aforismos e afins

15 fevereiro 2005

Aforismos 35 [Pensar IV]

"Avançar em conjunto, mas não pensar em conjunto." Marco Aurélio

"Quanto menos se tem em que reflectir, mais se fala. Pensar é meditarmos sobre nós próprios; e, quando falamos para nós, não nos passa pela cabeça falar aos outros." Montesquieu

"Não há prazer mais complexo que o do pensar." Jorge Luís Borges

"Ninguém no mundo tem poder sobre o seu juízo interior; embora possam obrigar-nos a dizer em pleno dia que é noite, não há força capaz de nos coagir a pensá-lo." Alain

"How can I tell what I think till I see what I say?" E. M. Forster

"All thought is immoral. Its very essence is destruction. If you think of anything, you kill it. Nothing survives being thought of." Oscar Wilde

Aforismos 34 [Pensar III]

"Pensar é fácil. Agir é difícil. Agir conforme o que pensamos isso ainda o é mais." Goethe

"Toda a nossa dignidade consiste, por conseguinte, no pensamento. (...) Empenhemo-nos, pois, em bem pensar: eis o princípio da moral." Pascal

"Penso, logo existo." Descartes

"Ora penso, ora existo." Paul Valéry

"Os pensamentos são como as flores, aquelas que apanhamos de manhã, mantém-se muito mais tempo viçosas." André Gide

Aforismos 33 [Mudança]

"Nem sempre sou da minha opinião." Paul Valéry

"Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma." Lavoisier

"Nada é tão agradável como a diversidade; Mudarmos de prisão faz as vezes da liberdade." Gilles Ménage

"Nem sempre convém virarmos a página, por vezes é preciso rasgá-la." Achille Chavée

"When it is not necessary to change, it is necessary not to change." Lucius Cary, Lord Falkland

13 fevereiro 2005

Pessoalismos 35 [escritos autobiográficos18]

[Rascunho de uma carta ao director de Answers]

"Tenho trinta e oito anos e sinto-me mais novo cada ano, porque todos os anos estou mais próximo de nunca ter realizado coisa alguma na vida. A realização envelhece-nos. Tudo tem o seu preço; o preço da realização é a perda da juventude. Só a falta de objectivos e um modo de vida inconsequente - se a palavra «modo» pode ser aplicada a uma tal ausência de rumo - nos mantêm jovens. Não me casei e por isso mantive-me livre tanto dos prazeres especiais como dos cuidados próprios dessa espécie de parceria; e o bem e o mal desse estado são igualmente envelhecedores. Nunca assentei numa profissão ou num rumo de vida, nem sequer numa opinião que durasse mais que o minuto passageiro em que foi defendida. Nunca tive uma ambição que um belo dia (e Lisboa tem sobretudo dias belos, em todas as estações) ou um vento leve não dissipassem e reduzissem a um sonho agradável e acidental. Nunca fiz um esforço real atrás de coisa alguma, nem apliquei fortemente a minha atenção excepto a coisas fúteis, desnecessárias e ficcionais. Sinto-me jovem porque tenho vivido a vida desta maneira. Dirá o senhor que não prestei qualquer serviço à humanidade, seja o que for que «serviço» e «humanidade» signifiquem (...). Fico mais jovem todos os dias porque nunca fiz nada e não posso envelhecer. Os meus prazeres são simples porque nem sequer lhes peço que sejam prazeres para mim. Sou um espectador de mim próprio e dos tempos, e não me sinto menos sábio do que os grandes homens deste pequeno mundo. Sou, por isso, capaz, por um uso natural da imaginação e da fantasia, de extrair impérios de encontros casuais e de impingir novos mundos." [Alexander Search]

Pessoalismos 34 [escritos autobiográficos17]

"Um plano geral de vida deve implicar, em primeiro lugar, a conquista de uma certa estabilidade financeira. Estabeleci como limite mínimo necessário para a coisa humilde a que chamo estabilidade financeira cerca de sessenta dólares, quarenta para as coisas necessárias e vinte para as coisas supérfluas da vida. (...)

A coisa essencial que vem a seguir é arranjar uma casa onde haja bastante espaço, uma boa área e bem distribuída, para arrumar todos os meus papéis e livros na devida ordem; e tudo isto não tendo eu grande possibilidade de me mudar dentro em breve. O mais fácil, aparentemente, seria alugar eu próprio uma casa - por uns oitos u, no máximo, nove dólares - e aí viver à vontade, mandando que lá me levassem o jantar (e o pequeno-almoço) todos os dias, ou algo do género. - Mas seria isto inteiramente conveniente?" [Alexander Search]

11 fevereiro 2005

Pessoalismos 33 [escritos autobiográficos16]

"Por mim, o meu egoísmo é a superfície da minha dedicação. O meu espírito vive constantemente no estudo e no cuidado da Verdade, e no escrúpulo de deixar, quando eu deixar a veste que me liga a este mundo, uma obra que sirva o progresso e o bem da Humanidade.
Reconheço que o sentido intelectual que esse Serviço da Humanidade toma em mim, em virtude de meu temperamento, me afasta, muitas vezes, das pequenas manifestações que em geral revelam o espírito humanitário. Os actos de caridade, a dedicação por assim dizer quotidiana são cousas que raras vezes aparecem em mim, embora nada haja em mim que represente a negação delas.

(...)

Pareço egoísta àqueles que, por um egoísmo absorvente, exigem a dedicação dos outros como um tributo." Fernando Pessoa

Pessoalismos 32 [escritos autobiográficos15]

"Pela minha parte, ofereço-lhes o meu auxílio. Sou um pobre recortador de paradoxos, mas possuo a qualidade de arranjar argumentos para defender todas as teorias, mesmo as mais absurdas, e é esta última a habilitação com que me recomendo." Alexander Search [Excerto de uma carta a um destinatário não identificado]

Pessoalismos 31 [estudos autobiográficos14]

"Cheguei, assim, ao meu 28º aniversário sem nada ter feito na vida - nada na vida, nas letras ou na minha própria individualidade. Até agora conheci o insucesso absoluto. Durante quanto tempoo, ai de mim!, terei de conhecê-lo ainda?
Quanto mais examino a minha consciência, menos me absolvo do nada que é a minha vida.
Que coisa horrível é esta que tanto me atrasou?
A minha leitura deficiente, a minha falta de espírito prático, a minha [ ]" Alexander Search

Pessoalismos 30 [escritos autobiográficos13]

"Se eu pudesse dedicar-me a qualquer coisa - a um ideal, a um canário, a um cão, a uma mulher, a uma investigação histórica, à solução impossível dum problema gramatical inútil... Então, sim, talvez fosse feliz. Esses nadas seriam coisas para mim. Mas nada é coisa para mim, senão as ficções dos meus sonhos, e essas são nadas por direito próprio. Ainda quando tenho o prazer de os sonhar, tenho a amargura de conhecer que os sonho.

Pensei em tempos em me dedicar ao estudo especial dos Quatro Evangelhos. Li com entusiasmo um livro sobre o assunto que comprei por impulso. Mandei vir outros, esperei-os com ansiedade. Quando chegaram não os li." Fernando Pessoa

Pessoalismos 29 [escritos autobiográficos12]

"Pareceu-me sempre que ser era ousar; que querer era aventurar-se. Inércia soube-me a santidade, e não querer a bons costumes. Construí assim uma moral burguesa do pensamento, um cuidado da comodidade e da decência através do respeito do mistério. (...) Nunca me compreendi, sobretudo quando me surpreendi a viver as inconsciências dos meus instintos e a vulgar comoção dos meus reflexos nervosos.

Estou triste e não sei
O que me desola...
Ler... perder-me... Achar
Dentro de mim [ ]
Só a ciência consola.

Só a ciência absolve e consola. A sorte sentimental dum erudito que passa a vida lendo, e relendo, no silêncio do seu gabinete, pareceu-me sempre a que mais pode convir a nervos doentes como os meus. O afastamento de tudo, a abdicação solene - como a de um rei do seu trono - de tudo quanto é a vida!" Fernando Pessoa

Pessoalismos 27 [escritos autobiográficos11]

"Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe.

Sinto crenças que não tenho. Enlevam-se ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me aponta traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho.

Sinto-me múltiplo.

Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única central realidade que não está em nenhum e está em todos.
Como o panteísta se sente onde e astro e flor, eu sinto-me vários seres. Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada, individuado por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço." Fernando Pessoa

10 fevereiro 2005

Pessoalismos 26 [escritos autobiográficos10]

"Nunca tive ideias sobre um assunto qualquer, que não buscasse logo ter outras. Achei sempre bela a contradição, assim como criador de anarquias me pareceu sempre o papel digno de um intelectual, dado que a inteligência desintegra e a análise estiola.

Procurei sempre ser espectador da vida, sem me misturar nela. (...)

Não tenho rancor a quem provocou isto. Eu não tenho rancores nem ódios. Esses sentimentos pertencem àqueles que têm um opinião, ou uma profissão ou um objectivo na vida. Eu não tenho nenhuma dessas cousas. Tenho na vida o interesse de um decifrador de charadas. Paro, decifro e passo adiante. Não emprego nenhum sentimento. Mas eu não tenho princípios. Hoje defendo uma cousa, amanhã outra. Mas não creio no que defendo hoje, nem amanhã terei fé no que defenderei. Brincar com as ideias e com os sentimentos pareceu-me sempre o destino supremamente belo. Tento realizá-lo quanto posso." [Fernando Pessoa]

Pessoalismos 25 [escritos autobiográficos 9]

"Não faço visitas, nem ando em sociedade alguma - nem de salas, nem de cafés. Fazê-lo seria sacrificar a minha unidade interior, entregar-me a conversas inúteis, furtar tempo se não aos meus raciocínios e aos meus projectos, pelo mens aos meus sonhos, que sempre são mais belos que a conversa alheia.

Devo-me à humanidade futura. Quando me desperdiçar desperdiço do divino património possível dos homens de amanhã; dinminuo-me a mim próprio, não só aos meus olhos reais, mas aos olhos possíveis de Deus.

Isto pode não ser assim mas sinto que é meu dever crê-lo." [Fernando Pessoa]

Pessoalismos 24 [escritos autobiográficos 8]

"Não me falo aos outros. (...)

O facto é que isto da gente se sentir socialmente enterrado vivo é muito desagradável. E então a tampa do caixão das convenções está tão bem soldada! (...)

Cada vez estou mais só, mais abandonado. Pouco a pouco quebram-se-me todos os laços. Em breve ficarei sozinho.

O meu pior mal é que não consigo nunca esquecer a minha presença metafísica na vida. De aí a timidez transcendental que me atemoriza todos os gestos, que tira a todas as minhas frases o sangue da simplicidade, da emoção directa.

Há entre mim e o mundo uma névoa que impede que eu veja as cousas como verdadeiramente são - como são para os outros." [Fernando Pessoa]

Pessoalismos 23 [escritos autobiográficos 7]

"Cerca-me um vazio absoluto de fraternidade e de afeição. Mesmo os que me são afeiçoados não me são afeiçoados; estou cercado de amigos que não são meus amigos e de conhecidos que não me conhecem.

Sinto frio na alma; não sei com que me agasalhar. Para o frio da alma não há manta nem capa. Quem o sente não se esquece.

Quer isto dizer que não tenho verdadeiros amigos? Não; eu tenho-os; mas não são meus amigos verdadeiros.
Ai daqueles que foram tocados do transcendental e a quem tudo dói por frio, inexpressivo e distante." [Fernando Pessoa]

Pessoalismos 22 [escritos autobiográficos 6]

"Deixei para trás o hábito a leitura. Já não leio nada excepto um ou outro jornal, literatura ligeira e, ocasionalmente, livros técnicos relativos a qualquer matéria que esteja a estudar e em que o simples raciocínio possa ser insuficiente.
A literatura propriamente dita quase abandonei. Podia lê-la por aprendizagem ou por prazer. Mas não tenho nada a aprender, e o prazer que se obtém dos livros é de um género que pode ser substituído com proveito pelo que o contacto com a natureza e a observação da vida me podem proporcionar directamente.
Estou agora na plena posse das leis fundamentais da arte literária. Shakespeare já não me pode ensinar a ser subtil, nem Milton a ser completo. O meu intelecto atingiu uma flexibilidade e um alcance tais que me permitem assumir qualquer emoção que deseje e entrar à vontade em qualquer estado de espírito. (...)
Tempos houve em que eu apenas lia pela utilidade da leitura. Compreendi agora que há muito poucos livros úteis, mesmo sobre os temas técnicos que me possam interessar. (...).
Descobri que a leitura é uma forma servil de sonhar. Se tenho de sonhar, por que não os meus próprios sonhos?" [Alexender Search]