aforismos e afins

23 dezembro 2005

Crime e Castigo (9)

«Às vezes, irritava-me com os seus constantes disparates a respeito de Dostoievski. Pessoalmente, nunca tive a pretensão de compreender Dostoievski. Pelo menos, de o compreender todo. (Conheço-o, como uma pessoa conhece uma alma gémea). Tão-pouco li tudo quanto escreveu, até hoje. Tive sempre a intenção de reservar os últimos bocadinhos para ler no leito de morte. (...) Em Dostoievski havia uma atitude complexa em relação ao mal. Em grande medida, pode parecer que ele foi desencaminhado. Por um lado, mal é mal e deve ser enunciado, e tem de ser queimado, extinto. Por outro, o mal é uma experiência espiritual do homem. Faz parte do homem. Enquanto percorre o seu caminho, o homem pode ser enriquecido pela experiência do mal, mas é necessário compreender isto como deve ser. Não é o próprio mal que enriquece o homem; ele fica enriquecido, sim, pela força espiritual que desperta nele para dominar o mal. O homem que diz: "entregar-me-ei ao mal para meu enriquecimento", nunca enriquece, perece. Mas é o mal que põe a liberdade do homem à prova...»

[Henry Miller, Nexus]