SI DA e Economia - esclarecimento
O artigo SIDA e Economia gerou alguma controvérsia, o que é bom sinal. Respondo aqui aos vários comentários gerados, fazendo algumas notas prévias: I) o limite de palavras convida à omissão de factos que I.1) sejam do senso comum, I.2) sejam entendíveis no contexto, I.3) reforcem o argumento apresentado; II) o limite de palavras obriga a que se tenham de fazer escolhas sobre os sub-temas a tratar, sendo uma regra base escolher os sub-temas II.1) mais importantes, e II.2) não demasiado técnicos.
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O Bruno Gonçalves levanta várias questões neste seu post:
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1. «Primeiro de tudo, não se compreende bem a relação que o título nos aponta. (...). Faz-me confusão a palavra economia no meio de tudo isto, apenas isso.»
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A Economia é a ciência da escolha. Estuda as escolhas individuais, tendo como base analisar os incentivos que as pessoas têm para escolher A e não B. Baseia-se na hipótese de que em qualquer sitação os agentes tentarão, restringidos no seu rendimento, informação, tempo, etc, escolher o que mais lhes convém. Pena é que tanta gente ache que Economia é défice público e OTA e balança comercial. Também é isso. Mas só em segunda análise, porque por detrás dessas dimensões "macro" estão sempre indivíduos e as suas escolhas. A economia não é a única ciência a estudar o comportamento humano e as escolhas. Tem uma determinada abordagem e uma metodologia que difere, por exemplo, a psicologia. A última estuda mais as motivações ou preferências das pessoas, enquanto a economia estuda a forma como elas se efectivam perante certos incentivos, nomeadamente os "preços" (entendidos em sentido lato, e não estritamente mercantil). Não é exaustiva mas é muito poderosa.
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Recebi hoje um email dum leitor que dizia o seguinte:
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O Bruno Gonçalves levanta várias questões neste seu post:
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1. «Primeiro de tudo, não se compreende bem a relação que o título nos aponta. (...). Faz-me confusão a palavra economia no meio de tudo isto, apenas isso.»
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A Economia é a ciência da escolha. Estuda as escolhas individuais, tendo como base analisar os incentivos que as pessoas têm para escolher A e não B. Baseia-se na hipótese de que em qualquer sitação os agentes tentarão, restringidos no seu rendimento, informação, tempo, etc, escolher o que mais lhes convém. Pena é que tanta gente ache que Economia é défice público e OTA e balança comercial. Também é isso. Mas só em segunda análise, porque por detrás dessas dimensões "macro" estão sempre indivíduos e as suas escolhas. A economia não é a única ciência a estudar o comportamento humano e as escolhas. Tem uma determinada abordagem e uma metodologia que difere, por exemplo, a psicologia. A última estuda mais as motivações ou preferências das pessoas, enquanto a economia estuda a forma como elas se efectivam perante certos incentivos, nomeadamente os "preços" (entendidos em sentido lato, e não estritamente mercantil). Não é exaustiva mas é muito poderosa.
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Recebi hoje um email dum leitor que dizia o seguinte:
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«Se há coisa que aprendi contigo nestes últimos tempos é que a economia é a ciência das escolhas. Para mim a economia sempre foi coisa obscura; as páginas dos jornal que eu passava mas depressa, os gráficos de bolsa que nada me diziam, etc.; assuntos pelos quais não nutria interesse algum... Hoje, graças a ti, percebo que ela se pode lançar a qualquer assunto na sua visão paradigmática (que sempre me assusta) de perdas e ganhos.»
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É isto mesmo. A economia pode abordar qualquer questão. Por isso é que eu comecei a crónica com um «A decisão sobre o uso do preservativo é uma decisão feita num ambiente de incerteza.» Ou seja, sugiro que vamos falar de decisões/escolhas em que o resultado emvolve incerteza. E tem sempre em consideração custos de benefícios individuais de determinada acção. Por isso mesmo, repito, não é exaustiva. Porque há escolhas onde uma análise puramente instrumental e/ou eivada de individualismo metodológico não é suficiente (por exemplo: a escolha do voto). Resumindo: a tua noção do que é a Economia enquanto ciência, caro Bruno, é redutora e errada.
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2. «Segundo, o artigo apenas refere a relação entre o preservativo e a SIDA. Tenho a certeza que se o Tiago tivesse maior espaço teria abordado outras questões, mas creio essencial nesta discussão apercebermo-nos que o preservativo não tem apenas efeitos profiláticos na SIDA. Esta é provavelmente a doença mais mediática, mas este meio é eficaz na prevenção de várias doenças infecciosas e em alguns tipos de neoplasias.»
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Acertaste na razão - que é a I.3) - mas não percebeste o porquê. É que esse argumento só reforça a ideia sobre as externalidades, uma vez que há mais doenças que podem ser transmitidas. Acrescento um ponto que deve ser subentendido do texto: uma pessoa só pode contrair HIV numa relação se alguém estiver infectado. Logo, o problema é a pessoa poder estar infectada e não o saber, e transmitir a outros sem ninguém se aperceber, e assim sucessivamente, num potencial efeito "bola de neve".
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3. «Terceiro, é um dever do Estado zelar pela saúde dos seus cidadãos e mantê-los informados de todas os factos que estejam relacionados com casos de saúde pública. Este é um desses casos.» .
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Não concordo. A tuberculose é um problema de saúde pública, porque pode ser transmitida num contexto público. A SIDA tem a ver com comportamentos privados. Uma coisa é ela ter um carácter epidémico, no sentido estrito da forma de propagação. Outra é ser do foro público. Não é. Se me falares no facto das pessoas (eventualmente) terem que pagar impostos para custear tratamentos de outros, isso é outra questão. Mas enquanto doença, é do foro privado. como excepção, admito que possa ser considerado um "flagelo público" em países africanos onde a taxa é de tal modo alta que põe em risco a sobrevivência da própria nação. Isto nunca seria mencionado pela razão II.1), já que falamos do contexto de Portugal, e isto seria acessório.
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4. «A profilaxia envolve as duas vertentes, de informação e de meios técnicos. O que se põe em causa no artigo é a relação, ou melhor o favorecimento de um em detrimento de outro. O Tiago não é muito explícito quando explica que a informação deve ter um tratamento especial. Refere que "Um estado que respeite a esfera privada de cada um devia apostar na informação". Sinceramente não compreendo. De que maneira o subsíduo à venda de preservativos ou de qualquer outro método profilático, pode interferir na esfera privada do cidadão, colocando em causa o respeito pelo indivivíduo?»
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De facto entendeste-me mal. O que eu disse é que um estado não paternalista (exceptuando o caso das crianças e adolescentes, mas isso é outra história complicada - falo aqui apenas de adultos) não deve dar conselhos e recomendações aos seus cidadãos, tipo «Não fume», «Não beba», «Use preservativo». Deve dar informação, do tipo «Se fumar, X», «Se beber, Y», «Se não usar preservativo, W». Pode mudar os preços para fomentar certos comportamentos (ex: impostos altos para o tabaco). Mas tem de deixar ao critério de cada um fazer a sua escolha. Volto a sublinhar que pode haver uma questão relacionada com a forma como são pagas as despesas eventuais de sáude com estas pessoas. Já lá vamos. Mas o ponto da "vida privada" é só esse. O estado não tem nada que se meter na vida de adultos. O subsídio a preservativos claro que não põe em causa nada disto, foi mesmo incompreensão tua neste caso.
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O meu ponto com a informação é que o estado devia dizer, por exemplo, os riscos de contaminação (assumido que uma das pessoas está infectada e não o sabe) de sexo oral, vaginal, e anal, heterossexual e homossexual, para a pessoa activa e passiva, em cada uma das situações. Imaginas alguém a falar disto? Era isso que eu referia no artigo quando falava de "comportamento A ou B". É que em vez do generalista e paternalista «Use preservativo», o estado, e apenas porque lhe cabe um papel informativo, devia apostar na informação. Na margem (todo o economista saberá isso), se um comportamento B for menos arriscado que A, as pessoas tenderão a substituir A por B, ou seja, a praticar mais actos A do que B. Isto são tudo efeitos marginais. Não quer dizer que B deixe de se fazer. Apenas ocorre, inevitavelmente, um efeito substituição de A para B. Há alguns papers interessantes sobre isto.
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A Ana diz nos comentários o seguinte:
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5. «Só dois pontos:- o seu artigo da a ideia que perante uma externalidade o Estado tem de intervir; esta nao e uma posicao incontroversa, pelo que me parece que a assertividade e excessiva neste ponto;- ainda que achasse que o Estado tem de intervir, poderia ter clarificado no seu artigo a possibilidade de ele o fazer ao nivel de outros factores que determinem as preferencias (exemplo: busca de "status").»
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Tem toda a razão no primeiro ponto. A intervenção justifica-se numa óptica de "eficiência económica", mas esta não é a única aceitável. Por exemplo, haverá quem ache que não se deve subsidiar actividades, pura e simplesmente, porque os impostos são um "roubo". Haverá também quem tenha problemas "morais" com um subsídio a preservativos. O ponto era apenas frisar que existe uma externalidade, e que isso sugere intervenção estatal para melhoria de eficiência. Haverá quem ache que isto é "socialismo", como achará isso de qualquer intervenção estatal. Aceito o ponto da Ana. A omissão do "disclaimer" que fiz aqui deve-se à razão I.2). E também por achar que, como falamos de prevenir futuros casos de SIDA, será (na margem) mais aceitável (do que em outras questões) que se opte por uma perspectiva de eficiência económica, já que se trata de ajudar a "salvar vidas"u.
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Quanto ao "status", confesso que não entendo bem o ponto que quer fazer. Assumo que a ideia seria o estado fazer campanhas de publicidade, etc, em que usar preservativo passasse a ter um certo "status", digamos assim. Se é isso, discordo por duas razões. Primeiro, acho que o estado não deve intervir dessa forma. Segundo, não acho que isso fosse eficaz de qualquer modo, porque o "status" é por definição (ou pelo menos em grande parte) um fenómeno do foro social e não privado. Logo, usar ou não preservativo - porque não é verificável socialmente (muito menos de forma imediata, como é ter o autocolante da dádiva de Natal), estaria para além do "status".
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Temos também bastantes comentários de Biafra:
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6. «Uma questão ainda mais importante é avaliar para os diferentes grupos (com diferentes graus de risco) qual a elasticidade da procura de preservativos face ao preço. A meu ver (e por experiência de vida) ninguem FODE ou deixa de FODER (podes sensurar à vontade) por não querer gastar mais ou menos dinheiro em preservativos (isso é pura imaginação).»
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Na margem, haverá sempre, se a pessoa considerar o uso obrigatório, um efeito marginal, por pequeno que seja. Admito que na realidade seja muito pequeno, mas nulo não será. De qualquer modo, a avaliação das elasticidades dos diferentes grupos poderia parecer discriminatória, já para não referir difícil de implementar. Excepções seriam grupos que estão concentrados de forma óbvia, como estudantes do secundário ou do ensino superior. Aí admito que haveria espaço para ajustar políticas (de resto, isso faz-se hoje em dia, pelo menos aqui em Inglaterra, onde os preservativos são gratuitos para os estudantes, ainda que racionados). Este ponto, interessante, é omitido por II.1) e II.2).
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7. «E até desculpar essa não utilização por falta de informação é distorcer (a meu ver) a realidade. Não se trata de informação, mas sim de instrução/educação. Trata-se de fazer o individuo perceber qual o custo de oportunidade entre não ficar infectado e dispender Unidades Monetárias que cobram o risco de infecção vs o prazer físico a mais que teria não utilizando preservativo e aumentando a probabilidade de infecção (unidades de prazer carnal vs risco de infecção).»
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Era exactamente isso que eu queria dizer quando enfatisava o papel da informação, em lugar da recomendação.
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8. «À semelhança de uma empresa, os custos deverão ser imputados sempre aos respectivos centros de responsabilidade (o individuo). Por mais liberal que essa ideia possa parecer o que sempre me irritou é esta ideia de vitimização constante das pessoas. (...) Parece-me que estamos demasiado habituados/dependentes do paternalismo estatal como forma de nos desresponsabilizarmo-nos pelos nossos actos.»
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Subscrevo a sua crítica, mas acho que ela não faz sentido no contexto do meu artigo. Eu nunca pûs em causa a responsabilidade individual, muito menos apelei a qualquer teoria da vitimização. O que eu disse foi simplesmente que, por mais responsabilidade que os indivíduos sintam em si mesmos, por mais informação que tenham, a decisão de usar preservativo ou não vai sempre esquecer, na parte ou no todo, os benefícios conferidos a parceiros futuros. Essa externalidade é inabalável. Não é dependente de outros factores. Existe sempre. E sugere intervenção do estado com base na eficiência económica. Parece-me que só o Miguel Madeira é que terá percebido este ponto inteiramente. Ou seja, o argumento do subsídio não tem nada a ver (na minha argumentação, poderá ter na de outros, admito que sim) com o estar dependente ou não do paternalismo estatal. Aliás, eu insurjo-me contra esse paternalismo, logo, estaria em contradição se tal defendesse.
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No Causa Liberal, o CN diz o seguinte:
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9. «Faz-me lembrar o exemplo comum usado por parte (cada vez menor, espero) dos economistas para falar das externalidades: as barragens. Parece que é um problema que algumas possam, de alguma forma, beneficiar de "borla" com as decisões económicas de X, por isso, devemos obrigar Y a participar e a pagar. Mas desde quando é que vem mal algum ao mundo pelo facto de (...) alguém beneficiar com acções de terceiros? Por acaso gostariamos que fosse ao contrário? E isso é suposto justificar o... Estado? No caso da SIDA o caso até é mais fácil, em cada acto de risco, as pessoas tomam uma decisão cujos efeitos (os bons e os maus) recaiem sobre as duas de forma voluntária. A "sociedade" arranjará formas de reagir, seja pelo provável aumento do valor das relações de fidelidade e monogamia e outras.»
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O argumento é simples: existem exernalidades positivas, logo, numa lógica de eficiência económica, o óptimo social só será atingido se houver um subsídio à actividade que o gera. Que o CN ache que o estado não se deve preocupar com a eficiência é aceitável. Que o CN negue que existe uma externalidade, isso já me parece pouco aceitável. Eu admiti em cima que a lógica da eficiência não é única. Não percebo bem como é que o CN pretenderá justificar o estado sem passar pelo problema das externalidades (recordo que problemas de bens públicos e free-riding são casos especiais de externalidades). Quanto ao facto do acto ser voluntário e da sociedade reagir, só posso concordar. Haverá sempre reacção a todo e qualquer incentivo. E a escolha é livre. O ponto é que, sendo livre, não engloba nela todos os benefícios que o uso do preservativo acarreta. Nada de especial.
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N' A Arte da Fuga, diz o António Amaral:
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10. «A acção social do Estado "social" é frequentemente justificada pela necessidade de reduzir os riscos do dia-a-dia aos cidadãos, distribuindo os custos por todos. Como consequência, não só os cidadãos passam a não serem responsáveis pelo seu bem-estar, como vêm a sua percepção de risco pessoal ser embotada (...) Quando o risco é assumido pelo indivíduo, que passa a ser responsável por todas as consequências que advenham das suas acções, a sua escala de valores é questionada: é obrigado a ser consequente com as suas decisões. (...) Os valores da liberdade e responsabilidade deven ser ensinados, sem relativismos. E a Saúde Sexual não deve ser excepção, sejam quais forem os tabus...».
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Concordo inteiramente contigo. Há um trade-off entre responsabilidade e liberdade em geral. Mas repara que aqui eu apenas friso o ponto da externalidade. Eu não defendi o subsídio com base no paternalismo (antes pelo contrário) ou da "solidariedade". Meramente com base na eficiência, como forma de corrigir uma externalidade. Mas admito que na prática uma tal medida fosse percepcionada como sendo mais um encosto estatal, no contexto em que vivemos. ainda bem que para ti parecem não haver tabus - tens que te por a falar disso um dia :-)
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11. «Este seria o comportamento por defeito, mas alega-se que o "mercado" tem falhas, e que o Estado tem de garantir a "liberdade de escolha" aos que não querem adoptar comportamentos consequentes ("pagar mais")— à custa de todos, particularmente dos mais responsáveis e socialmente conscientes. É um esquema vicioso de solidariedade forçada, que acaba por ter efeitos perversos sobre a sociedade, porque destrói valores que promovem a sua coesão.»
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Por partes. Eu disse que o mercado aqui tinha uma falha e que numa lógica pura de eficiência económica, era recomendado um subsídio. Que a palavra "susbídio" esteja impregnada duma conotação má, não é culpa minha. O meu discurso é estritamente positivo e não normativo. Eu apenas digo que se atentarmos a uma lógica de eficiência, deve haver um subsídio. Já disse que esta lógica não é a única possível, mas julgo que é fulcral. Logo, não faz sentido falar no estado "garantir liberdade de escolha", porque não é isso que eu defendi. Por outro lado, qualquer esquema de redistribuição (ou "solidariedade forçada", como tu dizes, apesar de ser um paradoxo, mas ok) tem necessariamente efeitos perversos. Isso é inabalável. Ou se defende alguma redistribuição ou não. Os efeitos perversos existirão sempre. Por isso, o que importa é avaliar o que está em causa. É certo que a partir dum certo nível, essa redistribuição porá em causa alguma coesão, mas também me parece verdade que a ausência de qualquer redistribuição pode por em causa essa coesão, para não falar doutros valores.
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Há alguns comentários no próprio artigo que contém pontos adicionais aos já mencionados. Diz a Paula:
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12. «Resposta ao título do artigo: não, não deve. O Estado deve ter mais coisas com que se preocupar. Deveria sim promover a criação de instituições educativas que saibam que "debitar" receitas de Bom Comportamento (...) Indivíduos formados para saberem fazer previsões racionais acertadas de cálculo de risco num comportamento sexual é melhor do que sobrecarregar o Estado com essa tarefa.».
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Este argumento não tem qualquer validade. Ninguém põe em questão que não haja outros assuntos mais urgentes. O que se trata aqui é de pensar sobre determinado problema, que é bastante sério. Dizer que há coisas mais importantes, em si mesmo, é apenas fugir ao debate. Quanto às "receitas" de "Bom Comportamento", tal como estão descritas, cheiram-me a racionalismo estatal muito muito perigoso. De qualquer modo, educação é precisa, claro. O ponto final da Paula também me parece criticável porque ninguém quer "sobrecarregar" o estado com "essa" tarefa. A escolha será sempre do indivíduo. O que se pede é mais informação. E menos recomendação paternalista. A par de educação? Sim, claro. Ainda que não (necessariamente) nos moldes que a Paula parece sugerir. Mas uma coisa não invalida a outra.
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13. «Mas, sem duvida, que o perservativo dá uma contribuição positiva e tem beneficios "colaterais". (...). Penso que a contaminação heterosexual resulta da "comédia de enganos" que envolve muitas relações sexuais.»
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O VG, para além de corroborar a ideia (que é de facto um "facto", e não uma opinião) dos "efeitos colaterais", frisa um ponto importante: meio mundo anda a enganar meio mundo, e não é só nas novelas. Isso será provavelmente uma das causas para a subida nos casos de infecção em heterossexuais. Julgo que o facto de em cada 8 casos infectos, 7 serem heterossexuais seria suficientemente importante para merecer um artigo. A complexidade do tema e os seus emaranhados proporcionam grandes e agradáveis discussões, isso é certo.
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Só agora reparei que o Brainstorm também escreve algo:
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14. «E as externalidades negativas de semelhante subsídio? Porque devem, por exemplo, os casais monógamos pagar pelas "orgias"(!) sexuais de outros?Aliás, considerando a elevada “assimetria informacional” referida no artigo, actuais parceiros sexuais podem assumir que, em passadas relações, a outra parte usou sempre o preservativo subsidiado.»
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Tecnicamente, os "impostos" pagos para subsidiar o que quer que seja não são externalidades. Externalidades são efeitos colaterais que não passam pelo sistema de preços de mercado. Eu defendi acima que a lógica da eficiência não é única. Tremo um pouco com a lógica anarco-capitalista do Brainstorm, CN, e demais austríacos, mas compreendo-a. Quanto ao último ponto, está errado, pura e simplesmente. Se existe assimetria informacional, o efeito marginal disso é levar as pessoas - na margem - a utilizar menos preservativos do que se houvesse mais informação, porque isso é relativamente mais apetecível. [Repito: na margem]. Tal como se instalares câmaras de CCTV nos supermercados, os roubos diminuam, porque o roubo é na margem mais caro, já que a probabilidade de a pessoa ser apanha é maior. Exactamente o mesmo se passas numa relação sexual com inforamção assimétrica. Simples.
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Vejam também os comentários (já respondidos) no Mão Invisível.
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Não percam os comentários do Manuel Pinheiro na caixa deste post e também n'A Arte da Fuga.
16 Comments:
Tiago,
Um pequeno comentario. Falas de informacao e nao de paternalismo. Mas nao achas que o significado de dizer "Nao Fume Pois x" e' quase igual a "Se Fumar Nao Se Esqueca que X"? A informacao nao e' neutra nem meramente informativa, ela tambem necessariamente prescritiva (supondo que cancro, morte e afins sao tudo coisas que as pessoas preferem evitar)? Isto para dizer que enquanto houver preocupacoes publicas que justifiquem informacao o paternalismo (mesmo que mascarado ou indirecto) e' inevitavel?
Outro exemplo fora do conteudo do teu artigo. Um politico fala de criatividade, da necessidade de crescimento economico, dinamismo, rigor...Nao estara implicitamente a fazer recomendacoes que valorizm certos comportamentos?
By Joao Galamba, at 11:25 da tarde
Eu naõ disse "Não fume pois X", mas apenas "FUmar, X", ou seja, sem o "não" que é o que consubstantica a recomendação. DE qualquer modo, CONCORDO com o teu ponto geral, que julgo ser o seguinte: qualquer acto informativo pode ser tido como interferência. O meu ponto é que há diferentes "gradações" nesse nível de paternalismo. Assumo - acho que é esse o teu ponto - que não pode haver "absolutos".
Mas dái a achar que "Fumar 10 cigarros por dia mininui a esperança média de vida em X anos" estã ao mesmo nivel que "Não fume" vai uma grande diferença. É que a lógica de paternalismo traz também atrás a lógica policial do Big Brother, dos comporatmentos poltiicamente correctos, da uniformização da sociedade, das medidas tipo OMS.
Ou seja, diria que eu termos asboluos, algum paternalismo é de facto inevitável, mas não é por isso que devemos deixar de DIFERENCIAR diferentes níveis de paternalismo. Já te critiquei isto várias vezes, e volot a apontar isso: acho que por vezes dás demasiada (para náo dizer exclusiva) importãncia à existeência (ou nao) de absolutos, sem atenderes aos "niveis diferentes de intensidad" que eles podem ter.
Exemplo: tolerancia/intolerancia, parcialidade/imparcialidade, objectivo/subejctivo, etc. Claro que nenhum absoluto e possivel, mas dentro dos "in between" alguma diferenciação pode e deve ser (tantativamente( feita).
Quanto ao outro teu comentári, acho que sim. Mas repara que isso aí é "por definição", já que a pessoa está a falar das SUAS prefer~encias, logo, e em certo sentido, está a recomendar algo. Não num sentido agresivo ou coercivo, apenas num sentudo dialéctico. Tal como eu dizer "Gostei do filme X" é MAIS "recomendação" do que dizer "Os críticos gostaram de filme X", que é mais "informativo".
By Tiago Mendes, at 11:52 da tarde
Pode parecer óbvio, e lá está a falta de espaço, mas não te esqueças que as externalidades no caso da SIDA não derivam apenas da não infecção de um terceiro (and so on...).
Existe um conjunto de situações de saúde pública, de sustento moral de uma sociedade , de longevidade, de contágio de outras doenças que crescem num corpo praticamente sem sistema imunitário, desagregamento familiar, etc, que vão mais além do dano de passar um atestado de óbito pré-datado a alguém.
Contagiar alguém com SIDA não tem consequências que se consigam restringir ao infectado em si. É toda uma sociedade que sofre com sofre com isso independentemente de as suas análises dizerem que bºao tem o virus no sangue.
Abraço
By Anónimo, at 12:22 da manhã
Caro Manuel,
Acho que o teu ponto reforça duas coisas que eu referi, ainda que não necessariamente no artigo:
1. A importância de levar em conta as externalidades - que não se esgotam no "imediato", nem no "indivíduo" infectado;
2. O facto de uma análise económica baseada num certo individualismo poder ser redutora. Eu apontei o caso de Africa apra frisar o ponto que poderia estar em causa a própria sociedade. mas também as famílias, etc. Se bem que tenhamos que assumir que outras doenças também o põe em causa.
Fico quase comovido (mesmo) de ver um economista liberal duma escola próxima da minha a chamar (com toda a razão) a atenação para outros aspectos que poderão não se reflectir ou esgotar no "mercado".
Abraço,
By Tiago Mendes, at 12:26 da manhã
Deixei 2 comentários ao post do AA no Arte da Fuga, se tivesse mais tempo fazia um post, mas agora estou alí a escrever um no Pulo-do-Lobo.
Abraço
By Anónimo, at 12:43 da manhã
Já vi e comentei, estão excelentes. Vou ver também o Pulo-do-Lobo agora :)
Abraço,
By Tiago Mendes, at 12:45 da manhã
Manuel,
Nao sei se percebi bem o teu ponto, mas estavas a sugerir algo mais do que externalidades? Se essa foi a tua intencao, concordo totalmente contigo. Para alem do mal que se causa a x,y,z,...ha um mal social que nao me parece poder ser reduzido a algo causado a individuos. A Sida muda a propria forma como nos relacionamos uns com os outros, ela muda o contexto social onde existimos. Eu ja nao estudo economia ha uns anos valentes, mas ha algum nome para isto (em filosofia sao social goods/bads que e' algo diferente de public goods/bads)?
(se os austriacos sabem disto ainda nos acusam de postularmos entidades magicas)
Abracos,
Joao
By Joao Galamba, at 12:46 da manhã
Separei o social do public porque os primeiros nao resultam de escolhas mas sao algo que precede a propria escolha: eles afectam o contexto que torna as escolhas possiveis
By Joao Galamba, at 12:48 da manhã
ou seja elas nao sao falhas de mercado mas algo de natureza distinta
By Joao Galamba, at 12:49 da manhã
O João GAlamba assim que vê um cheiro a "holismo" fiac logo em polvorosa :)
De facto, foi isso que eu li no Manuel Pinheiro e concordo. Não acho que os efeitos todos possam ser redutíveis ao indiv´diu e a relações causa-efeito (será que o JM está a ler isto?).
O facto de mudar o "contexto" nao tem nada a ver com social bads, meu caro. É mesmo uma cena holistica-hermeneutica marada com a qual eu concordo :)
Abraço,
By Tiago Mendes, at 12:54 da manhã
"Não percebo bem como é que o CN pretenderá justificar o estado sem passar pelo problema das externalidades (recordo que problemas de bens públicos e free-riding são casos especiais de externalidades)."
O CN é um anarco-capitalista, não pretende justificar Estado nenhum.
Já eu, que até tenho alguma simpatia pelo anarco-socialismo (sem ser um "crente") é que não sei bem como descalçar esta bota (que eu próprio ajudei a calçar!). É díficil resolver essa externalidade sem Estado, mas talvez houvesse uma solução: os membros de "sindicatos" ou "comunas" que distribuissem preservativos grátis ou a baixo custo teriam mais fama de serem saudáveis e os outros seriam considerados "grupos de risco", o que talvez resolvesse o problema.
By Miguel Madeira, at 1:15 da manhã
Ou seja, o tal factor "status" até podia ser importante
By Miguel Madeira, at 1:21 da manhã
Muito bom o teu comentário, caro anarco-capitalista :)
Já agora, ia-te mandar um mail, a dizer-te algo que deve ser óbvio: que eu e o João teríamos muito gosto em conhecer-te (3ª feira, dia 20, Lisboa), tomar uns copos, e eventualmente andar à batatada com um verdadeiro comunistarista-quase-trotskista :-)
PS: Responde-me por email se preferires.
Abraço
By Tiago Mendes, at 1:25 da manhã
Fiquei sem fôlego... mas tenho de elogiar a abertura de espírito bem patente no artigo, no post e nos comentários...
By AA, at 11:49 da manhã
Tx, António, também saúdo a tua abertura de espírito neste tema e na reacção ao artigo em si. Abraço,
By Tiago Mendes, at 12:02 da tarde
Vamos por partes:
1.) Eu não creio que a minha visão de economia seja redutora. Eu afirmei que me fazia confusão, pois acho que existiriam outras expressões melhores para classificar o texto. Era uma opinião pessoal, não era para levares tão a peito.
2.) Eu não quis combater a ideia de externalidade, até porque afirmo que as outras doenças seguem o mesmo padrão. Era apenas notar um facto, que por vezes é esquecido.
3.) Acho que não compreendeste o que quis dizer. Primeiro, não sugiro de forma alguma uma violação da privacidade dos cidadãos ao nível do foro público. O que disse é que constitui um dever do estado, de informar todos os seus cidadãos acerca da doença, tanto ao nível dos meios de contágio bem como as actuais perspectivas de tratamento, e as estatísticas da incidência e prevalência da doença, entre outras. Não sei em que sentido compreendeste que a minha declaração pressuponha uma invasão do espaço privado, mas não era essa a minha intenção. Não querendo ser demasiado papista, apenas diria que o exemplo da tuberculose não é dos melhores, já que actualemente possui uma "ligação" forte com o HIV, EMBORA compreenda a intenção do exemplo.
4.) Incompreensão esclarecida. A minha divisão de vertentes de acção, causou o desentendimento. Todavia, no artigo não és muito claro quanto a este ponto, na minha opinião.
Abraço
By Bruno Gouveia Gonçalves, at 4:50 da tarde
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