aforismos e afins

14 dezembro 2005

Re: Holismos V

O João Miranda disse aqui o seguinte:
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1. «Eu não defendo nenhuma teoria não determinista. Todas as teorias que eu defendo são deterministas
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2. «Eu não defendo que tudo pode ser explicado através de equações. Por dois motivos: nem sempre as equações são explicativas e nem sempre uma teoria pode ser expressa por equações. O que eu defendo é que todos os fenómenos são regidos apenas por leis da física e estão sujeitos apenas a restrições matemáticas
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Será que vale mesmo a pena responder a isto, ou basta a citação? Recordo que JM não se refere apenas a fenómenos físicos mas a todo e qualquer fenómeno, incluindo os que envolvem humanos. Para ele, todos os fenómenos são explicáveis por leis da física. Decididamente, os humanos podem ser conhecidos como algoritmos (isto é diferente de autómatos, atenção). É por isso que eu fiquei surpreendido com o António, quando ele escreveu,
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e não tirou a conclusão, como eu sugeri aqui - e acho que o JM não o nega, como é patente nestas citações suas - que isto assenta que nem uma luva na sua forma de pensar, como de resto nos austríacos que veneram o Human Action de Mises.
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3. «O ónus da prova de que há outro tipo de complexidade que não resulta das leis da física ou das regras da matemática cabe a quem defende tal teoria.»
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Eu não acho que haja ónus da prova de qualquer lado, porque não sou um apriorista absolutista como é o JM. Há uma coisa que o JM nunca percebeu nestas discussões, quer-me parecer, e isso é o sentido do «holismo». Será que o JM já pensou sobre o problema da consciência e da linguagem? Será que o JM se apercebe de si próprio, e daquilo que escreve, por leis físicas? Ou será que há algo mais aqui que não pode ser redutível a essa dimensão? Será que o JM já se apareceu a si próprio e tomou consciência do que era? Como foi essa aparição? Terá sido uma alegre verificação de um agente algorítmico ao serviço de Mises?
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4. «Se existe uma teoria não física e não matemática das ciências sociais, o Tiago Mendes não a usa nos seus textos sobre economia. Porque será?»
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Repare que para refutar esta sua ideia bastava ter em conta que há coisas que precedem qualquer análise científica, tais como a consciência e a linguagem. O JM esquece-se do problema ontológico e toma as coisas como um dado. Sobre este absolutismo apriorista e platonista já o João Galamba escreveu diversas vezes. O meu ponto, ao contrário do de JM, é que a Economia pode ajudar a explicar muita coisa mas não tudo. Eu concordo que a economia é sobretudo positiva, embora isto não possa ser absoluto, porque há um método e há certas hipóteses base que têm um carácter normativo, como a racionalidade.
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O facto de a economia não explicar "tudo" não é uma questão quantitativa mas qualitativa. Simplesmente, há dimensões do ser humano que não são entendíveis meramente por leis da física ou da matemática. A linguagem é o melhor exemplo para ilustrar isto. Ela não é compreensível como mero conjunto de regras. Há uma hermenêutica, uma prática, que é indispensável o entendimento. Voltando à economia, eu já critiquei várias vezes o individualismo metodológico publicamente. Eis um exemplo duma hipótese metodológica que quanto a mim é redutora e afasta a economia daquilo que ela poderia ser enquanto ciência social. Muitas vezes, as pessoas decidem num framework de «we-decision». Poderia dar muitos mais exemplos, mas não me quero alongar.
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A importância do contexto é outra coisa que deve fazer horror a um reducionista-atomista. Já o frisei algumas vezes. Honestamente, não sei como é que o JM pode dizer que não vê nos meus escritos alguns laivos de «holismo» - e já não falo sequer das questões que estão para além da economia, como a linguagem. Eu defendo uma análise multi-disciplinar do comportamento humano, com base na economia, psicologia, neurociência, sociologia, antropologia, história, e por aí fora.
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Tenho pena que o João Galamba valorize tão pouco o papel da economia, que acho que é fulcral e tremendamente poderoso, ainda que possa ser perigoso quando em mãos erradas. Embora compreenda o porquê desse "pavor". Muito mais distante está o João Miranda com as suas ideias, muito, muito peregrinas, de homens-algoritmos perfeitamente entendíveis apenas com leis da física e da matemática. A Hermenêutica para o João Miranda deverá ser uma espécie de parente menor de um qualquer código de programação. E isto assumindo que ele considera a existência e significância de tal coisa, o que é hipótese de monta.
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Não quero ser ofensivo, mas isto não faz mesmo sentido nenhum. Só mesmo em certos círculos fechados, e em certos clubes, reais e blogosféricos, é que este tipo de ideias têm algum impacto. O que me surpreende é que certa blogosfera que certamente discorda da visão reducionista de JM, nunca tenha escrito uma palavra sobre isso. So much for political incorrectness.