método científico das ciências naturais? Admitirá ser refutável? Como as palavras são o que são, melhor dar-lhes voz:

NORMATIVO
1. que diz respeito a normas ou regras;
2. que tem força de norma ou preceito;
3. que indica normas ou regras;


Admiro sinceramente quem tenha bastante para achar que o liberalismo não tem preceitos nem regras nem é normativo. Eu, desconseguindo tão desejável coisa, continuo meio estupidamente a acreditar que os voluntários ingleses combateram as tropas de Hitler porque achavam que o seu país devia ser livre. Que os impostos deviam ser baixos. Que o rendimento mínimo devia ser abolido. Que o «habeas corpus» deve ser respeitado. Que a velha Magna Carta e a Constituição Americana incluem um conjunto de ideias, valores, e princípios que os seus responsáveis acreditavam convictamente deverem ser a base duma sociedade livre e plural.

Ponho-me a pensar porque raio é que há séculos e séculos que tantos pensadores perdem tanto tempo a discutir coisas que não contém regras ou preceitos. Imagino que o debate se dará por puro prazer, como se bebe um bom cognac ou se joga bridge.
Ou, mais seriamente, talvez a resposta seja que para alguns, o (seu) liberalismo tenha um carácter mais de seita do que de corrente política. Onde o debate é fechado, se dá por entre rituais místicos de adoração de algo que não é normativo. E não é que eles podem ter razão? O liberalismo deles parece mesmo positivo:

POSITIVO
Adjectivo
1. que não admite dúvida;
2. que se funda em factores da vida real;
3. certo; verdadeiro; inquestionável;
4. decisivo; terminante.
Substantivo

1. o que é certo;
2. aquilo com que se pode contar;
3. o que é materialmente útil e proveitoso.


Reparem que ninguém disse que o liberalismo é uma teoria moral, ou uma ética, porque de facto não trata do bem e do mal. E, mais do que isso, não impõe comportamentos a ninguém. Com certeza que não. Mas daí a dizer que o liberalismo não é normativo vai uma distância abissal. A-b-i-s-s-a-l. As palavas são o que são o que são o que são e não podem ser usadas a nosso bel-prazer.

Mas há uma alternativa. (A semântica tem destas coisas). Pode ser que nós estejamos a interpretar abusivamente (como um todo) a expressão «dever ser» que o Helder usa. Se calhar o «dever» merece destaque individual, e assim a frase pode adquirir um carácter estritamente positivo, sugerindo dúvida, probabilidade. Pode ser que na frase apenas falte um predicado, tal como:

«Porque [o Liberalismo] não trata do que deve ser muita bom, trata do que é muita bom».

Com esta história toda, fico com sérias dúvidas se devo estar a ficar maluco, ou se estou mesmo. De facto. E como gosto quase tanto de pe(n)sar as palavras como outros ilustres colegas, acho que vou reler a Parte VI do genial Through the Looking Glass de Lewis Carroll, onde a Alice se encontra com Humpty Dumpty e se gera uma deliciosa conversa sobre o significado das palavras.

Espero poder depois, consciente e iluminadamente, declarar que o Liberalismo não é um conjunto de ideias, princípios, regras, enfim, um todo normativo, mas, tão simplesmente, que o Liberalismo... é.

Because.

27 novembro 2005

O 4º segredo de Fátima (actualização II)

Vai ser revelado, em segunda mão, às 00h17 de 2ª feira, a pedido de umas quantas famílias (creio que mono-não-parentais).

Inquisitorial

Um juiz italiano que se recusou a presidir julgamentos em tribunais com crucifixos foi sentenciado hoje a sete meses de prisão.
(via Blasfémias, via Renas e Veados)

Navegando

Sobre a minha querida «Tabacaria», dei com um espaço que convida a entrar a-bordo. Sugiro que se deixem ir à bolina.

Uma questão de olhar

Digam lá se a forma perfeita de começar o dia não é esta aqui. Esqueçam o provável implante no sobrolho. Atentem na diferença entre o olhar de Angelina Jolie e o de Hayek, de Hayek, de Hayek. Eis outra diferença que me separa dos meus caros insurgentes. Acho a Hayek algo superficial. É bonitinha. É boa. Mas não é sexy. Não é hot. Não é spicy. Ela sim, é um exemplo quase perfeito de beleza neutral. Sem a expressividade sensualmente doce duma Laetitia, a ousadia provocante duma Kate, o olhar cintilantemente misterioso duma Angelina. Se não achasse que gostos são gostos, arriscaria que a fixação em Hayek é muito politicamente correcta. Não sei se pós-moderna ou não. Mas seguramente muito boring.
A Angelina é bem melhor. Porque está para além do mero très jolie.

O que é o Inferno?

Se se sentirem preparados para o descobrir... leiam o Peter of Pan.

Correcção formal ao silogismo nº 1

Um estimável leitor-blogger, que preferiu manter o anonimato, apontou duas fragilidades na construção formal do silogismo presente neste post. A saber: 1) de duas premissas negativas não se pode retirar qualquer conclusão válida; 2) a conclusão tem de seguir sempre a premissa mais fraca: se uma das premissas é negativa, a conclusão tem de ser negativa; é o caso e o que aparece no seu argumento como conclusão é afirmativo (sic).

Assim, depois de breves rounds dialécticos, e sem que o sentido do silogismo se altere, a proposta do leitor, mais apurada e mais consentânea com o dever ser da lógica, foi rapidamente aceite:

Premissa 1: Toda a moral é escolha.

Premissa 2: Nenhuma orientação sexual é escolha.

Conclusão: Nenhuma orientação sexual é moral.

A conclusão pode ser lida, alternativa e equivalentemente, como «Toda a orientação sexual é amoral». Reitero que o sentido quer das premissas quer da conclusão não se altera. Em termos de semântica, a nova formulação poderá parecer um pouco mais "difícil de ler", mas é de facto mais correcta formalmente.
E, nestas coisas, melhor ser perfeito na forma e tentar perceber o que está por trás da construção mais contida nas palavras.

Renovado obrigado ao leitor pelo precioso contributo.

26 novembro 2005

Ao «Rica»

Descubro que um grande amigo meu que me acompanhou desde a 1ª classe ao 9º ano, e que já não vejo há largos anos, descobriu esta casa a partir do Blasfémias. Só me apetece dizer que se lixe a formalidade, que um blogue também tem que poder ser para isto. Grande «Rica», espero contar com a tua leitura atenta e crítica! Good-hearted sei que sempre será. Leva um forte e saudoso abraço («a sério», como bem dizes) aqui do, sempre, «Miga».

Leitura de fim-de-semana

Um ensaio extraordinário de David Soares sobre um filme que é absolutamente ímpar: Salò, ou os 120 dias de Sodoma, de Pier Paolo Pasolini. Filme maldito, que perturba e paradoxalmente nos consegue tornar mais humanos. Mais conscientes. Obrigatório ver.

Re: Re: Liberalismo e Silogismos

A resposta ao extenso e cordial texto onde João Miranda critica e analisa a primeira premissa do silogismo que eu propus aqui, está dada, exaustivamente, na caixa dos comentários.

Acho que vale bem a pena lerem mesmo tudo.

Raphsody in blue

Ou se tratou dum mero precalço (segura e logicamente acidental) na gentlemanship blogosférica a que o Henrique Raposo sempre nos habitou, ou foi um momento de muito, muito refinada ironia. Inclino-me substantivamente para a segunda hipótese. E V.?

Debate em curso

Ainda (que não para sempre) a decorrer aqui e também aqui.

O teste essencial

Pergunta o Bernardo Sousa de Macedo:

«Mas atente-se num dos critérios de não-admissão: a existência de «tendências homossexuais profundamente enraizadas». Como é que isto se afere na prática? Tem a ver com os tiques das pessoas? Ou há um teste de aferição do enraizamento da homossexualidade?»

O Lutz dá um contributo para esta preciosa questão:

«Presumo que agora, ao entrar no seminário, os aspirantes serão sujeitos a testes sofisticados. Sujiro o visionamento obrigatório de gay-porn enquanto ligados ao polígrafo nas zonas indicadas neste caso.»

Isaiah Berlin e a liberdade

«Esquerda ou direita? A nossa cultura política está ainda dominantemente marcada por dicotomias ferozes, de que direita/esquerda é talvez a mais expressiva. Isaiah Berlin, todavia, dificilmente caberia nela. Entre os seis inimigos da liberdade que aborda no seu livro, três podem ser considerados de direita: Fichte, Hegel e Maistre. Mas os outros três são indubitavelmente de esquerda: Helvétius, Rousseau e Saint-Simon. (...) Não sei se Isaiah Berlin era de esquerda ou de direita. Mas sei que adorava os quadrângulos de Oxford e a sua origem não planeada. Também sei que os seis inimigos da liberdade de que ele trata neste livro (...) desprezavam tudo o que não fosse centralmente planeado.»

Uma excelente crónica de João Carlos Espada no Expresso de hoje, integralmente disponível aqui. Vejam também este post do João.

O início do fim da hipocrisia?

Goulão defende instalação de salas de injecção assistida.

Se possível, extensíveis ao sistema prisional. Sem palas nos olhos. Com o dinheiro dos contribuintes? Pois. Ajudar o outro a voltar a ser um indivíduo, livre e responsável, parece-me justificá-lo.

A decência

«Aprender a pensar implica uma atitude de liberdade interior perante os acontecimentos. Fomos criados numa cultura homofóbica; é nítida a dificuldade que muita gente ainda tem - gente até culta e moderna e não sei que mais - de olhar serenamente para o amor e as relações entre pessoas do mesmo sexo. Há mesmo quem brade não ter «qualquer orientação sexual homofóbica», como se até a homofobia fosse uma questão de orientação sexual. Sexo, sexo, sexo: é esse o grande fantasma homofóbico. Tudo o que sentem e expressam os homossexuais é carne, perversão, em última análise, chicote... Este preconceito entronca noutro, o do «exibicionismo» particular dos homossexuais. Ora, há exibicionistas e púdicos em todas as orientações sexuais - e os jovens tendem a ser mais exuberantes na expressão dos afectos do que os adultos. Caso a homofobia disfarçada neste «politicamente correcto» de emergência fizesse lei, acabariam os beijos juvenis que tanto animam o nosso desanimado território nacional.»

A crónica completa de Inês Pedrosa no Expresso disponível aqui.

Boa onda

E muita paixão é o que tem este post do Helder n'O Insurgente.

Cruzes!

Seus jacobinos! A querer negar a história de Portugal! Hereges!

Esta será a reacção emotiva (charity principle applied) de alguns face à decisão de retirar símbolos religiosos das escolas públicas. Para quem tenha algum sangue frio, nada mais natural num país laico. Não confundir Estado e religião. Não ignorar o papel desta, nem das suas instituições e membros. Mas não sugerir na escola pública coisas com os quais o Estado não pode substantivamente ter algo a ver, mas apenas processualmente respeitar.

Eis um exemplo em como o uso moderado da razão se pode, se deve, sobrepor à bendita ordem espontânea. [Cruzes! Jacobino!].

Estado de Direito... ma non troppo?

Tenho curiosidade em saber o que é que alguma blogosfera liberal tem a dizer sobre Guantanamo (a propósito dos voos da CIA).

Nota: post alterado no seguimento do comentário do RAF, refocando o ponto essencial que tem a ver com Guantanamo e os direitos individuais.

Deus e Darwin

Parte da crónica de José Cutileiro no Expresso de hoje:

«A RAZÃO está em perigo também noutros lugares. A teoria da evolução de Charles Darwin, entretanto aperfeiçoada, é a mais completa explicação que existe da vida sobre a terra e dá fundamento teórico à biologia moderna. (Sem ela, por exemplo, numerosos sucessos médicos recentes não teriam sido possíveis.) O que ela não é, ao contrário do que os seus detractores evangélicos julgam, é uma afirmação de progresso moral. Assim, há cientistas que aceitam a teoria e continuam a acreditar em Deus - uns no Deus de Abraão, Isaac e Jacob; outros noutros. Mas, sobretudo nos Estados Unidos, uma maré irracional disfarçada de pura fé ameaça este pilar do conhecimento científico e, se conseguir bani-lo de programas de ensino, causará danos incalculáveis.»

Esclarecimento

Caro Adolfo,

Longe de mim criticar o que cada um procura num blog. Que tu queiras ser incoerente, com intenção ou apenas como disposição, é algo a que tens direito. Neste blog ninguém procura nem a «Perfeição» nem o «Bem». Apenas se procura discutir ideias da forma mais honesta e aberta possível. Evitando preconceitos. Apontando falácias. Sobrepondo a ideia ao sujeito por detrás dela. Ninguém aqui quer construir um «edifício funcionalmente perfeito». Nem ditar «compêndios» ou sugerir mecanicismos típicos de «programas informáticos». Nada disso. Nada de absolutismos. Nunca.

Apenas se procura, dentro dos limites que todos temos, um edifício coerente. Não perfeito. Essa noção não se aplica. Apenas coerente. Entendível. Porque só duma mútua compreensão pode surgir alguma dialéctica. Um edifício sempre de porta aberta, onde todos são bem-vindos. Com pilares seguros e à vista de todos. Onde o livro de reclamações nunca se fecha. Onde a gerência tenta atender a todas elas, de boa fé, mas sem comprometer o rigor. Onde as janelas estão bem abertas, para que as mais variadas correntes de ar possam provocar uma bem saudável destruição criadora.

Longe de mim criticar o teu posicionamento, mas enquanto homem que preza a razão, não posso fazer esse elogio da incoerência. Gosto de incoerência, irreverência, desvario, em muita coisa da minha vida que não cabe aqui neste espaço público. Mas debate é sagrado. Ou concordamos em premissas mínimas para o que queremos fazer na esfera pública enquanto seres intelectuais (sem deixar de ser primordialmente pessoas, claro) ou então andamos a falar línguas diferentes. Torres de Babel? Não, obrigado.

Um abraço,

Tiago

PS: Um ponto (talvez) menor: tu usas no final a palavra "incoerência" para te referires a uma suposta "linha editorial" da vossa casa. Isto não é o sentido que tu lhe dás no início do post, em que a incoerência aparece ligada à lógica e não à panóplia e (eventual) consistência de temas. Não sei se isto é propositadamente uma prova de incoerência ou não, mas, coerentemente com a minha forma de estar, não posso deixar de apontar isso.

25 novembro 2005

Silogismo nº 2

De suporte à segunda premissa do silogismo nº 1 aqui relembrado:

Premissa 1 (A => B): Tudo o que seja passível de ser classificado como uma escolha, tem que ser passível de ser significativamente alterável de forma premeditada e por vontade própria do indivíduo

Premissa 2 (C => não-B): A orientação sexual não é (...) significativamente alterável (...) por vontade própria do indivíduo.

Conclusão (C => não-A): A orientação sexual não é uma escolha.

Suporte argumentativo às premissas:

Suporte à premissa 1 (por exemplicação/sugestão): os pais, o país onde se nasce, o ritmo cardíaco, a (im)possibilidade de voar, etc, não são escolhas. Não dependem de ti. A religião, o partido político, a universidade, a namorada, mesmo o clube de futebol, com mais ou menos condicionantes, são tudo escolhas porque existe um algum poder efectivo de as mudar num determinado e premeditado momento do tempo escolhido pelo indivíduo.

Suporte à premissa 2 (empírico/indutivo): ninguém é capaz de mudar a forma como sente atracção/desejo por qualquer dos sexos dum dia para o outro, apenas por força de vontade. Isto não implica que essa orientação seja 100% inata. Pode-o ser apenas parcialmente (é-o quase certamente). Apenas que é algo que não se pode mudar de forma mais ou menos automática e premeditada só - ou sobretudo - com base na vontade.

Nota: post em construção. Agradecem-se sugestões/críticas.

Cultura e autonomia

Lúcido. Imparcial. Autorizado. Grande artigo de Pedro Mexia no DN, a desmascarar a falta de autonomia de alguns que tanto invocam a cultura, mas sempre com motivações políticas (via Alaíde).

Procura-se

Homem ou mulher, com mais de 16 anos, em estado de lucidez razoável, liberal assumido, sem grau de pureza requerido, que não seja candidato a Presidente da República, e que, discordando da conclusão incluída no silogismo aqui proposto para discussão, se dirija a mim nos seguintes termos:

Discordo da conclusão porque discordo de uma das premissas propostas - por X, Y e Z. Essas razões, uma vez que a falsificam, são suficientes para rejeitar a validade da conclusão em disputa. PS (opcional): para facilitar o debate - que vejo já vai longo e algo confuso - escuso-me a comentar a outra premissa para já.

O silogismo em causa (outra vez, pois é):

Premissa 1: Onde não há escolha não há moral.
Premissa 2: A orientação sexual não é uma escolha.
Conclusão: A orientação sexual está para além da moral.

25 de Novembro (3)

A não perder a crónica de hoje no DN de Pedro Lomba.

Liberalismo e Silogismos

Caro João Miranda: convido-o a reler o meu anterior post, para perceber que eu não estava nada a misturar política com moral.
Eu *apenas* tentei fazer um exercício lógico, que é deste tipo:

1. O liberalismo tem um conjunto de princípios. É um facto. Falo dum ponto de vista puramente formal, lógico, positivo, e não moral. Os princípios são o que são. Não misturo política e moral. Apenas refiro que é um conjunto que contém algo;

2. O mundo que nos rodeia contém muitas incertezas, algumas que se vão esvaiando. Nomeadamente, através do conhecimento científico, que é refutável por natureza, e que por isso mesmo não é imutável, mas evolui. Assim, cabe ao homem procurar em cada momento conhecer a realidade que o rodeia tanto quanto pode;

3. Os princípios em 1. - quaisquer que eles sejam - conjuntamente com as ideias do ponto 2. (não digo "factos", porque as coisas são por natureza discutíveis), produzem, necessariamente, e em termos estritamente lógicos, certas implicações.

Foi isso que eu pretendi: apenas sugerir um silogismo, que "restringisse" aquilo que um liberal pode dizer, através dum exercício lógico, formal. Quando o João Miranda diz que um liberal não pode ser contra política A ou B, está a olhar para o conjunto de princípios definidos em 1. e a constatar a impossibilidade lógica desses princípios com a proposta A ou B. Nada mais. Apenas uma inconsistência lógica. Não se trata de "propor" ou "refazer" o conjunto de princípios do liberalismo, mas apenas de perceber as implicações lógicas que deles poderão de advir.

A discussão anterior ficou algo confusa, certamente por minha culpa. Acho que não fui claro em esclarecer que o ponto em causa era essencialmente, e em primeiro grau, lógico-formal, e só dentro dele (porque, claro, temos que avaliar a validade das premissas) é que seria substantivo. Algo demasiado recorrente é perverter o objectivo do interlocutor e olhar paras consequências disso. A famosa Falácia do Apelo às Consequências.

Eu não estou preocupado com o que se segue de um silogismo. Estou preocupado sim, em respeitar os princípios que estão de facto no tal "conjunto"; em estudar a validade das premissas adicionadas; e em não por em causa as implicações lógicas.

Voltemos ao silogismo:

Premissa 1: Onde não há escolha não há moral.

Premissa 2: A orientação sexual não é uma escolha.

Conclusão: A orientação sexual está para além da moral.

Eu só quero discutir a veracidade (substantiva) das premissas, mais nada. A conclusão (formal) seguirá delas. O meu argumento é que para um liberal, a premissa 1 é inabalável. Falo de moral no sentido de uma coisa "poder ser" moralmente condenável. Uma determinada acção - ou disposição - só pode ser passível de ser avaliada em "termos morais" se houver alguma intenção do autor.

Ninguém pode ser considerado imoral por ter olhos verdes ou pele escura - é genético. Ninguém pode ser imoral por não conseguir tirar os pés do chão por mais de 3 segundos - é a lei da gravidade. Ninguém pode ser considerado imoral se, perante uma situação (teórica) em que ele tenha apenas 2 acções possíveis, A e B, sendo que da primeira resultará a morte de 1 pessoa, e da segunda a morte de 500 pessoas, a pessoa optar pela acção A. Porque temos que ter em atenção o conjunto de possibilidades de escolha e as alternativas possíveis a determinada acção.

Eu não imponho que a Premissa 1 seja válida. Eu convido à discussão. Acho difícil haver moral onde não há escolha. Pelo menos para um liberal, para quem a escolha é sagrada. Para quem a escolha é consubstanciadora da responsabilidade individual. Não concebo que possa haver moral onde não há qualquer responsabilidade individual. Isso poderá ser verdade para algumas religiões, até para um marxista. Não para um liberal, quero crer.

A moral é (com lembra o Timshel nos comentários) o campo do «dever ser». Ora como podemos falar dum «dever ser» quando o que existe é apenas um «tem de ser»? Para que o "dever" tenha algum sentido, tem que haver a possibilidade de ele não se concretizar. Senão, passa a não ser um dever - uma coisa que é devida - mas uma consequência - uma coisa que é determinada. Onde não há escolha, não há moral. Isto parece-me inabalável. Mas, volto a repetir, estou totalmente aberto à discussão.

Quanto à Premissa 2, falamos de uma questão, não de princípios, mas de factos. Houve uma grande confusão no debate que se gerou. Eu não quero discutir o ponto de vista normativo, de eu achar que «as pessoas devem ser livres para fazerm o que querem, nomeandamente no que concerne à orientação sexual». Não. Eu estou a tentar construir um silogismo. Logo, a premissa 2, em termos formais, e dada a forma da premissa 1, tem que ser algo do domínio dos factos e não de juízos de valor. O que me importa é saber se a OS é ou não é uma escolha livre.

Relativamente a este ponto (releiam o anterior post), o que eu sugeri é que a ciência tem algum papel nisto, nomeadamente a genética. Há certamente uma componente de nature e nurture nisto tudo. Vários estudos o demonstram. O João Miranda, entre outros, não têm de os conhecer. Mas não podem é subverter a natureza da questão que eu ponho.

Ainda em resposta ao Timshel (nos comentários): claro que o homem tem livre arbítrio. Ninguém aqui propõe um determinismo sobre o homem. A orientação sexual desenvolve-se, (eventualmente) evolui, quer dependendo de factores genéticos, da nossa infância, do ambiente que nos rodeia, e das escolhas que fazemos ao longo da vida, incluindo (eventuais) experimentações. O ponto é que o produto disso tudo não, em última análise, directamente controlável por nós. Eu posso perfeitamente controlar se bebo ou não um copo de água. Se ajudo ou não uma velhinha a atravessar a rua. Tenho livre arbítrio. O que não posso, ou não consigo, é dizer algo como: a partir de amanhã vou passar a sentir-me atraído por pessoas do sexo X ou Y.

Simplesmente, o desejo e a atracção são coisas que não conseguimos controlar de forma soberana, directa e total, como se fossem fenómenos tipo causa-efeito. A sua efectivação (tirando casos patológicos), à partida sim. Mas eu foco a análise na orientação sexual em si mesma, e não na sua concretização. Não podemos fugir ao assunto. O silogismo refere apenas e somente a orientação sexual. Uma coisa de cada vez.

Reitero que não abordo a questão da orientação sexual ser ou não uma escolha dum ponto de vista normativo, mas sim positivo. Daí a inclusão, no que eu propunha como conclusão lógica, do que destaco a itálico:

«Um liberal, bem intencionado e minimamente informado, não pode achar a homossexualidade imoral».

[Repito que o pode não é um juízo moral mas um juízo de facto: uma mera conclusão lógica do silogismo proposto.]

Porque se a pessoa não está informada, não pode discutir esta questão, uma vez que temos que ter também em conta os recentes contributos da ciência, em especial da genética e da psicologia. E há uma condição precedente a essa aquisição de informação: o ser, do ponto de vista intelectual, "bem intencionado". De procurar a verdade dos factos sem preconceitos nem medo do que daí pode advir. Algo que, infelizmente, julgo muito raro em certa direita (isto não é para o JM) que tem uma certa aversão e incómodo em aprofundar estas questões.

O meu ponto era apenas esse. Discutir as premissas e ver se de facto existe ou não uma restrição lógica a qualquer pessoa que se assuma como liberal. Não é intolerância nem misturar moral com política. É ser intelectualmente honesto, ter a ombridade de por as questões com clareza em cima da mesa, aceitando as conclusões lógicas sem olhar às consequências. Não comprometer a verdade das coisas por questões menores.

Fico a aguardar resposta, caro João Miranda. Julgo que o seu post e o título que escolheu são enganadores, mas admito que não de forma intencional. Espero que a questão lógica - que era o que eu queria abordar e que gerou confusão - tenha ficado mais clara. A discussão, claro, e como sempre, está aberta a todos.

A peso de ouro

É como pagaria a quem rematasse por mim aquelas 66 «bocas».

Blue Lounge

A nova casa do Rodrigo Adão da Fonseca. Individualista, cheia de estilo, e seguramente com um promissor recheio, como sempre nos habituou o inquilino... ooops!, o senhorio! Boas bloguices, Rodrigo!

Exibicionista é o beijo dos outros

A crónica desta semana de Augusto M. Seabra no Público, como avisou o João, é de tal forma genial e obrigatória que resolvi-me a começar a fazer uma Selecção de Crónicas de Imprensa. O artigo de Augusto M. Seabra faz um contraditório às palavras de MST que é um brilharete como há tempos já não via na nossa imprensa. Desmascara de tal forma os argumentos de Miguel Sousa Tavares que duvido que ele hoje vá dizer alguma coisa sobre o assunto...

24 novembro 2005

Água na fervura



KM: «I told you and your blog-partner not to get into those endless discussions about religion, morality, and sexuality...
Will any of you ever listen to what I have to say? Besides, it is so much more interesting to simply publish a picture of myself.»

TM: «Indeed, my darling, indeed... I absolutely agree. I did warn my blog-partner to be cautious, and to avoid getting too excited with those issues - even more as I think I know him quite well...
He gets a bit too sensitive sometimes. But, well... some things are just bound to happen, I guess. Not much point in crying over spilled milk. You are here now, and that's what matters most.»

Igreja, Moral, e Homossexualidade

No Telejornal, um bispo inglês finalmente dá os nomes às coisas:

«The document, really, comes has no surprise (...). I think anyone who is familiar with Christian moral theology, and has a bit of common sense, would come up with the same policy, recongnising that it is not possible to allow into a seminary a person who is for whatever reason unable or unwilling to refrain from serious sins. And the Church has always taught that homossexual acts are serious sins

É engraçado que depois esse mesmo bispo - de resto em concordância com o documento Papal - afirma que os homossexuais devem ser tratados com "respeito" e "tolerância". Mas que raio de moral é esta que tem respeito e tolerância por pecados graves? Como é que, nessa mesma peça, o Pe. Carreira das Neves tem a coragem de dizer que não faz qualquer juízo de valor sobre os inúmeros homossexuais que ele conhece, e ao mesmo tempo subscreve o documento do Papa e a doutrina oficial da Igreja? Como é que é possível falar em moral, falar em pecados, "sérios pecados", e depois dizer que não se faz "juízos de valor"?

Como é possível falar em moral e não fazer juízos de valor?

Como é possível aceitar algo que se condena moralmente?

Como é possível condenar moralmente algo que se aceita?

Já imaginaram o que seria da nossa sociedade se tolerasse e respeitasse "sérios pecados" como roubar ou matar, ou violar crianças? A diferença não é grande, porque não é "o" crime A ou B que está em causa, mas sim estas pessoas acharem - não sei se hipocritamente, porque não sei se têm consciência do paradoxo que proferem - possível tolerar "pecados sérios", ponto final. Se matar é um "pecado sério", é tão passível de ser tolerado como é tolerado o "pecado sério" que é um acto homossexual.

Que a Igreja tem direito à sua moral, devia ser coisa óbvia. E o que tem um liberal a dizer sobre isto? Já o disse aqui:

Premissa 1: Onde não há escolha não há moral.

Premissa 2: A orientação sexual não é uma escolha.

Conclusão: A orientação sexual está para além da moral.

Um liberal, para quem a escolha livre (e, logo, responsável) é coisa sagrada, conhece bem a primeira premissa. A segunda premissa é menos óbvia mas a evidência aponta para isso de forma clara. Repito: e-v-i-d-ê-n-c-i-a. Não é coisa que os profetas nos tenham trazido. É ciência. É conhecimento. E neste campo a moral e a ciência cruzam-se de forma óbvia. Porque a ciência ajuda a perceber quando é que certos actos correspondem a escolhas livres ou não. Aos colegas mais ou menos liberais da blogosfera, digo isto: um liberal, bem intencionado e minimamente informado, não pode achar a homossexualidade imoral.

Nos anos 70 a Associação Americana de Psiquiatria retirou a homossexualidade da sua lista de doenças mentais. Desde aí que a investigação tem continuado. Não sou especialista. Sei que a ideia que hoje se tem é que - um pouco como em tudo o resto na vida - a homossexualidade tem uma parte de nature e uma parte de nurture. Claro que os liberais clássicos ou menos clássicos não têm obrigação de saber destas coisas. Mas devem entender que a questão fulcral tem a ver com a existência de escolha ou não.

A Igreja ou bem que aceita a premissa 2 ou não. O resto é conversa. Porque a premissa 1 é inabalável, e a conclusão que se segue é uma questão de lógica. O que é inaceitável é que chamem imoral a uma coisa que abraçam. Something's got to give. O mesmo se aplica a muitos liberais que são conservadores nos costumes. Ou bem que aceitam a premissa 2 ou não. Se não aceitam: estudem um bocado o assunto. Ou então optem por um silenciamento prudente e (intelectualmente) tolerante.

Quanto ao outro lado da coisa. Vemos alguma (auto-intitulada) "comunidade homossexual" por vezes insurgir-se contra a moral da Igreja como se ela não tivesse direito a ter uma. Calma, rapazes. A Igreja tem direito a dizer aquilo que bem entender. Só adere quem quer. Também tem o direito - dentro do respeito de regras mínimas da sociedade aberta onde se insere - a impor as regras internas que bem entender. Tal como o Partido Comunista, a Maçonaria, ou um clube de Lordes ingleses. Não é aí que está o problema. Ele está, quando muito, na forma como algumas pessoas exteriores à Igreja encaram as posições dela e as "repercussões" que elas têm para a sociedade. Em especial, alguns liberais para quem a tolerância social pela homossexualidade é, digamos, bastante baixa e tímida. E que gostam de trazer os nazis à baila como perfeita e adequada analogia para a dita tolerância.

Há que frisar que o citado o bispo inglês correctamente diferencia o «unwilling» e o «unable». Claro que a efectivação dum acto homossexual é passível de ser considerado uma escolha. O homem tem livre arbítrio, não é nenhum autómato amoral. É a atracção - que precede qualquer efectivação - que não constitui uma escolha. Por isso é que - dum ponto de vista estritamente lógicos - é possível condenar moralmente um «acto homossexual». O que já não é possível condenar é o «ser-se» homossexual, ou melhor, o sentir-se uma atracção pelo mesmo sexo. Porque essa atracção, coisa complexa por sinal, não é uma escolha. Dito isto, há que alertar para o perigo de que a radicalização da questão da identidade (sugerindo que apenas há «actos homossexuais») pode levar (mesmo sem intenção) a trazer a questão fulcral para o campo da moralidade, quando ela está para além da moral.

O problema da Igreja é que demora sempre muito tempo a absorver os conhecimentos que se vão adquirindo ao longo dos tempos. Paulo Corte-Real opina que a dita atitude «é mais um erro histórico numa longa história com muitos erros da Igreja Católica Apostólica Romana». Eu não "julgo" a Igreja. Apenas tenho uma certa aversão geral a quem tem uma inclinação a andar sempre a reboque do tempo. O "erro" para mim é só esse: de fatalmente aceitar e descobrir certas coisas depois de todos os outros.

Conservador? Não, obrigado.

Nota 1: O Pe. Carreira das Neves ainda propõe mais malabarismos intelectuais, ao dizer: «A Igreja é feita de homens e mulheres e o homossexual tende mais para se ligar mais ao homem e pôr de lado o sexo feminino». Mente, ao não dizer aquilo que é óbvio: que a Igreja é uma instituição onde o homem tem muito mais poder - formal e efectivo - que a mulher. O que não tem mal em si. A mentira é que é grave. E junta-lhe a falácia de confundir homossexualidade com misoginia. Porque raio é que um padre homossexual tem de tratar as mulheres de forma diferente? E o contrário, não é possível? Não leu o Crime do Padre Amaro?

Nota 2: Diz ainda o padre que «atitudes de padres homossexuais diante dos quais as mulheres que trabalham na Igreja e que são a maior parte desta se sentem de lado» - como também refere o Pedro Romano n'O Número Primo. Está visto que a Igreja estará inundada de tipos parecidos com o Carlinhos, o MG. Como é que eu interpreto isto? Não acredito, sinceramente, na hipótese de o Pe. Carreira das Neves e demais signatários terem tido um acessso obscurantista de falta de razão. Acho, ao invés, que tentam manter a crença duma organização em que se revêem e que sempre defendeu que a homossexualidade é um pecado.

Leitura obrigatória

Porque achar que é possível existir uma tolerância absoluta, total, e universal, é simplesmente um absurdo. A neutralidade total é um mito de certas correntes que se dizem puramente "formais". Porque quer a escolha do "formal" sobre o "substantivo", quer a sua aplicação a casos concretos requerem juízos de valor, que são intrinsecamente substantivos.

O que me faz certa confusao é que certas hostes liberais refiram a "tolerância da intolerâancia" como algo perigoso, relativamente aos distúrbios em Franca (e bem!), mas nao o façam sobre outras coisas que sãao - a par da sacralidade da propriedade privada - igualmente constitutivas duma sociedade...

Ainda que isto seja compreensível se atendermos que para alguns deles (como o João Miranda e o AAA), um conjunto de indivíduos totalmente atomizados seja provavelmente suficiente para constituir uma sociedade, já que enfatizam sempre e praticamente de forma exclusiva apenas isto: "O direito de cada um de tratar os outros de forma discriminatória é a base de uma sociedade liberal." Que seja a base, ou uma das bases mais importantes, é algo que subscrevo. O que já não subscrevo é a ênfase constante que eles põe nessa negatividade e (inerente) atomicidade. Excluindo, ignorando, ou menorizando tudo o resto.

Moral e Homossexualidade (appetizer)

Caro Timshel: julgo que isso que dizes não faz muito sentido dum ponto de vista lógico. Aprecio (como sempre) a tua frontalidade e, porque não dizê-lo, bondade. Mais logo publicarei algo sobre isto.

25 de Novembro (2)

Recomendo a crónica de hoje de Francisco Sarsfield Cabral.

A atitude de «barricada»

De simplificar as coisas falaciosamente, optando por contra-ataques estilisticamente miméticos, e acabando por insultar, com ou sem intenção, alguns daqueles que pretendem discutir a questão dos "costumes" e o seu papel na "agenda liberal" de forma séria, está brilhantemente espelhada aqui. Parabéns João Miranda.

Isto não tem nada que ver com as presidenciais (7)

«Mesmo sem esperança, a luta é ainda uma esperança.» [Rolland]

23 novembro 2005

Sondagem da Católica

Acabo de ouvir no Telejornal a seguinte sondagem da Católica*:

Resultados Reais (com distribuição de indecisos):

Cavaco: 39% (57%)
Alegre: 11% (17%)
Soares: 10% (16%)
Jerónimo: 3% (4%)
Louça: 3% (3%)

Total: 66% (97%)**

O mais engraçado é que o artista que fez a peça declara que a percentagem do "Não sabe" - que é repartida proporcionalmente por todos os candidatos para que a soma seja 100% - é de 15%. A coisa parecia-me tão descaradamente errada que rebobinei para poder tomar nota dos números exactos. Pobre matemática, tão pornograficamente maltratada. Os indecisos são 35% e não 15%. Estão a ver a diferença? É que o resultado mais importante são os 39% "seguros" que Cavaco tem, e não os 57% "extrapolados" com base nos 35% de indecisos. Cuidado.

Adenda: como o Miguel Madeira refere nos comentários, pode ter havido 20% de abstencionistas declarados além dos 15% de indecisos, o que faria Cavaco subir para uns consideráveis 47% seguros***, se efectuássemos a repartição dos abstencionistas. A ser verdade, o jornalista deveria ter referido essa variável fulcral na peça e, no mínimo ter ajustado os dados "sem distribuição de indecisos" adequadamente face aos abstencionistas declarados. O que é inadmissível é mostrar resultados que somam 66% e apenas acrescentar que os "Não sabe" são 15%.

*805 entrevistas telefónicas, mg. erro de 3.5%, nível de confiança de 95%.
**a soma não é 100% por haver mais candidatos e por eventuais questões de arredondamento, que também poderão influenciar (marginalmente) os restantes dados aqui apresentados. A interpretação, no entanto, não muda.
***sem mais dados (por enquanto), e ignorando os arredondamentos, os "outros candidatos" somarão 2% antes da distribuição de indecisos. Logo, inicialmente o "resto" é 32% e não 34%. Havendo 15% de indecisos, os abstencionistas declarados seriam 17%. O resultado de Cavaco, tendo em conta os abstencionistas, seria então de 39% / (100% - 17%) = 47%.

Leitura recomendada

Sobre a falta de empreendorismo e bem conhecida aversão ao risco dos portugueses, recomendo esta crónica de Nuno Sampaio, endossando a sugestão feita pelo Miguel d'O Insurgente.

25 de Novembro

Passados 30 anos, já era altura de se chegar a algum consenso mínimo sobre o 25 de Novembro. De concordar nalguma verdade histórica, sem atitudes demasido emotivas ou complexadas. Sugiro*: José Manuel Barroso, Rui Ramos, Vasco Graça Moura.

*também que dêem uma espreitadela aos comentários.

Guerra é guerra!

Adolfo, homem, o que foste fazer! Eu ainda tentei controlar o meu colega de blogue T. M. (que ultimamente anda muito discreto), mas sem sucesso. Ele foi ao armazém buscar todas as munições que tem religiosamente guardadas e promete guerra acessa com a vossa plataforma míssil de portentosa escala e muito longo alcance. Combinamos nunca mais - repito: nunca mais - fazer qualquer sugestão a que os entrincheirados deste bunker passem sorrateiramente pelas vossas frentes de ataque. Nunca mais!

Pensar é hesitar

«Só quem nunca pensou chegou alguma vez a uma conclusão. Pensar é hesitar. Os homens de acção nunca pensam.» [Pessoa]

Aos austríacos e demais reducionistas

Falácia da Composição:

«Por as partes de um todo terem uma certa propriedade, argumenta-se que o todo tem essa mesma propriedade. Esse todo pode ser tanto um objecto composto de diferentes partes, como uma colecção ou conjunto de membros individuais.»

Exemplo: As células não têm consciência. Portanto, o cérebro, que é feito de células, não tem consciência.

Tenho a certeza que há muito boa gente por aí que sente uns prazeres especiais - mesmo "divinais" - em sugerir recorrentemente argumentos reducionistas deste género. Convido-os, a eles e aos demais interessados, a estarem atentos à crítica que o João se prepara para fazer à muito falada Escola Austríaca. O convite ao debate é feito aqui, e o primeiro capítulo já está disponível. Estou seguro que o Manuel Pinheiro vai apreciar a contribuição.

Ao João, digo isto: força nas canelas. Sobe-me essa montanha com muito garra, mas em ritmo controlado, sem perder de vista o pelotão. Uma boa fuga, sabes bem, não pode ser reducionista: tem de atender ao todo que a justifica e lhe dá significado. O que fará a estapa ter ainda maior emoção. Aqui do carro de apoio, como sempre, contarás com todo o carburante que conseguir dar para essa esforçada, necessária, e meritória combustão.

501

Não são as Levi's. Foi o número de visitas que tivemos ontem, que superou largamente o anterior máximo de 390. Aos 24 visitantes que tiveram a gentileza de comentar o post do folhetim - muitos deles estreantes nesse acto sub-versivo - muito obrigado. Fico tentado a pensar se o riso, ao contrário do crime, compensa...
E se daí poderemos intuir... que o riso afinal não mata. Hmmm...

22 novembro 2005

Isto não tem nada que ver com as presidenciais (6)

«Diz quem te admira, dir-te-ei quem és.» [C-A Sainte-Beuve]

O seu a seu dono

Ontem não me consegui lembrar da "causa divina(tória)" que me impulsionou a escrever o folhetim /diálogo Socrático inspirado no "excesso" de Henrique Raposo. Sabia que ela existia porque o convite à sátira foi repentino mas consciente. Hoje reencontrei-a:

«Alguém imagina um coming out nestes termos: "olha, já ando para falar contigo há imenso tempo mas só agora é que tive coragem... queria dizer-te que cometo actos homossexuais".»

A ideia acima transcrita é do Bernardo Sousa de Macedo.
O desenvolvimento a partir dela é da minha responsabilidade.
Fica assim rectificada a devida - e sagrada - dignidade autorial.

Por amor à lógica

E à elevação do debate, o pódio do AeA tem novo bronze.

21 novembro 2005

O coming out a um «conservador-liberal»

No seguimento do que escreveu Henrique Raposo, tentei imaginar um coming out ("assumir-se") a um típico «conservador-liberal».
É mero folhetim - nada de mais. Com uma pitada imprescindível de diálogo Socrático. Espero que não leves a mal, caro Henrique.

HR: Então J., estás bom?
J: Tudo bem, Henrique... precisava de te contar uma coisa, pá...
HR: Conta, homem. É coisa séria?
J: (tímido) É um bocado... tenho vindo a descobrir... sabes... ontem fui a um bar gay...
HR: Não há bares gay.
J: (fingindo não ouvir) ...fui a um bar gay com uns amigos gay e hetero, e...
HR: Não há gays.
J: (admirado, mas continuando) ...acho que sou gay.
HR: Não conheço nenhum gay.
J: (perplexo) Nenhum?!? Mas se eu te estou a dizer que sou gay...
HR: Nunca houve nem nunca haverá gays. É impossível.
J: (confuso) ...impossível?!? Como assim?
HR: Eu tenho que te dizer isto: isso de seres gay não é possível.
J: (algo nervoso) Mas Henrique... eu acho que eu sou mesmo gay... claro que percebo que estejas surpreendido...
HR: Isso que dizes é impossível.
J: (algo irritado) Achas que sou heterossexual com apenas com alguns desvios, é isso?
HR: Também não há heterossexuais.
J: (perdendo o controlo) Ó Henrique... então somos todos umas amibas assexuadas, é? Pareces o César das Neves a falar!...
HR: Não conheço nenhum homossexual nem nenhum heterossexual. Os termos não são adequados. O que há são actos sexuais, mas não identidades sexuais.
J.: (em descontrolo) Adequados?!? Mas em que mundo é que tu vives, Henrique? Uma coisa é ser conservador, outra coisa é negar a realidade social à tua volta e o significado que as palavras têm no contexto onde todos vivemos e onde todos nos compreendemos, onde todos somos...
HR: Eu sou um liberal puro, meu caro. Para mim a individualidade é sagrada e está acima dessas coisas todas.
J: (em estado delirante) Mas como? Que individualidade é essa que pretendes? Uma construção puramente teórica? Então e o «No man is an island» do John Donne, não te diz nada? E o eu que só existe porque há o tu e o outro, de que fala o Vergílio Ferreira? Que indivíduo é esse de que falas?
HR: Um indivíduo que não precisa desses grupos histéricos para construir a sua identidade. Isso são não-indivíduos, membros privados de uma causa colectiva. Isso eu não posso - coerentemente - respeitar.
J: (em desespero) Mas um liberal não é suposto ser tolerante?
HR: Sim. Excepto perante aqueles que não se respeitam a si próprios. Esses não podemos respeitar.
J: (quase irado) Mas que direito tens tu a decidir sobre o respeito-próprio dos outros? Isso não vai contra o princípio básico do não-paternalismo? Não deve ser o indivíduo a decidir se se está a respeitar a ele próprio ou não? Não é com base nesse tipo de argumentos que começam todos os tipos de totalitarismos, para libertar o homem de si próprio? Foi o que eu li num livro que me emprestaste há tempos...
HR: Meu caro, para isso tínhamos que discutir o jus-naturalismo. O que eu quero que entendas é que como liberal-clássico, a individualidade é uma pedra basilar da minha estrutura valorativa. E não há identidades sexuais, quer sejam homossexuais quer heterossexuais. Há uma diferença entre Fazer actos homossexuais e Ser-se homossexual. É a diferença entre um indivíduo que merece respeito e um membro passivo de qualquer coisa que pensa por ele.
J: (desistindo) Essa pureza... não sei que te diga. Então não há qualquer tipo de identidade, é isso? O tipo sociólogo, o antropólogo, e o filósofo amigos que foram comigo ao tal bar gay andam a estudar coisas imaginárias, é? Não há «tribos», nem «grupos sociais», nem «being-in-the-world», o homem descobre-se a si próprio sozinho, no meio do nada... é isso? Está bem. E pensava eu que os economistas eram os tipos mais reduccionistas à face da terra, afinal há concorrência... Eu a pensar que esses platonismos estavam desacreditados há dezenas de anos...
HR: Ouve isto: esses tipos histéricos e exibicionistas dessas organizações querem simplificar as coisas de modo a que qualquer pessoa sobre a sua alçada não passe de um soldado no meio do exército para essa luta libertadora que eles querem impor à sociedade. Percebeste? Os «gays» deles não são indivíduos, são carne para canhão. Isso eu não posso respeitar.
J: (com ar aflito e tentando interromper) Mas Henrique, estás a generalizar de forma preconceituosa...
HR: (interrompendo) Desculpa, mas não estou. Respeito e sou amigo de quem faz actos homossexuais. Mas deixa-me dizer-te que estou cansado dessa coisa politicamente correcta de vir defender as «vítimas». Eles é que começam mal, desde logo por não terem maneiras e quererem fazer do corpo um assunto público... um acto, aliás, profundamente bárbaro.
J: (desagradado) Bárbaro...? Tu chamas, do alto da tua posição distante e imparcial, um acto bárbaro tentar reinvindicar uma maior igualdade de direitos? Mas afinal és liberal ou tens aí uma séria e escondida veia reaccionária, que te faz ter dificuldade em falar destas coisas?
HR: J. A ver se nos entendemos. Eu sou um liberal-conservador. Ou melhor, sou um conservador-liberal. Espera... ah... sim, sou um «liberal-conservador», isso. De resto, como todos os liberais deveriam ser. Não sou reaccionário coisíssima nenhuma.
J: (desistindo) Bom, das tuas identidades sabes tu... e eu, ao contrário de ti, não vou dizer que tu usas esses epítetos A ou B com vontades grupais e que reduzes a tua pessoa ao escolheres esses nomes pomposos, e que não tens identidade e essa conversa toda. Tu para mim podes apelidar-te do que quiseres que hás-de ser sempre o Henrique que eu conheço, apenas tentando descrever-se a ele próprio... tendo em conta o mundo onde vive e onde se reconhece. De resto, eu só queria dizer-te que descobri que afinal gosto de homens... nada mais.
HR: Ah, é verdade... isso tudo bem. Sabes que sou um gajo aberto de espírito. E sou amigo de quem faz actos homossexuais. Nada muda entre nós. Mas não me venhas com isso de «seres gay».
J: (suspirando) Bom... ok. Que me dizes então se formos tomar um copo, a ver se arejamos um pouco a cabecinha? Abriu um novo bar gay muito giro há 2 semanas.
HR: (ofendido, irritado, irascível) Bolas, J.!!!! $&%$*%&$^*£"! Um bar gay, dizes tu! Tens que te livrar dessa forma redutora de ver o mundo! Essas simplificações matam uma pessoa e abrem caminho a que o marxismo ainda prolifere no meio de nós! Eu já te expliquei! Eu sou capaz de ir a (respirar fundo) um bar onde se encontram predominantemente - ainda que de forma espontânea, puramente acidental, na boa esteira Hayekiana, não imposta por qualquer autoridade central, mas sim resultante da livre interacção numa economia livre, onde as escolhas individuais são livres e responsáveis - pessoas cuja preferência sexual, hoje, mas não necessariamente ontem, nem necessariamente no futuro, se manifesta sobretudo por indivíduos do mesmo sexo, ainda que de forma não concretizada mas eventualmente apenas sonhada, quer seja de forma consciente, inconsciente, ou semi-consciente, e sem que isso impeça que se relacionem ocasionalmente com pessoas do sexo oposto, sem esquecer os casos mais raros mas não menos respeitáveis de híbridos transgenders e hemafroditas - isso está bem! Mas por favor não me digas simplesmente que vamos a um «bar gay»! Evita esses rótulos totalitários tão típicos da nossa esquerda folclórica!
J: (suspirando longamente) Pronto, deixa lá isso... Olha, e se fôssemos antes ver o filme sobre o relatório Kinsey? Dizem que é interessante, e podia ser que ficasses um pouco mais arejado...
HR: O relatório McKinsey? Mas isso deu em filme???
J: (silencioso). [...].

O folhetim

A ser publicado aqui, pelas 23h, inspirado no ponto 3 do post do Henrique Raposo, com o qual concordo na essência. Discordo é do *radicalismo* que ele usa no seu discurso e da falha (?) em interpretar a coisa no contexto dos dias de hoje que Portugal vive, como (também) refere a Inês Rodrigues no Rabbit’s blog.
Mais logo. Pelas 23h. A não perder. O folhetim.

Dedicado sabemos bem a quem

«For example, there are liberals who believe that economics is the field through which all problems are resolved and that the free market is the panacea for everything from poverty to unemployment, marginalization and social exclusion. These liberals, true living algorithms, have sometimes generated more damage to the cause of freedom than did the Marxists, the first champions of the absurd thesis that the economy is the driving force of the history of nations and the basis of civilization. It simply is not true. Ideas and culture are what differentiate civilization from barbarism, not the economy. The economy by itself, without the support of ideas and culture, may produce optimal results on paper, but it does not give purpose to the lives of people; it does not offer individuals reasons to resist adversity and stand united with compassion or allow them to live in an environment permeated in humanity

Por Mario Vargas Llosa [via A Arte da Fuga]

Uma questão de estilo

«Há que dizer que admiro certas pessoas da blogosfera. O FJV foi um liberal sério nesta história. O Tiago Mendes chamou devidamente a atenção para o facto de os liberais encartados da blogosfera silenciarem sempre situações de violação de direitos individuais quando temem que isso vá de encontro a posições ditas de esquerda. Os nossos liberais encartados auto-definiram-se, em toda esta história e ainda que implicitamente, como marialvas ou, se quisermos ser bondosos, como conservadores em matéria de costumes.

É bom que as tendências políticas - as verdadeiras e não apenas as proclamadas - estejam à vista de toda a gente. Eu, pela minha parte e enquanto liberal, percebi que muito me afasta dos liberais do Blasfémias, do Acidental e do Insurgente. A história do prémio nobel da literatura já tinha sido elucidativa a esse respeito. Não se trata de uma questão de opiniões, mas de uma questão de estilo. Durante muito tempo o Blasfémias foi um exemplo único no país de discussão séria e racional. Hoje, passa por ser um blogue com alinhamentos e estratégias políticas que não permitem a discussão civilizada.

A aventura liberal parece que chegou ao fim; acho que já ninguém se encanta com a ideia de o liberalismo poder vir a ser uma força política no país. Isto porque os seus potenciais protagonistas parecem não querer fugir à lógica facciosa do frontismo anti-esquerda num movimento de sentido inverso ao do BE.»

Comentário (editado) de José Barros a este post.