Julgo que a mensagem que pretendi transmitir
neste artigo não ficou totalmente clara. Recorro, então, ao silogismo*. A ideia era esta:
Premissa 1 (Juízo de valor): É bom que a lei consagre "propostas relacionais" efectivamente diferentes do casamento.
Premissa 2 (Facto): A união de facto representa uma diferenciação "mínima" face ao casamento.
Conclusão (Recomendação): A união de facto não deve ser alterada de modo a conter "mais" direitos, sob pena de perder o seu carácter diferenciador face ao casamento.
A primeira premissa é naturalmente discutível. Quanto a mim, é bom que haja alguma diversidade no "menu de relações" sancionadas pelo estado. Este não deve ser demasiado grande, no entanto, quer pelos custos físicos que isso tem, quer pelo facto de tornar a diferenciação menos visível. Se não podem existir muitas alternativas, deve (já há) existir mais do que uma (o casamento, instituição a preservar).
A segunda premissa é o argumento que exponho no segundo parágrafo do
artigo. O ponto é simples: se para haver "alguma" diferenciação entre o casamento e outra forma de contrato X tem de haver uma diferença na visibilidade social (VS), mas também em algo mais substantivo (porque só "fogo de vista" não chega), e isso é provavelmente a independência financeira (IF), então, VS e IF estão, mais do que positivamente correlacionadas entre si, ligadas por um
fio lógico. Ou seja, se há "alguma" diferenciação, nela têm de estar incluídas
necessariamente VS e IF: a primeira
implica a segunda.
Ora, a união de facto consubstancia quer VS quer IF. Logo, ela representa a diferenciação "mínima" face ao casamento, e, como tal, não deve ser alterada de modo a incluir "mais" direitos, mas, quando muito, "menos" direitos (no que deveria resultar uma nova "proposta" e não uma alteração da mesma).
[Ressalva: claro que há aqui um exagero no encadeamento lógico da ideia de diferenciação, o que não deve ser levado literalmente mas sim como forma de, através duma pequena simplicação, entender o que está verdadeiramente em causa.]
A conclusão (dadas as premissas) é imediata e parece-me não ser discutível. A ideia expressa na frase «Sendo certo que isto não se aplica a duas pessoas do mesmo sexo, importa ter presente que a necessidade de mudança do quadro legislativo que versa os relacionamentos homossexuais não deve pôr em causa os actuais contornos da união de facto.» é fulcral - e parece-me que deu azo a múltiplas interpretações. Talvez tenha faltado um pouco de contexto para tornar isto mais claro. O ponto é este: embora a regulamentação esteja ainda algo confusa, já é possível haver uniões de facto de pessoas do mesmo sexo em Portugal. O casamento é que está vedado.
Ora, houve algumas pessoas, como Lobo Xavier e Guilherme da Silva, depois apoiados por Eduardo Pitta e Constança Cunha e Sá, que defenderam que a união de facto devia ter direitos alargados. Nos caso dos dois primeiros, isto passa claramente como um "tudo por tudo" (perfeitamente legítimo, atenção) para evitar que os homossexuais tenham acesso ao casamento. No caso dos dois últimos, parece-me ser genuína preocupação com uma situação de "injustiça/discriminação", que eu partilho, embora não tire daí as mesmas exactas conclusões.
Em qualquer dos casos - e salvaguardadas as diferenças nas "intenções" dos sujeitos indicados, que valem, obviamente, muito, para não dizer "tudo" - ou se esquecem ou se desvalorizam os direitos adquiridos por quem já está unido de facto e conta com um certo leque de direitos e deveres. No caso de ALX e GS, estamos perante um "rebuçado" dado aos activistas gay para ver se eles param de "berrar", através da expansão de direitos incluídos actualmente na união de facto. Eu sou contra isso. Acho que a alteração deve vir por outra forma que não esta. O valor da "variedade" no tal "menu de propostas" é grande. E as expectativas que em vive actualmente em união de facto devem ter algum peso também. No caso de EP e CCS, eu diria que as baterias devem ser focadas numa alteração mais "corajosa", semelhante ao que já existe noutros países, em jeito de "ruptura" e não de "alargamento" do que já existe. Que é como quem diz, ter presente o «Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura». E os portugueses, com a sua conhecida tolerância milenar pelo outro, são um bocdinho duros de roer, é um facto. Há que perserverar.
A analogia com os "seguros" é usada porque qualquer relação humana tem, pelo menos em parte, como objectivo precaver contra a "incerteza" que o futuro nos traz, e envolve cedências de parte a parte. O tal "prémio" (deveres) e "assistência" (direitos) de que falo no artigo. A ideia da diferenciação e da variedade é que, tal como no mercado de seguros, deve existir alguma possibilidade de escolha, de forma a que as pessoas se "auto-seleccionem" consoante as suas preferências, ou seja, que escolham o "pacote" que mais lhes agradar. Umas serão mais avessas ao risco, outras menos. Umas mais independentes, outras menos. Há quem prefira casar, há quem prefira uma união de facto, há quem prefira ficar solteiro. Permitir real liberdade de escolha a pessoas (neste caso, casais) que têm preferências diferentes, é trazer valor acrescentado à coisa.
Concluindo, as mensagens são duas:
Primeira - e prioritária: a diferenciação efectiva de diferentes regimes de coabitação deve ser preservada, porque essa variedade aumenta o bem-estar, via uma acrescida liberdade de escolha;
Segunda - e subsidiária: mais direitos para casais do mesmo sexo, sim, mas deixem as uniões de facto - quer versem sobre relacionamentos heterossexuais quer homossexuais - em paz.
*uma pequena nota, em jeito de desabafo: o artigo que escrevi tem cerca de 2.700 caracteres, e esta "adenda" tem quase 5.400 - o dobro, portanto. Ou seja, há muito, mas mesmo muito, por aprender.