30 junho 2005
Emídio Guerreiro (3)
Mais um dia em que a Morte nos lembra que sempre anda por aí.
O dia em que pegou ao colo esse homem com H grande que foi Emídio Guerreiro. Um homem que viveu o fim da monarquia, as duas Grandes Guerras, Salazar, o 25 de Abril... e o dia de ontem ainda.
Um homem que honrou o seu nome, porque tudo aquilo por que lutou teve por detrás a força e entrega de um verdadeiro guerreiro.
Que foi sempre um lutador pela liberdade; um defensor da razão;
um soldado da fraternidade. Paz à alma de um homem bom.
O dia em que pegou ao colo esse homem com H grande que foi Emídio Guerreiro. Um homem que viveu o fim da monarquia, as duas Grandes Guerras, Salazar, o 25 de Abril... e o dia de ontem ainda.
Um homem que honrou o seu nome, porque tudo aquilo por que lutou teve por detrás a força e entrega de um verdadeiro guerreiro.
Que foi sempre um lutador pela liberdade; um defensor da razão;
um soldado da fraternidade. Paz à alma de um homem bom.
Emídio Guerreiro (1)
No fim do jantar, fez um discurso emotivo. Falou de pé durante três quartos de hora. Lembro-me bem de algumas partes. Mas a certa altura disse algo que não quis perder e que por isso escrevi nas páginas finais de um livro (...).
«Vi muitas coisas na minha vida. Vi guerras, vi misérias. Mas vi a demonstração da conjectura de Fermat».
Só um grande espírito poderia considerar um vitória pura da razão como uma das coisas mais importantes da vida.
«Vi muitas coisas na minha vida. Vi guerras, vi misérias. Mas vi a demonstração da conjectura de Fermat».
Só um grande espírito poderia considerar um vitória pura da razão como uma das coisas mais importantes da vida.
Escutando Vergílio Ferreira (5)
«Não te humilhes tanto. Para dizeres de alguém que está abaixo de ti, porque hás-de dizer que "está abaixo de cão"?»
29 junho 2005
The wit and humour of Oscar Wilde (4)
«Every women is a rebel, and usually in wild revolt against herself.»
Mulheres invulgares
Em jeito de aperitivo ao post seguinte, revisito duas histórias de «mulheres invulgares» publicadas outrora: a «sra. Nokia» que se retirou da sua vida agitada, e a primeira tenente-coronel portuguesa.
As mulheres e o feminismo
Num artigo bem feminista, Clara Ferreira Alves insurgiu-se com uma declaração algo infeliz do presidente da Harvard University. Aqui está o post que eu escrevi sobre isso, e aqui o post sobre um artigo que uma estudante de Oxford (que desconheço) também escreveu sobre essa polémica. Sugiro que leiam os dois posts inteiros (e o artigo todo, já agora) antes de tirarem conclusões - o artigo da estudante está muito bem escrito e é muito interessante de ler.
A minha mensagem é muito simples: sou o máximo que se pode ser a favor da igualdade de oportunidades entre os dois sexos, e concordo que ainda há muito por fazer. Não sou é a favor de desonestidades intelectuais onde quer que seja.
E, querer impor à partida a igualdade entre homens e mulheres em tudo simplesmente porque deve ser assim - um suposto «imperativo moral» - é uma forma de impostura intelectual. Já lá vai o tempo em que o sábio bebeu a cicuta para ficar de bem consigo próprio...
Hoje é calar e andar, cavalgando sorridentemente a onda do politicamente correcto para não chatear ninguém, mesmo se o conhecimento científico porventura indicar - repito: porventura - haver diferenças significativas entre os homens e as mulheres.
Eu não quero viver num mundo onde sacrificamos a verdade ao bem-estar esponjoso duma (ir)realidade sonhada. Eu também quero um mundo perfeito, onde todos olharemos de igual para igual, mas no respeito e na convivência, não na construção de cada um nem na imposição de padrões de comportamento, que vão contra o princípio base da liberdade individual e soberania da escolha. Um mundo onde não se procure e, pior, onde se deturpe ou se negue a verdade nunca pode ser perfeito. Pelo menos para mim.
A minha mensagem é muito simples: sou o máximo que se pode ser a favor da igualdade de oportunidades entre os dois sexos, e concordo que ainda há muito por fazer. Não sou é a favor de desonestidades intelectuais onde quer que seja.
E, querer impor à partida a igualdade entre homens e mulheres em tudo simplesmente porque deve ser assim - um suposto «imperativo moral» - é uma forma de impostura intelectual. Já lá vai o tempo em que o sábio bebeu a cicuta para ficar de bem consigo próprio...
Hoje é calar e andar, cavalgando sorridentemente a onda do politicamente correcto para não chatear ninguém, mesmo se o conhecimento científico porventura indicar - repito: porventura - haver diferenças significativas entre os homens e as mulheres.
Eu não quero viver num mundo onde sacrificamos a verdade ao bem-estar esponjoso duma (ir)realidade sonhada. Eu também quero um mundo perfeito, onde todos olharemos de igual para igual, mas no respeito e na convivência, não na construção de cada um nem na imposição de padrões de comportamento, que vão contra o princípio base da liberdade individual e soberania da escolha. Um mundo onde não se procure e, pior, onde se deturpe ou se negue a verdade nunca pode ser perfeito. Pelo menos para mim.
The wit and humour of Oscar Wilde (3)
«I am sick of women who love me. Women who hate me are much more interesting.»
Escutando Vergílio Ferreira (4)
«Ter firmeza de carácter é defender aquilo em que já se não acredita. Ninguém diz que tem firmeza de carácter quem disser que a Terra é redonda.»
Cunhal (7)
Deixo aqui alguns excertos da entrevista que Cunhal deu ao Independente em 1990, republicada a 18-06-2005, mas que já não se encontra online. Entrevistam Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas.
«Éramos três conservadores à mesa do café. Os doutores Cunhal, Portas e Esteves Cardoso. Ou, se preferirem, os camaradas Álvaro, Paulo e Miguel. Como seria de esperar, demo-nos lindamente. Vimo-nos aflitos para discordar minimamente.
Álvaro Cunhal tem uma lenda admirável, está colado à história. Numa época omissa em qualidades de carácter, o dirigente comunista é uma excepção. É corajoso, dedicado, coerente, íntegro, constante. (...) Álvaro Cunhal é um homem direito. Não tem medo da vida nem da morte nem de Deus. (...) Sabe muito, mas parece sentir tudo o que sabe. É simpático sem ser sedutor, é inteligente sem ser espertalhão. Até parece um homem aberto e justo. É muito, muito vivo. Ri-se, surpreende-se, faz bonecos, deixa-se agitar. Ao conversar connosco, tem a solidez de quem se sente estar do lado dos outros. É a terrível vaidade do serviço. A vaidade do verdadeiro colectivista.
Estivemos com ele duas vezes. Quatro horas. Ficámos impressionados. Diz-se marxista-leninista "com hífen". É o eterno comunista. Para muitos, será o último. Nós ficámos a acreditar que podia ser o primeiro.
Acredita mais no coração ou na razão?
Tudo intervém. Razão e coração, não são duas coisas que possam andar independentes em cada um de nós.
(...)
O senhor tem um ar organizado, frio quando é necessário, afectivo quando é preciso. Os portugueses não o irritam?
Se me permite, a minha relação com os outros não depende da necessidade. Não gosto de relações verticais, um a falar de cima, o outro a sentir-se por baixo. Procuro relações horizontais seja com quem for. E havia de irritar-me porquê? A espontaneidade é muito boa e não faço nenhum esforço por contrariá-la.
(...)
Tem paciência para a estupidez?
Não sei a que é que chamam de estupidez. É difícil definir estupidez. Muitas vezes confunde-se estupidez com falta de conhecimento. E pode haver falta de conhecimento e haver inteligência. Daí a necessidade de discernir onde há uma menor faculdade intelectual. Quem está habituado a lidar com gente de variados níveis de instrução deve ter essa cautela.
Prefere estar a falar com um mau camarada ou com um bom adversário?
Não tenho maus camaradas nem bons adversários. É uma distinção um pouco subtil. Posso dizer-lhe que gosto de falar com qualquer pessoa. Seja adversário, seja camarada, tenha mais ou menos instrução, seja analfabeto, seja um sábio. Aquilo que é difícil para mim não são as conversas, são os jogos. Há uma pessoa com quem falei muitas vezes, uma pessoa responsável, e não posso garantir que lhe tenha apanhado alguma verdade.
É o Mário Soares!
Não fui eu que o disse. Mas também posso dizer que falei com pessoas que nunca apanhei a mentir.
A política partidária tem regras que impõe alguma hipocrisia.
No que respeita ao meu partido, preferimos perder votos com a verdade a ganhá-los com a mentira.
(...)
Porque é que escolheu Direito?
Porque o meu pai era advogado.
(...)
Mas, por exemplo, quando esteve doente, tu cá tu lá com a morte, nessa altura falou com Deus?
Não, falei com os médicos. Mas, por formação do meu partido, sou respeitador dos crentes. Acho que as crenças não são uma questão a resolver nem em milénios.
(...)
Fica zangado quando o acusam de ser conservador?
Zangado não é uma palavra que traduza um estado de espírito que me seja próprio.
PS: Mais excertos desta entrevista aqui e ali.
«Éramos três conservadores à mesa do café. Os doutores Cunhal, Portas e Esteves Cardoso. Ou, se preferirem, os camaradas Álvaro, Paulo e Miguel. Como seria de esperar, demo-nos lindamente. Vimo-nos aflitos para discordar minimamente.
Álvaro Cunhal tem uma lenda admirável, está colado à história. Numa época omissa em qualidades de carácter, o dirigente comunista é uma excepção. É corajoso, dedicado, coerente, íntegro, constante. (...) Álvaro Cunhal é um homem direito. Não tem medo da vida nem da morte nem de Deus. (...) Sabe muito, mas parece sentir tudo o que sabe. É simpático sem ser sedutor, é inteligente sem ser espertalhão. Até parece um homem aberto e justo. É muito, muito vivo. Ri-se, surpreende-se, faz bonecos, deixa-se agitar. Ao conversar connosco, tem a solidez de quem se sente estar do lado dos outros. É a terrível vaidade do serviço. A vaidade do verdadeiro colectivista.
Estivemos com ele duas vezes. Quatro horas. Ficámos impressionados. Diz-se marxista-leninista "com hífen". É o eterno comunista. Para muitos, será o último. Nós ficámos a acreditar que podia ser o primeiro.
Acredita mais no coração ou na razão?
Tudo intervém. Razão e coração, não são duas coisas que possam andar independentes em cada um de nós.
(...)
O senhor tem um ar organizado, frio quando é necessário, afectivo quando é preciso. Os portugueses não o irritam?
Se me permite, a minha relação com os outros não depende da necessidade. Não gosto de relações verticais, um a falar de cima, o outro a sentir-se por baixo. Procuro relações horizontais seja com quem for. E havia de irritar-me porquê? A espontaneidade é muito boa e não faço nenhum esforço por contrariá-la.
(...)
Tem paciência para a estupidez?
Não sei a que é que chamam de estupidez. É difícil definir estupidez. Muitas vezes confunde-se estupidez com falta de conhecimento. E pode haver falta de conhecimento e haver inteligência. Daí a necessidade de discernir onde há uma menor faculdade intelectual. Quem está habituado a lidar com gente de variados níveis de instrução deve ter essa cautela.
Prefere estar a falar com um mau camarada ou com um bom adversário?
Não tenho maus camaradas nem bons adversários. É uma distinção um pouco subtil. Posso dizer-lhe que gosto de falar com qualquer pessoa. Seja adversário, seja camarada, tenha mais ou menos instrução, seja analfabeto, seja um sábio. Aquilo que é difícil para mim não são as conversas, são os jogos. Há uma pessoa com quem falei muitas vezes, uma pessoa responsável, e não posso garantir que lhe tenha apanhado alguma verdade.
É o Mário Soares!
Não fui eu que o disse. Mas também posso dizer que falei com pessoas que nunca apanhei a mentir.
A política partidária tem regras que impõe alguma hipocrisia.
No que respeita ao meu partido, preferimos perder votos com a verdade a ganhá-los com a mentira.
(...)
Porque é que escolheu Direito?
Porque o meu pai era advogado.
(...)
Mas, por exemplo, quando esteve doente, tu cá tu lá com a morte, nessa altura falou com Deus?
Não, falei com os médicos. Mas, por formação do meu partido, sou respeitador dos crentes. Acho que as crenças não são uma questão a resolver nem em milénios.
(...)
Fica zangado quando o acusam de ser conservador?
Zangado não é uma palavra que traduza um estado de espírito que me seja próprio.
PS: Mais excertos desta entrevista aqui e ali.
28 junho 2005
The wit and humour of Oscar Wilde (2)
«A woman will flirt with anybody in the world as long as other people are looking on.»
M/18
Post para maiores de idade. Confesso que me vi impotente ao tentar enfiar um pop-up de aviso para as criancinhas. E fiquei a pensar se isso é a prova de que não sou mesmo pau-para-toda-a-obra.
Parceir@s perfeit@s
Descobri aqui que para ser um gajo perfeito tenho que:
1. Deixar de usar meias na cama;
2. Passar a ir à bola de vez em quando;
3. Comprar uns óculos com visão 360º para não ter que virar a cara quando passa uma Loura toda gira (ou apenas parcialmente, já que sou tolerante e catolicamente compreensivo para com a próxima).
A primeira ainda consigo mudar. Mas a segunda nem por nada. Só fui uma vez a um estádio, ver o Portugal-Estónia, para perder a «virgindade-de-bola» e porque não se pagava (fiz uma revolução quando descobri que afinal eram 100 escudos para entrar). A terceira é trabalhar nela e depois fazer uma patente. Meninas! Também podem ver aqui o que é que alguns homens procuram em «vocêzes».
1. Deixar de usar meias na cama;
2. Passar a ir à bola de vez em quando;
3. Comprar uns óculos com visão 360º para não ter que virar a cara quando passa uma Loura toda gira (ou apenas parcialmente, já que sou tolerante e catolicamente compreensivo para com a próxima).
A primeira ainda consigo mudar. Mas a segunda nem por nada. Só fui uma vez a um estádio, ver o Portugal-Estónia, para perder a «virgindade-de-bola» e porque não se pagava (fiz uma revolução quando descobri que afinal eram 100 escudos para entrar). A terceira é trabalhar nela e depois fazer uma patente. Meninas! Também podem ver aqui o que é que alguns homens procuram em «vocêzes».
Teoremas Pessoanos (2)
«A nossa personalidade deve ser indevassável, mesmo por nós próprios: daí o nosso dever de sonharmos sempre, e incluirmo-nos nos nossos sonhos, para que nos não seja possível ter opiniões a nosso respeito. E especialmente devemos evitar a invasão da nossa personalidade pelos outros. Todo o interesse alheio por nós é uma indelicadez ímpar. O que desloca a vulgar saudação - como está? - de ser uma indesculpável grosseria é o ser ela em geral absolutamente oca e insincera.»
Cunhal (6)
Há uns tempos, perguntaram-lhe se gostava desta pintura, desse livro, daquele filme... e o senhor deu uma resposta curiosa. Disse que não queria estar a dar opiniões pessoais para não influenciar os seus camaradas. Isso não será uma forma, embora muito sofisticada, de vaidade?
Não sei. Há pessoas muito espontâneas e eu gosto muito da espontaneidade. Não tenho o espírito da defesa, do cálculo e não luto pela promoção. Isso vem de uma educação anterior. Vem da clandestinidade em que ninguém se promovia. É uma formação ética. Em relação à literatura, ou à arte, creio que é um domínio que me é familiar. Não é que não esteja em condições de ter uma conversa sobre isso. Mas quando dou uma entrevista, em que sou solicitado como secretário-geral do partido, penso que os meus gostos e preferências podem ser interpretados como um posicionamento político. É o grande risco que correram, e com resultados negativos, alguns partidos comunistas em alguns países. Os dirigentes atreveram-se a transformar o seu próprio gosto, a sua opinião pessoal, numa ideia de partido. Essa é a coisa mais terrível que pode acontecer. Quando se tem uma certa responsabilidade a nível partidário, é necessária uma certa contenção. Por exemplo, a questão da arte. É sabido que em vários países socialistas houve uma política oficial e partidária relativa ao estilo e à forma. Procedeu-se quase a uma exclusão de formas de expressão que não estivessem de harmonia com a ideologia dos dirigentes, por vezes, com o gosto dos dirigentes. Os resultados foram muito negativos.
(...)
Só que há outra forma de culto da personalidade, que é a não exibição, a ocultação e o mistério. O senhor é tradicionalmente considerado um dos homens mais misteriosos da vida política portuguesa. Parece que joga com o segredo. Ninguém sabe sobre si aquele mínimo que se devia saber. Nem onde vive, nem as suas paixões.
Nem eu lhes vou contar!!!! Passar do culto da personalidade para uma reserva pessoal parece-me ser um salto muito grande. Há que definir que a autoridade de um militante pode ser reconhecida sem haver o culto da personalidade.
Quais são os limites da privacidade do político?
Vivi muitos anos na clandestinidade. Desde a minha juventude até ao 25 de Abril, com pequenos intervalos. Tenho uma experiência de vida que representou uma certa contenção da informação acerca da minha vida própria, não só a vida pessoal considerada em termos restritos, mas ainda em termos mais vastos. Eu gosto, por exemplo, de desenhar e até estão publicados alguns desenhos meus. Mas não gosto muito de falar sobre isso: se desenho ou não, se pinto ou não. Gosto de escrever mas não é meu hábito dizer se estou ou não a preparar algum trabalho. São aspectos que não têm afinal nada a ver com a privacidade, que não resultam de nenhum propósito de criar mistério. Sou franco a falar e até acho que é difícil existir uma outra vida tão conhecida como a minha. É conhecida. Mas não é devassada. É acompanhada o suficiente para eu não ter segredos. Nem todos têm conhecimento de tudo, mas não há nada que ninguém conheça. Não existem aspectos da minha vida que tenha necessidade de reservar ou defender, mas não sou daqueles que procura a sua promoção pública através da publicação das suas fotografias enquanto era pequenino, com os manos, dando a conhecer as suas virtudes desde tenra idade; depois fotos de quando tirou o curso; os resultados do curso com a fotografia do diploma; depois os seus hobbies mais conhecidos. Isso é romper com a privacidade num sentido de marketing. Enfim, são estilos.
Não sei. Há pessoas muito espontâneas e eu gosto muito da espontaneidade. Não tenho o espírito da defesa, do cálculo e não luto pela promoção. Isso vem de uma educação anterior. Vem da clandestinidade em que ninguém se promovia. É uma formação ética. Em relação à literatura, ou à arte, creio que é um domínio que me é familiar. Não é que não esteja em condições de ter uma conversa sobre isso. Mas quando dou uma entrevista, em que sou solicitado como secretário-geral do partido, penso que os meus gostos e preferências podem ser interpretados como um posicionamento político. É o grande risco que correram, e com resultados negativos, alguns partidos comunistas em alguns países. Os dirigentes atreveram-se a transformar o seu próprio gosto, a sua opinião pessoal, numa ideia de partido. Essa é a coisa mais terrível que pode acontecer. Quando se tem uma certa responsabilidade a nível partidário, é necessária uma certa contenção. Por exemplo, a questão da arte. É sabido que em vários países socialistas houve uma política oficial e partidária relativa ao estilo e à forma. Procedeu-se quase a uma exclusão de formas de expressão que não estivessem de harmonia com a ideologia dos dirigentes, por vezes, com o gosto dos dirigentes. Os resultados foram muito negativos.
(...)
Só que há outra forma de culto da personalidade, que é a não exibição, a ocultação e o mistério. O senhor é tradicionalmente considerado um dos homens mais misteriosos da vida política portuguesa. Parece que joga com o segredo. Ninguém sabe sobre si aquele mínimo que se devia saber. Nem onde vive, nem as suas paixões.
Nem eu lhes vou contar!!!! Passar do culto da personalidade para uma reserva pessoal parece-me ser um salto muito grande. Há que definir que a autoridade de um militante pode ser reconhecida sem haver o culto da personalidade.
Quais são os limites da privacidade do político?
Vivi muitos anos na clandestinidade. Desde a minha juventude até ao 25 de Abril, com pequenos intervalos. Tenho uma experiência de vida que representou uma certa contenção da informação acerca da minha vida própria, não só a vida pessoal considerada em termos restritos, mas ainda em termos mais vastos. Eu gosto, por exemplo, de desenhar e até estão publicados alguns desenhos meus. Mas não gosto muito de falar sobre isso: se desenho ou não, se pinto ou não. Gosto de escrever mas não é meu hábito dizer se estou ou não a preparar algum trabalho. São aspectos que não têm afinal nada a ver com a privacidade, que não resultam de nenhum propósito de criar mistério. Sou franco a falar e até acho que é difícil existir uma outra vida tão conhecida como a minha. É conhecida. Mas não é devassada. É acompanhada o suficiente para eu não ter segredos. Nem todos têm conhecimento de tudo, mas não há nada que ninguém conheça. Não existem aspectos da minha vida que tenha necessidade de reservar ou defender, mas não sou daqueles que procura a sua promoção pública através da publicação das suas fotografias enquanto era pequenino, com os manos, dando a conhecer as suas virtudes desde tenra idade; depois fotos de quando tirou o curso; os resultados do curso com a fotografia do diploma; depois os seus hobbies mais conhecidos. Isso é romper com a privacidade num sentido de marketing. Enfim, são estilos.
27 junho 2005
Delírio
«Não conheço o futuro. Por isso não lhe dou importância. Desde pequeno que me ensinaram a não ligar a desconhecidos.» Daqui.
Cunhal (5)
Alguma vez esteve com Estaline?
Vi-o uma vez, mas só de passagem. (...) Não quero fazer uma apreciação pessoal de Estaline.
Mas do estalinismo...
Eu não vou propor ou sugerir uma leitura, mas eu escrevi muitas páginas sobre a caracterização do estalinismo. (...) É uma coisa que não queremos e que repudiamos. O estalinismo como ideologia, acção política, como organização do Estado, como organização do partido, como intervenção antidemocrática interna ou externa do partido. Naturalmente que rejeitamos. (...)
(...)
Não responde é a URSS, "o Sol da Terra", como disse há uns anos?
Uma vez que essa minha suposta resposta tem sido reproduzida muitas vezes, vou esclarecer em que circunstâncias e em que contexto afirmei coisa semelhante. Foi durante a II Guerra Mundial. Estávamos em profunda clandestinidade, os exércitos hitlerianos iam até aos Pirinéus, iam até Moscovo, invadiam a Noruega e o mundo parecia já derrotado e abafado pelo fascismo. Os japoneses invadiam o sudeste da Ásia e parecia não haver nenhuma esperança. Em Portugal, aqueles que se interessavam pela sorte da Guerra tinham uns mapazinhos com umas bandeiras assinalando a linha da frente e, segundo os comunicados que chegavam, iam deslocando as bandeiras e examinando a situação. Para aqueles que viviam a ameaça da invasão da península pelos hitlerianos, a notícia de uma vitória na frente soviética era para nós como o Sol que vinha do Oriente. Foi isso que eu quis dizer.»
Vi-o uma vez, mas só de passagem. (...) Não quero fazer uma apreciação pessoal de Estaline.
Mas do estalinismo...
Eu não vou propor ou sugerir uma leitura, mas eu escrevi muitas páginas sobre a caracterização do estalinismo. (...) É uma coisa que não queremos e que repudiamos. O estalinismo como ideologia, acção política, como organização do Estado, como organização do partido, como intervenção antidemocrática interna ou externa do partido. Naturalmente que rejeitamos. (...)
(...)
Não responde é a URSS, "o Sol da Terra", como disse há uns anos?
Uma vez que essa minha suposta resposta tem sido reproduzida muitas vezes, vou esclarecer em que circunstâncias e em que contexto afirmei coisa semelhante. Foi durante a II Guerra Mundial. Estávamos em profunda clandestinidade, os exércitos hitlerianos iam até aos Pirinéus, iam até Moscovo, invadiam a Noruega e o mundo parecia já derrotado e abafado pelo fascismo. Os japoneses invadiam o sudeste da Ásia e parecia não haver nenhuma esperança. Em Portugal, aqueles que se interessavam pela sorte da Guerra tinham uns mapazinhos com umas bandeiras assinalando a linha da frente e, segundo os comunicados que chegavam, iam deslocando as bandeiras e examinando a situação. Para aqueles que viviam a ameaça da invasão da península pelos hitlerianos, a notícia de uma vitória na frente soviética era para nós como o Sol que vinha do Oriente. Foi isso que eu quis dizer.»
The wit and humour of Oscar Wilde (1)
«The real Don Juan is not the vulgar person who goes about making love to all women he meets, and what the novelists call 'seducing' them. The real Don Juan is the man who says to women: 'Go away!
I don't want you. You interfere with my life. I can do without you.'
Swift was the real Don Juan. Two women died for him!»
I don't want you. You interfere with my life. I can do without you.'
Swift was the real Don Juan. Two women died for him!»
26 junho 2005
Divãneios Pessoanos (4)
«Senti prazer ao ver que tinha prazer, contentamento por estar contente: era o prazer do prazer, voluptas voluptatis.»
Sexualidade
Um ensaio que já recomendei tanta vez e sem nunca me cansar. Por um dos mais influentes moral philosophers do séc. XX, Robert Nozick.
«THE MOST INTENSE WAY we relate to another person is sexually. Nothing so concentrates the mind (...) as the prospect of being hanged. (...) Sex is not simply a matter of frictional force. The excitement comes largely in how we interpret the situation and how we perceive the connection to the other. Even in masturbatory fantasy, people dwell upon their actions with others (...)
In the arena of sex, our very strongest emotions are expressed. (...) It is not only the other person who is known more deeply in sex. One knows one's own self better in experiencing what it is capable of: passion, love, aggression, vulnerability, domination, playfulness, infantile pleasure, joy. The depth of relaxing afterward is a measure of the fullness and profoundity of the experience together, and a part of it. (...)
The realm of sex is or can be inexhaustible. There is no limit to what can be learned and felt about each other in sex; the only limit is the sensitivity or responsiveness or creativity or daring of the partners. There always are new depths -- and new surfaces -- to be explored. (...) in sex one also can engage in metaphysical exploration, knowing the body and person of another as a map or microcosm of the very deepest reality, a clue to its nature and purpose.»
«THE MOST INTENSE WAY we relate to another person is sexually. Nothing so concentrates the mind (...) as the prospect of being hanged. (...) Sex is not simply a matter of frictional force. The excitement comes largely in how we interpret the situation and how we perceive the connection to the other. Even in masturbatory fantasy, people dwell upon their actions with others (...)
In the arena of sex, our very strongest emotions are expressed. (...) It is not only the other person who is known more deeply in sex. One knows one's own self better in experiencing what it is capable of: passion, love, aggression, vulnerability, domination, playfulness, infantile pleasure, joy. The depth of relaxing afterward is a measure of the fullness and profoundity of the experience together, and a part of it. (...)
The realm of sex is or can be inexhaustible. There is no limit to what can be learned and felt about each other in sex; the only limit is the sensitivity or responsiveness or creativity or daring of the partners. There always are new depths -- and new surfaces -- to be explored. (...) in sex one also can engage in metaphysical exploration, knowing the body and person of another as a map or microcosm of the very deepest reality, a clue to its nature and purpose.»
Metadiábloggo
- Estava a pensar... e se amanhã não tiver nada para escrever?
- Ora... se não tiveres nada mais que escrever, isso será o bastante.
- Hmmm, percebo... Posso usar o que me acabaste de dizer?
- O que me acabei de escrever, queres tu dizer? Claro que sim. Mas vê bem se aguentarás a fragilidade que os outros irão ler nisso.
- Ora... se não tiveres nada mais que escrever, isso será o bastante.
- Hmmm, percebo... Posso usar o que me acabaste de dizer?
- O que me acabei de escrever, queres tu dizer? Claro que sim. Mas vê bem se aguentarás a fragilidade que os outros irão ler nisso.
Teoremas Pessoanos (1)
«A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal. Não ter consciência dela e ela ser grande, é ser louco. Ter consciência dela e ela ser pequena é ser desiludido. Ter consciência dela e ela ser grande é ser génio.»
25 junho 2005
Lisboa (3)
Digo:
"Lisboa"
Quando atravesso - vinda do sul - o rio
E a cidade a que chego abre-se como se do meu nome nascesse
Abre-se e ergue-se em sua extensão nocturna
Em seu longo luzir de azul e rio
Em seu corpo amontoado de colinas -
Vejo-a melhor porque a digo
Tudo se mostra melhor porque digo
Tudo mostra melhor o seu estar e a sua carência
Porque digo
Lisboa com seu nome de ser e de não-ser
Com seus meandros de espanto insónia e lata
E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro
Seu conivente sorrir de intriga e máscara
Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata
Lisboa oscilando como uma grande barca
Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência
Digo o nome da cidade
- Digo para ver
[Sophia de Mello Breyner Andresen]
"Lisboa"
Quando atravesso - vinda do sul - o rio
E a cidade a que chego abre-se como se do meu nome nascesse
Abre-se e ergue-se em sua extensão nocturna
Em seu longo luzir de azul e rio
Em seu corpo amontoado de colinas -
Vejo-a melhor porque a digo
Tudo se mostra melhor porque digo
Tudo mostra melhor o seu estar e a sua carência
Porque digo
Lisboa com seu nome de ser e de não-ser
Com seus meandros de espanto insónia e lata
E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro
Seu conivente sorrir de intriga e máscara
Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata
Lisboa oscilando como uma grande barca
Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência
Digo o nome da cidade
- Digo para ver
[Sophia de Mello Breyner Andresen]
24 junho 2005
A minha (pro)vocação (preferida) - 1/4
1. «O homem não pode de forma alguma impedir-se de ter pela mulher um desejo que a aborrece; a mulher não pode de forma alguma impedir-se de ter pelo homem uma ternura que o aborrece» [Henry de Montherlant]
2. «Sempre pensei que aquilo que dava sentido à vida de um homem era proteger uma mulher.» [Jacques de Bourbon-Bossuet]
3. «A suprema felicidade seria, sem dúvida, encontrar uma mulher sensível que fosse, ao mesmo tempo, nossa amante e nossa amiga.» [François-René de Chateaubriand]
2. «Sempre pensei que aquilo que dava sentido à vida de um homem era proteger uma mulher.» [Jacques de Bourbon-Bossuet]
3. «A suprema felicidade seria, sem dúvida, encontrar uma mulher sensível que fosse, ao mesmo tempo, nossa amante e nossa amiga.» [François-René de Chateaubriand]
A minha (pro)vocação (preferida) - 2/4
4. «Women are never disarmed by compliments. Men always are.
That is the difference between the sexes.»
5. «I don't think there is a woman in the world who would not be a little flattered if one made love to her. It is that which makes women so irresistibly adorable.»
6. «Women are meant to be loved, not to be understood.»
7. «Women know life too late. That is the difference between men and women.»
[Oscar Wilde]
That is the difference between the sexes.»
5. «I don't think there is a woman in the world who would not be a little flattered if one made love to her. It is that which makes women so irresistibly adorable.»
6. «Women are meant to be loved, not to be understood.»
7. «Women know life too late. That is the difference between men and women.»
[Oscar Wilde]
A minha (pro)vocação (preferida) - 3/4
8. «Na sua primeira paixão a mulher ama o seu amante;
em todas as outras, do que ela gosta é do amor.» [Byron]
9. «Deus fez a rapariga, e o homem fez a mulher.»
[Béroalde de Verville]
10. «Não nascemos mulheres; tornamo-nos.» [Simone de Beauvoir]
em todas as outras, do que ela gosta é do amor.» [Byron]
9. «Deus fez a rapariga, e o homem fez a mulher.»
[Béroalde de Verville]
10. «Não nascemos mulheres; tornamo-nos.» [Simone de Beauvoir]
A minha (pro)vocação (preferida) - 4/4
O que é que distingue o homem da mulher? Muita coisa, mas para não me alongar muito, cingo-me a três, que são divina(i)s:
i) a mulher é o único animal com um órgão exclusivamente destinado ao prazer sexual;
ii) o período fértil da mulher é menor que o do homem;
iii) a mulher gosta mais de sexo do que o homem.
A primeira é estranhamente divina(l): se foi Deus que criou isto tudo, porque deu à mulher este orgãozinho precioso? Hipóteses:
a) a história da religião está toda mal contada (leia-se: inventada) e Deus é perverso tal como nós entendemos essa palavra - digamos que «tem o Diabo no corpo». Os homens não entenderam a mensagem de Deus que era «Minhas criaturas: se eu dei à mulher este pequeno e isolado luxo de órgão foi para sinalizar que vocês podem fazer amor quando quiserem e não somente para reprodução! Mesmo que apareça um tipo barbudo de seu nome Charles D. acreditem que é isso que vos distingue dos outros animais, que eu também fabriquei mas não programei para evoluírem, porque eles nunca iriam ganhar consciência, logo não poderiam ter prazer!! Got it?»;
b) Deus criou o dito para a mulher se sentir de algum modo especial, perante a hegemonia gritante(mente falocênctrica) do seu parceiro;
c) Deus não programou essa diferença e foi a evolução que levou a tal, como forma de a mulher se proteger contra as investuduras do homem (insensível e egoísta) e poder por si só e sem nunca perturbar qualquer outra função vital entregar-se a ela própria.
A segunda só me suscita um comentário: imagina que tu estavas para nascer mas não sabias que sexo irias ter. Deus dizia-te «a mulher só pode ter filhos até aos 40 e o homem até aos X». Se tu não soubesses que sexo ias ter, serias inevitavelmente levado a escolher X = 40. Este argumento contractualista (Rawlsiano) implica que devesse ser uma questão de elementar justiça os homens serem «desespermatozoidilados» aos 40. Em filinha indiana, ou mais propriamente, «filinha pirilau», já com tudo pronto e a deixar no sítio. Mas como os homens é que fazem as leis, nunca se lembraram disso. [Quero saber o que as feministas pensam disto.]
A terceira é simples. Tirando os casos de homens e mulheres que não gostam muito de sexo, a verdade é que as mulheres gozam mais que os homens. As mulheres entregam-se enquanto o macho trabalha até as pilhas esgotarem (bem sei que não há muitos homens Duracell por aí, mas é uma questão de procurar). As mulheres reviram os olhos enquanto o homem está atento (ao futebol, às horas, ou se for mais sensível, ao prazer que a mulher aparenta estar a ter). As mulheres no fundo estão menos conscientes que o homem, que tem sempre que manter o bom andamento do friccionamento, que não nasce de geração espontânea. Claro que isto são generalizações e que há posições eróticas diferentes e que há mulheres dominadoras - claro! [Tudo o que quiserem caras feministas!]
No fundo, no fundo, a libertação da mulher significou que ela pode finalmente disfrutar das vantagens em i) e em iii), que vêm, como todos bem sabemos, do homem ser o "macho", isto é, ser o agente fecundador. Para quem nunca tenha pensado nisso assim tão biologicamente, o animal encarregue de fecundar seria sempre o mais forte - mais musculado - para garantir que a espécie continuava. Ou seja, o domínio físico do homem é uma inevitabilidade evolucionista. E a contrapartida disso é que a fêmea escolhe com quem quer acasalar e tem mais prazer que o homem.
So, all in all, God is a good fella.
i) a mulher é o único animal com um órgão exclusivamente destinado ao prazer sexual;
ii) o período fértil da mulher é menor que o do homem;
iii) a mulher gosta mais de sexo do que o homem.
A primeira é estranhamente divina(l): se foi Deus que criou isto tudo, porque deu à mulher este orgãozinho precioso? Hipóteses:
a) a história da religião está toda mal contada (leia-se: inventada) e Deus é perverso tal como nós entendemos essa palavra - digamos que «tem o Diabo no corpo». Os homens não entenderam a mensagem de Deus que era «Minhas criaturas: se eu dei à mulher este pequeno e isolado luxo de órgão foi para sinalizar que vocês podem fazer amor quando quiserem e não somente para reprodução! Mesmo que apareça um tipo barbudo de seu nome Charles D. acreditem que é isso que vos distingue dos outros animais, que eu também fabriquei mas não programei para evoluírem, porque eles nunca iriam ganhar consciência, logo não poderiam ter prazer!! Got it?»;
b) Deus criou o dito para a mulher se sentir de algum modo especial, perante a hegemonia gritante(mente falocênctrica) do seu parceiro;
c) Deus não programou essa diferença e foi a evolução que levou a tal, como forma de a mulher se proteger contra as investuduras do homem (insensível e egoísta) e poder por si só e sem nunca perturbar qualquer outra função vital entregar-se a ela própria.
A segunda só me suscita um comentário: imagina que tu estavas para nascer mas não sabias que sexo irias ter. Deus dizia-te «a mulher só pode ter filhos até aos 40 e o homem até aos X». Se tu não soubesses que sexo ias ter, serias inevitavelmente levado a escolher X = 40. Este argumento contractualista (Rawlsiano) implica que devesse ser uma questão de elementar justiça os homens serem «desespermatozoidilados» aos 40. Em filinha indiana, ou mais propriamente, «filinha pirilau», já com tudo pronto e a deixar no sítio. Mas como os homens é que fazem as leis, nunca se lembraram disso. [Quero saber o que as feministas pensam disto.]
A terceira é simples. Tirando os casos de homens e mulheres que não gostam muito de sexo, a verdade é que as mulheres gozam mais que os homens. As mulheres entregam-se enquanto o macho trabalha até as pilhas esgotarem (bem sei que não há muitos homens Duracell por aí, mas é uma questão de procurar). As mulheres reviram os olhos enquanto o homem está atento (ao futebol, às horas, ou se for mais sensível, ao prazer que a mulher aparenta estar a ter). As mulheres no fundo estão menos conscientes que o homem, que tem sempre que manter o bom andamento do friccionamento, que não nasce de geração espontânea. Claro que isto são generalizações e que há posições eróticas diferentes e que há mulheres dominadoras - claro! [Tudo o que quiserem caras feministas!]
No fundo, no fundo, a libertação da mulher significou que ela pode finalmente disfrutar das vantagens em i) e em iii), que vêm, como todos bem sabemos, do homem ser o "macho", isto é, ser o agente fecundador. Para quem nunca tenha pensado nisso assim tão biologicamente, o animal encarregue de fecundar seria sempre o mais forte - mais musculado - para garantir que a espécie continuava. Ou seja, o domínio físico do homem é uma inevitabilidade evolucionista. E a contrapartida disso é que a fêmea escolhe com quem quer acasalar e tem mais prazer que o homem.
So, all in all, God is a good fella.
23 junho 2005
Divãneios Pessoanos (3)
«Se faço estas análises de um modo lasso e casual, não é senão porque assim retrato mais o que sou. De uma análise propriamente profunda não só sou incapaz, mas sou também artista demais para a pensar fazer; pensar em fazê-la seria pensar em dar de mim a ideia de que sou uma criatura disciplinada e coerente, quando o que sou é um analisador disperso e subtilmente desconcentrado. A minha arte é ser eu. Eu sou muitos. Mas, com o ser muitos, sou muitos em fluidez e imprecisão.»
Encontro
E mergulho e remergulho
no mar que toda te cerca
Mas não à tua procura
Somente a ver se me perco
[David Mourão Ferreira]
no mar que toda te cerca
Mas não à tua procura
Somente a ver se me perco
[David Mourão Ferreira]
João Pereira Coutinho
Falou esse grande cronista da República e disse:
«REINA em Portugal a confusão triste de olhar para uma crónica como uma mini-tese de inabalável valor científico, que não revela uma verdade - mas a Verdade. Lamento, não é para mim. Uma crónica vale como crónica: pelo humor, pelo estilo, por uma particularíssima visão das coisas que não reclama nenhuma espécie de estatuto especial. Ela surge apenas como oásis entre desertos: entre reportagens, números e factos - e deve ser tão fácil de ler como de esquecer. É uma espécie de bar, onde o leitor pode beber um copo antes de seguir caminho. Um cronista, no fundo, não passa disto: uma espécie de barman das rotativas.»
«REINA em Portugal a confusão triste de olhar para uma crónica como uma mini-tese de inabalável valor científico, que não revela uma verdade - mas a Verdade. Lamento, não é para mim. Uma crónica vale como crónica: pelo humor, pelo estilo, por uma particularíssima visão das coisas que não reclama nenhuma espécie de estatuto especial. Ela surge apenas como oásis entre desertos: entre reportagens, números e factos - e deve ser tão fácil de ler como de esquecer. É uma espécie de bar, onde o leitor pode beber um copo antes de seguir caminho. Um cronista, no fundo, não passa disto: uma espécie de barman das rotativas.»
22 junho 2005
Escutando Vergílio Ferreira (3)
«Para que percorres inutilmente o céu inteiro à procura da tua estrela? Põe-na lá.»
21 junho 2005
Felicidade
Em seguimento do post anterior, aqui deixo algumas reflexões.
«Ainda que gozássemos cem vezes de felicidade total, não ficaríamos satisfeitos se ninguém desse por tal.» [Molière]
«Se apenas quiséssemos ser felizes, isso pouco demoraria. Mas pretendemos ser mais felizes do que os outros, e isso é quase sempre difícil porque julgamos os outros mais felizes do que na verdade são.» [Montesquieu]
«Invejar a felicidade alheia é uma tolice. Não saberíamos fazer uso dela. A felicidade não se compra feita, só por medida.» [André Gide]
«Ainda que gozássemos cem vezes de felicidade total, não ficaríamos satisfeitos se ninguém desse por tal.» [Molière]
«Se apenas quiséssemos ser felizes, isso pouco demoraria. Mas pretendemos ser mais felizes do que os outros, e isso é quase sempre difícil porque julgamos os outros mais felizes do que na verdade são.» [Montesquieu]
«Invejar a felicidade alheia é uma tolice. Não saberíamos fazer uso dela. A felicidade não se compra feita, só por medida.» [André Gide]
Coisas (que deviam ser) simples
«A meritocracia gera uma insatisfação insaciável que acabará por arrasar o mais leve traço de humanidade. O que não deixa de ser uma lástima. Se as pessoas voltassem a ler os clássicos, sobretudo Montaigne, saberiam que o fim último da vida não é a excelência, mas sim a felicidade.»
Excerto de um texto de João Pereira Coutinho, publicado aqui.
Excerto de um texto de João Pereira Coutinho, publicado aqui.
20 junho 2005
Coisas que eu gostei de ler por aí (2)
«No Mundo Perfeito as palavras libertam-se da agonia do quotidiano, revelando o mar imenso de interrogações onde se reflecte a nossa condição. Sim, porque somos mortais, filhos de Kronos. Não apenas sabemos que vamos morrer, mas que a pessoa que amamos também morrerá. Mas o amor é a resposta que o homem encontrou para olhar de frente a morte. É através do amor que roubamos ao tempo que nos mata, umas quantas horas que às vezes transformamos em paraíso e outras em inferno. Das duas maneiras o tempo distende-se e deixa de ser mensurável. Além da felicidade ou infelicidade, embora seja as duas, o amor é intensidade, não nos oferece a eternidade mas a vivacidade, esse minuto no qual se abrem as portas do tempo e do espaço: aqui é lá, e agora é sempre. No amor tudo é dois e tudo tende para um.»
E que foram publicadas aqui.
E que foram publicadas aqui.
Citador
Num blog com o título como o que este tem, pôr em destaque o Citador não é apenas um prazer - é também um imperativo moral de honrar a arte e dedicação que o autor nele colocou. O Citador é um blog que se faz de - e cito - «centenas de reflexões e pensamentos», organizados por temas e autores, no que constitui uma verdadeira enciclopédia online de citações. Um sítio para consulta esporádica e para uma leitura lenta, longe da (o)pressão da espuma dos dias.
«Amor Verdadeiro» (AV) e «Amor... somente» (AS)
Aproveito o comentário do Pedro - «A inocência não vai toda. Não vai» - para continuar o tema do meu último post. Acho crucial distinguir que se no «Amor Verdadeiro» (AV) a inocência é total, no «Amor... somente» (AS) - o que vulgarmente se chama de «Amor» - essa inocência é parcial. AV e AS são qualitativamente diferentes e é esta distinção que importa mais que tudo - porque a inocência que há no AV só é percebida a posteriori, e esta consciencialização impossibilita o retorno: o AV é irreplicável. Mas isto não implica que os subsequentes AS sejam destituídos de valor - sobretudo (mas não só) - porque ainda há alguma inocência na pessoa. [De acordo ser a[lguma] inocência uma pré-condição para o amor?]
Por os AS terem um remanescente de inocência que se vai perdendo com o passar do tempo (tornando-os apenas quantitativamente diferentes entre si), parece resultar que a relação-que-se-segue será sempre menos rica. Mas há um factor que se contrapõe a isto: as pessoas são multi-dimensionais e inimitáveis. É possível que a descoberta que uma nova relação proporciona se sobreponha ao efeito que a erosão fatal do tempo provoca sobre a nossa [in]consciência - se a «unicidade» do objecto amado num certo contexto espácio-temporal tiver um efeito suficientemente [re]compensador no [que sente o] sujeito amante. Só que por mais descobertas que se vivam... a inocência original é irrecuperável.
No fundo, buscar o AS depois de ter vivido o AV é um pouco como - quais Adão e Eva expulsos do Paraíso - tentarmos lá regressar de «foguetão»... ainda que saibamos perfeitamente que o combustível nunca chegará... porque o paraíso pertence a outra dimensão, porque «o céu não mora aqui». Mas, contudo - desculpem (!): sobretudo - não esqueçamos o poeta quando nos diz essa coisa tão simples e tão valiosa: o sonho comanda a vida...
PS: Texto que publiquei aqui, no seguimento do anterior.
Por os AS terem um remanescente de inocência que se vai perdendo com o passar do tempo (tornando-os apenas quantitativamente diferentes entre si), parece resultar que a relação-que-se-segue será sempre menos rica. Mas há um factor que se contrapõe a isto: as pessoas são multi-dimensionais e inimitáveis. É possível que a descoberta que uma nova relação proporciona se sobreponha ao efeito que a erosão fatal do tempo provoca sobre a nossa [in]consciência - se a «unicidade» do objecto amado num certo contexto espácio-temporal tiver um efeito suficientemente [re]compensador no [que sente o] sujeito amante. Só que por mais descobertas que se vivam... a inocência original é irrecuperável.
No fundo, buscar o AS depois de ter vivido o AV é um pouco como - quais Adão e Eva expulsos do Paraíso - tentarmos lá regressar de «foguetão»... ainda que saibamos perfeitamente que o combustível nunca chegará... porque o paraíso pertence a outra dimensão, porque «o céu não mora aqui». Mas, contudo - desculpem (!): sobretudo - não esqueçamos o poeta quando nos diz essa coisa tão simples e tão valiosa: o sonho comanda a vida...
PS: Texto que publiquei aqui, no seguimento do anterior.
19 junho 2005
«Virgindade» (d)e amor
Faz-se muita batota quando se fala de «virgindade». É que a virgindade que interessa não é a do sexo, mas a do amor. A perda de virgindade sexual é sobretudo uma etapa que abre as portas a [melhores] experiências futuras [e que em geral nem corre bem, no wonder if it is the first]. Necessária e quase irrelevante, portanto. A perda de virgindade no amor é que importa - infinitamente mais. Porquê? Diz o povo que «amor só há um - o primeiro e mais nenhum». E porque está bêbado amiúde também diz que «não há amor como o primeiro», o que é um contra-senso claro. A verdade é que «não há amor depois do primeiro». Só se pode amar uma vez. Quem amou sabe disso. Quem discorda é porque nunca amou verdadeiramente. [Ser único é então condição necessária mas não suficiente para caracterizar o amor. Uma definição, pois então.]
O «primeiro amor» de que falo tem em geral que ser vivido na adolescência - a idade ainda inocente; da descoberta. Sobretudo da falta de consciência. Vivem-se as coisas sem as perceber - e certamente menos ainda de se perceber que se não as percebe. Apenas se vive - e isso não é tudo? O primeiro amor é um turbilhão de sentimentos que nos ultrapassam, é um pulsar descontrolado que não desgruda. É «estar na lua». É como se alguém tomasse conta de nós - vivemos que nem possuídinhos da Silva. Quando deixamos escapar o primeiro amor ficamos condenados para sempre - porque ganhamos consciência. E com a consciência vem a desgraça: toda. Nunca seremos capazes de amar novamente; apenas procuraremos sensações que antes vivemos. Não voltaremos a amar uma pessoa mas apenas buscaremos possibilidade de - através dela - nos lembrarmos de como amámos [e de como um dia fomos felizes]. De viajarmos no tempo em busca dessas «recollections». [O que seríamos nós sem memória?]
O amor é um comboio que vemos passar - se tanto - uma vez na vida. É difícil reconhecê-lo, mas se nele entramos a embriaguez é imediata. No entanto não identificamos, porque isso só pode vir depois... na consciente pós-ressaca. Mas ainda mais difícil é resistir a sair nas inúmeras estações que se nos vão aparecendo no caminho - esse impulso natural de visitar outros comboios, de partir noutras viagens... Por isso é que a virgindade do amor é tão especial: porque nela existe necessariamente um começo e um fim. O amor é como um empregado empertigado de restaurante fino, que se apresenta muito sorridente e ao nosso dispor, brindando-nos com um bom vinho. Mas assim que reclamamos algo ele desaparece sem dar explicações. E só depois nos apercebemos da dolorosa [conta] que ele deixou para pagar. «Fodido», o amor? Não...
PS: Texto que publiquei há uns tempos aqui. Recomendo vivamente a leitura da discussão que se seguiu na caxa dos comments.
O «primeiro amor» de que falo tem em geral que ser vivido na adolescência - a idade ainda inocente; da descoberta. Sobretudo da falta de consciência. Vivem-se as coisas sem as perceber - e certamente menos ainda de se perceber que se não as percebe. Apenas se vive - e isso não é tudo? O primeiro amor é um turbilhão de sentimentos que nos ultrapassam, é um pulsar descontrolado que não desgruda. É «estar na lua». É como se alguém tomasse conta de nós - vivemos que nem possuídinhos da Silva. Quando deixamos escapar o primeiro amor ficamos condenados para sempre - porque ganhamos consciência. E com a consciência vem a desgraça: toda. Nunca seremos capazes de amar novamente; apenas procuraremos sensações que antes vivemos. Não voltaremos a amar uma pessoa mas apenas buscaremos possibilidade de - através dela - nos lembrarmos de como amámos [e de como um dia fomos felizes]. De viajarmos no tempo em busca dessas «recollections». [O que seríamos nós sem memória?]
O amor é um comboio que vemos passar - se tanto - uma vez na vida. É difícil reconhecê-lo, mas se nele entramos a embriaguez é imediata. No entanto não identificamos, porque isso só pode vir depois... na consciente pós-ressaca. Mas ainda mais difícil é resistir a sair nas inúmeras estações que se nos vão aparecendo no caminho - esse impulso natural de visitar outros comboios, de partir noutras viagens... Por isso é que a virgindade do amor é tão especial: porque nela existe necessariamente um começo e um fim. O amor é como um empregado empertigado de restaurante fino, que se apresenta muito sorridente e ao nosso dispor, brindando-nos com um bom vinho. Mas assim que reclamamos algo ele desaparece sem dar explicações. E só depois nos apercebemos da dolorosa [conta] que ele deixou para pagar. «Fodido», o amor? Não...
PS: Texto que publiquei há uns tempos aqui. Recomendo vivamente a leitura da discussão que se seguiu na caxa dos comments.
Vocação
Nunca dês ouvidos àqueles que, no desejo de te servir, te aconselham a renunciar a uma das tuas aspirações. Tu bem sabes qual é a tua vocação, pois a sentes exercer pressão sobre ti. E, se a atraiçoas, é a ti que desfiguras. Mas fica sabendo que a tua verdade se fará lentamente, pois ela é nascimento de árvore e não descoberta de uma fórmula. O tempo é que desempenha o papel mais importante, porque se trata de te tornares outro e de subires uma montanha difícil. Porque o ser novo, que é unidade libertada no meio da confusão das coisas, não se te impõe como a solução de um enigma, mas como um apaziguamento dos litígios e uma cura dos ferimentos. E só virás a conhecer o seu poder, uma vez que ele se tiver realizado. Nada me pareceu tão útil ao homem como o silêncio e a lentidão. Por isso os tenho honrado sempre como deuses por demais esquecidos.
[Antoine de Saint-Exupéry, Cidadela]
[Antoine de Saint-Exupéry, Cidadela]
18 junho 2005
17 junho 2005
Carreira
Quem pretende prosseguir uma Carreira não é um ser humano de Verdade. É que o Homem não foi feito para ter outra Missão que não seja não tê-la. Ter uma Carreira Profissional é como escolher ser profissional na carreira do 42 que vai até Alcântara, numa rotina fechada dum Trajecto que não se escolheu não ter - pois! Só os estúpidos é que podem mesmo gostar de viajar todos os dias até ao Calvário! Até ao seu próprio Calvário! Andar na estrada à espera que o motor do nosso autocarro fique mais potente por obra do senhor que dirige a Carris é um Modo de Vida inaceitável. É preciso que alguém se revolte, vamos fazer todos um Businão a sério, a ver se as carreiras ficam todas trocadas e passa tudo a andar a pé para lado algum! Ouviram bem??? Para lado nenhum!!!!!!!!!! Que só vai para algum lado quem teme enfrentar as Instituições deste país, a começar por essa superior cujo apelido é Sistema mas cujo Primeiro Nome ninguém revela. Ter uma Carreira Profissional vai cair em desuso quando «esta aldeia de coisas pacíficas feita para pacíficos banhada pelo Atlântico» for invadida por alguém que tenha coragem para dizer ao Gerente - este leite está azedo, porra! Tal como no alfabeto o "T" se segue ao "R", a seguir à carreira segue-se ineitavelmente a carteira profissional - emparelhada quase como um conector lógico (esta ideia é minha e é boa). Isto resulta quando o bicho-homem se derrete ao volante do seu aprazível 42! Houvesse um Santo Moderno que enviasse todos estes condutores mas era fazer corridas e dobrar chicanes fora da minha vista! Será que é pedir muito?!?!?!
PS1: Por razões meramente simbólicas - e eventualmente mediúnicas - este post será retirado sem pré-aviso que se siga a este, não vá o diabo contactar-me e eu estar ocupado a despistar carreiristas e carteiristas que me queiram ir ao bolso.
PS2: O sujeito autorial deste texto não será passível de incómodo sob a forma de qualquer encostão na caixinha dos comments - o Rumo está traçado! Quem quiser saltar para esta carripana será bem-vindo!
PS3: Abruta, esta posta é dedicado a ti, pá!! Na Forma e no Conteúdo - espero que gostes e que não leves a mal, pá!!!!!
PS1: Por razões meramente simbólicas - e eventualmente mediúnicas - este post será retirado sem pré-aviso que se siga a este, não vá o diabo contactar-me e eu estar ocupado a despistar carreiristas e carteiristas que me queiram ir ao bolso.
PS2: O sujeito autorial deste texto não será passível de incómodo sob a forma de qualquer encostão na caixinha dos comments - o Rumo está traçado! Quem quiser saltar para esta carripana será bem-vindo!
PS3: Abruta, esta posta é dedicado a ti, pá!! Na Forma e no Conteúdo - espero que gostes e que não leves a mal, pá!!!!!
O escritor (3)
Porquê escrever? Quando me interroguei sobre isto, escrevi este post e mais este. Há uns 7 anos que não pegava em Vergílio Ferreira e resolvi fazê-lo há 3 semanas, ou seja quase 1 mês depois de ter escrito esses posts... o que quer dizer que partilhava da postura dele de certa forma inconsciente, ainda que não totalmente. No fundo escrever é isso: redescobrir(mo-nos) constantemente através do que escrevemos, que nos obriga a pensar e a pôr as ideias em ordem.
E porque não somos imutáveis, escrever é também reinventarmo-nos, é tomar as rédeas dessa reinvenção e perceber o que somos. Como acontece ao ler esta pérola que ele escreveu, trazida pela Marta:
«Escrevo para tornar visível o mistério das coisas. Escrevo para ser».
E porque não somos imutáveis, escrever é também reinventarmo-nos, é tomar as rédeas dessa reinvenção e perceber o que somos. Como acontece ao ler esta pérola que ele escreveu, trazida pela Marta:
«Escrevo para tornar visível o mistério das coisas. Escrevo para ser».
O escritor (2)
No seguimento dum comentário da Gabs, aqui está uma proposta de reflexão sobre o que é isso de se ser um «escritor original».
O escritor (1)
O meu único leitor... Mais tarde trocá-lo-ei pelo leitor ideal, por esse patifório íntimo, esse querido velhaco com quem poderei falar como se nada tivesse valor a não ser para ele - e para mim. Por que acrescentarei e para mim? Esse leitor ideal poderá porventura ser outro que não o meu alter ego? Para quê criar um mundo nosso, se ele tem de fazer sentido para todo o bicho careta?
...
E que pode um simples escritor criar que não tenha já sido criado? Nada. O escritor reordena a matéria cinzenta na sua pinha. (...) Alguns livros modificaram a face do mundo. Reordenamento, mais nada. Os problemas da vida permanecem. Pode-se fazer o levantamento da pele de uma cara, mas a idade da pessoa é indelével.
...
Para nascer águia, uma pessoa tem de se habituar às alturas: para nascer escritor, tem de aprender a gostar de privações, sofrimentos e humilhações. Tem, sobretudo, de aprender a viver à parte.
...
Ah, sim, esquecia-me de mencionar uma coisa!... É um pormenor que talvez o assuste: é-me indiferente que os livros venham a ser publicados ou não. Quero expulsá-los de dentro de mim, mais nada. As ideias são universais: não as considero propriedade minha...
[Henry Miller, Nexus]
...
E que pode um simples escritor criar que não tenha já sido criado? Nada. O escritor reordena a matéria cinzenta na sua pinha. (...) Alguns livros modificaram a face do mundo. Reordenamento, mais nada. Os problemas da vida permanecem. Pode-se fazer o levantamento da pele de uma cara, mas a idade da pessoa é indelével.
...
Para nascer águia, uma pessoa tem de se habituar às alturas: para nascer escritor, tem de aprender a gostar de privações, sofrimentos e humilhações. Tem, sobretudo, de aprender a viver à parte.
...
Ah, sim, esquecia-me de mencionar uma coisa!... É um pormenor que talvez o assuste: é-me indiferente que os livros venham a ser publicados ou não. Quero expulsá-los de dentro de mim, mais nada. As ideias são universais: não as considero propriedade minha...
[Henry Miller, Nexus]
Cunhal (4)
Poucas coisas na vida são preto ou branco, mas para saber o que são é preciso conhecer bem esses extremos. O João diz que não sabe bem o que dizer, e isso parece absolutamente natural (e corajoso). E tanta coisa foi dita que é impossível que o que quer que escrevamos não seja lido como um lugar-comum, como escreve Pedro Lomba, que também nos faz lembrar essa verdade terrível de que «Os homens não deviam poder morrer fora do seu tempo». Até o Luís Delgado apetece ler hoje. E depois, a revelação, que também notei, do porquê do azedume de Vasco Pulido Valente, pela pena de Vicente Jorge Silva.
Eu, que tinha escolhido não ligar muito ao que em tempos apelidei de «espuma dos dias comentarista», sinto um impulso para nestes dias contradizer tal opção porque - discordâncias políticas à parte - não é todos os dias que (nos) morre um (homem como) Cunhal.
Eu, que tinha escolhido não ligar muito ao que em tempos apelidei de «espuma dos dias comentarista», sinto um impulso para nestes dias contradizer tal opção porque - discordâncias políticas à parte - não é todos os dias que (nos) morre um (homem como) Cunhal.
16 junho 2005
Escutando Vergílio Ferreira (2)
«Poupa as tuas palavras, guarda as melhores para o fim como o bocado num prato. Qual a última de que te vais servir? Não a imaginas. Mas a última que disseres ou pensares deve resumir-te a vida toda. Vê se a escolhes bem para remate do que construíres. Quando olhas para uma catedral o que fitas mais intensamente é o cimo das torres.»
15 junho 2005
Sábado à noite
Meia-noite, saio de casa para me divertir. Perguntam-me, durante a noite…que tens? Sorrio, respondo que estou bem. (...) De repente apercebo-me que é a multidão que não está bem, está só, bebe para não sentir o fardo do tempo, dança para afastar a tristeza, disfarça a frustração num decote, encobre a infelicidade com teatrais exageros de alegria. A multidão esquece-se, ou finge que se esquece, do que deixou à porta. Chegará a casa, exausta do vazio de ser um passatempo dentro do tempo e das coisas que não viu e não sentiu. Parto. Deixo o bar vazio. Lá fora embriago-me da Lua, do Tejo, das estrelas e da luz da minha terra. Zonza de poesia, divirto-me, finalmente.
Publicado aqui.
Publicado aqui.
Coisas que eu gostei de ler por aí (1)
«Quando duas guitarras se tocam podem não fazer barulho nenhum. O mais importante para os amantes é saber ficar em silêncio. Quando se diz uma coisa matam-se todas as outras. Reduzem-se as possibilidades. E mesmo assim tudo o que quero é estar à conversa contigo.»
Texto publicado aqui. E um outro olhar sobre o «conversar» acoli.
Texto publicado aqui. E um outro olhar sobre o «conversar» acoli.
14 junho 2005
(Escre)ver-me
Será mesmo que não há coincidências? Ora vejam só:
1. Hoje falava com uma amiga exactamente sobre isso - o significado da «coincidência», de existir (nomeadamente, a posteriori) ou não ;
2. Numa pesquisa no Yahoo sobre Vergílio Ferreira encontrei um blog que me chamou a atenção por isto, que parece pouco e é muito: o seu nome é formalmente aquilo que eu gostaria de ter escrito se tivesse tido inspiração para tal. Porque adoro utilizar os parêntesis para construir interpretações preci(o)sas contidas numa só palavra;
3. A autora deste blog tem o mesmo apelido que eu;
4. Tem também o nome próprio da minha irmã mais velha;
5. Mais importante que isso, gosta de poesia;
6. Ainda mais importante, gosta de Pessoa e de Vergílio Ferreira;
7. Não desdenha um bom aforismo nem uma sublinhada citação;
8. Que escreveu recentemente sobre o tema da prostituição que eu tratei aqui, em resposta a textos de outras bloggers;
9. Que escolheu o mesmo poema de Eugénio de Andrade que eu publiquei em homenagem noutro blog meu;
10. Que tem, na escrita, uma postura que julgo parecida com a minha, de descoberta do próprio autor - o tal «ver-se» através do que «escrever-se» que ela brilhantemente sumariou no nome do blog;
11. E cujo layout é idêntico ao original deste blog onde escrevo.
Com tanta (e tão nobre) incidência comum, como não acreditar que «[não] há co[-]incidências», cara Marta? E depois... a [re]incidência de voltar a esse teu escrever assustadoramente fascinante...
1. Hoje falava com uma amiga exactamente sobre isso - o significado da «coincidência», de existir (nomeadamente, a posteriori) ou não ;
2. Numa pesquisa no Yahoo sobre Vergílio Ferreira encontrei um blog que me chamou a atenção por isto, que parece pouco e é muito: o seu nome é formalmente aquilo que eu gostaria de ter escrito se tivesse tido inspiração para tal. Porque adoro utilizar os parêntesis para construir interpretações preci(o)sas contidas numa só palavra;
3. A autora deste blog tem o mesmo apelido que eu;
4. Tem também o nome próprio da minha irmã mais velha;
5. Mais importante que isso, gosta de poesia;
6. Ainda mais importante, gosta de Pessoa e de Vergílio Ferreira;
7. Não desdenha um bom aforismo nem uma sublinhada citação;
8. Que escreveu recentemente sobre o tema da prostituição que eu tratei aqui, em resposta a textos de outras bloggers;
9. Que escolheu o mesmo poema de Eugénio de Andrade que eu publiquei em homenagem noutro blog meu;
10. Que tem, na escrita, uma postura que julgo parecida com a minha, de descoberta do próprio autor - o tal «ver-se» através do que «escrever-se» que ela brilhantemente sumariou no nome do blog;
11. E cujo layout é idêntico ao original deste blog onde escrevo.
Com tanta (e tão nobre) incidência comum, como não acreditar que «[não] há co[-]incidências», cara Marta? E depois... a [re]incidência de voltar a esse teu escrever assustadoramente fascinante...
13 junho 2005
Carpe Diem
Quando o homem ainda não era homem, vivia, caçava, acasalava, e nada o incomodava. Depois, por ordem de Deus ou por mera evolução genética, sofreu um grave acidente de percurso: tomou consciência de «si». De que «existia». Sobretudo, tomou consciência de que tinha «consciência». Ficou perdido, no vazio de perceber o mundo - de perceber que não o entendia, que era um paradoxo inexplicável. Chorou a morte dos seus como os seus ex-companheiros animais «selvagens» não choravam, ainda que sofressem. Resolveu inventar Deus e espalhar a boa-nova, quem sabe se por altruísmo das gerações vindouras. Mas mesmo o recato do «Além» vida não era suficiente para suportar o amanhã. Então, depois de criar Deus, uma história comvincente para ele e lhe dar plenos poderes - a «omnipotência» -, resolveu criar o amor, sem dúvida a maior invenção do homem. Para atravessar a existência de forma menos dolorosa. Sim, porque os seus ex-companheiros animais «selvagens» não «amavam». Procriavam, tratavam uns dos outros, brincavam, viviam em grupos, cuidavam uns dos outros, mas isso não era amar. Era o código genético deles, e sabem lá eles o que é isso de código genético.
O homem inventou o amor e depois ao perceber que esse amor era difícil de concretizar (porque o peso da existência exigia um balão de ar quente bem volumoso) inventou as variantes do amor, tentando-se convencer que uma qualquer vivência sua era um «verdadeiro amor» (o voo falhado de quem está sempre em terra). Porque é mais fácil simular do que enfrentar a verdade o fracasso. «Devíamos ver-nos sempre como pessoas que vão morrer amanhã.
É esse tempo todo que supomos à nossa frente que nos mata», disse
Ela Triolet. Será mesmo que nos mata? Se temos que aceitar isso, por que carga de água é que nos havemos de martirizar a toda a hora?
É que não é culpa nossa. Ouviram bem? Não é culpa vossa tão-pouco. «Queixarmo-nos de morrer é queixarmo-nos de ser homens», disse por sua vez Jean de Rotrou. Mas, é claro, faz parte do faz-de-conta em que o homem escolheu viver insistir no fingimento que a morte não é um problema e como tal não falar dela. No fundo, fingir que não é homem. Ou, de facto, não saber que [o] é. Carpe diem.
O homem inventou o amor e depois ao perceber que esse amor era difícil de concretizar (porque o peso da existência exigia um balão de ar quente bem volumoso) inventou as variantes do amor, tentando-se convencer que uma qualquer vivência sua era um «verdadeiro amor» (o voo falhado de quem está sempre em terra). Porque é mais fácil simular do que enfrentar a verdade o fracasso. «Devíamos ver-nos sempre como pessoas que vão morrer amanhã.
É esse tempo todo que supomos à nossa frente que nos mata», disse
Ela Triolet. Será mesmo que nos mata? Se temos que aceitar isso, por que carga de água é que nos havemos de martirizar a toda a hora?
É que não é culpa nossa. Ouviram bem? Não é culpa vossa tão-pouco. «Queixarmo-nos de morrer é queixarmo-nos de ser homens», disse por sua vez Jean de Rotrou. Mas, é claro, faz parte do faz-de-conta em que o homem escolheu viver insistir no fingimento que a morte não é um problema e como tal não falar dela. No fundo, fingir que não é homem. Ou, de facto, não saber que [o] é. Carpe diem.
Frente a frente
Nada podeis contra o amor,
Contra a cor da folhagem,
contra a carícia da espuma,
contra a luz, nada podeis.
Podeis dar-nos a morte,
a mais vil, isso podeis
- e é tão pouco!
[Eugénio de Andrade]
Contra a cor da folhagem,
contra a carícia da espuma,
contra a luz, nada podeis.
Podeis dar-nos a morte,
a mais vil, isso podeis
- e é tão pouco!
[Eugénio de Andrade]
Cunhal (1)
Morreu o «príncipe dos comunistas», aos 91 anos. Dia de reflexão difícil para um anti-comunista não primário como eu sou. Costumava pensar há uns anos, a par com um amigo meu também (ainda mais) anti-comunista, como seria o dia da morte de Álvaro Cunhal. O que se diria, o que ficaria na História, quantas pessoas iriam ao funeral, entre outras perguntas de adolescente. Hoje, depois de mais de três horas a ouvir a TSF e a reflectir, não evito verter uma lágrima e não consigo perceber bem porquê. [Escrevo a correr e sem (querer) rever demasiado.] Não são certamente lágrimas pelo ideólogo. Serão em parte pelo homem de coragem, de grande coragem. Um homem vertical, mesmo que eu abomine a «religião» que foi a espinha dorsal dessa verticalidade. Um homem das artes. Um intelectual. Um amante das mulheres. Um homem ateu que viveu a angústia da velhice e da chegada da morte de forma duramente lúcida.
É difícil ser moderado na análise de Álvaro Cunhal. É verdade que Mário Soares «ganhou» a história, isso é inegável. Mas eu olho para o dr. Soares, aquele seu ar aburguesado e esponjoso (não só físico mas sobretudo intelectual), e não consigo ter grande admiração por ele. Por Cunhal não tenho qualquer admiração enquanto ideólogo, repito.
É a «postura» que me traz alguma admiração, que declaro ter dificuldade em compreender [escrever ajuda um pouco]. Pacheco Pereira e Maria João Avillez são pessoas a ter em conta, porque conheceram algo mais que vai para além da banalidade das declarações destes dias. Nas comparações inevitáveis nestes dias, sinto que Mário Soares não passa de um «homem normal» que venceu, enquanto Cunhal inspira o mito do «homem superior», ainda que tenha sido derrotado. Este dia em que a ceifeira colheu também o poeta Eugénio de Andrade, há a lágrima inevitável da lembrança de que mais dia menos dia já não estamos aqui.
Cunhal desenhava em todas a reuniões na clandestinidade. Desenhos de mulheres, quase sempre, recorda a Zita Seabra. Sem ter sido um «grande» artista, foi-o. A grandeza não importa tanto - mais importa a vontade, a fúria de querer exprimir-se, de querer «ser», como diria Vergílio Ferreira. Neste dia estranho, recordo um dos seus livros,
«A estrela de seis pontas», em que relatava uma conversa entre os presos. Dizia ele algo assim (cito de cor): que o único mistério verdadeiro do mundo que valia a pena tentar desvendar era saber se quando uma mulher dizia «não» a um homem realmente queria dizer «não», ou era um «sim» disfarçado. Cunhal morre hoje, protegido na intimidade que impôs, vertical, misterioso, certamente em extrema solidão e dor. Mas todos sabemos que ele sempre existirá.
É difícil ser moderado na análise de Álvaro Cunhal. É verdade que Mário Soares «ganhou» a história, isso é inegável. Mas eu olho para o dr. Soares, aquele seu ar aburguesado e esponjoso (não só físico mas sobretudo intelectual), e não consigo ter grande admiração por ele. Por Cunhal não tenho qualquer admiração enquanto ideólogo, repito.
É a «postura» que me traz alguma admiração, que declaro ter dificuldade em compreender [escrever ajuda um pouco]. Pacheco Pereira e Maria João Avillez são pessoas a ter em conta, porque conheceram algo mais que vai para além da banalidade das declarações destes dias. Nas comparações inevitáveis nestes dias, sinto que Mário Soares não passa de um «homem normal» que venceu, enquanto Cunhal inspira o mito do «homem superior», ainda que tenha sido derrotado. Este dia em que a ceifeira colheu também o poeta Eugénio de Andrade, há a lágrima inevitável da lembrança de que mais dia menos dia já não estamos aqui.
Cunhal desenhava em todas a reuniões na clandestinidade. Desenhos de mulheres, quase sempre, recorda a Zita Seabra. Sem ter sido um «grande» artista, foi-o. A grandeza não importa tanto - mais importa a vontade, a fúria de querer exprimir-se, de querer «ser», como diria Vergílio Ferreira. Neste dia estranho, recordo um dos seus livros,
«A estrela de seis pontas», em que relatava uma conversa entre os presos. Dizia ele algo assim (cito de cor): que o único mistério verdadeiro do mundo que valia a pena tentar desvendar era saber se quando uma mulher dizia «não» a um homem realmente queria dizer «não», ou era um «sim» disfarçado. Cunhal morre hoje, protegido na intimidade que impôs, vertical, misterioso, certamente em extrema solidão e dor. Mas todos sabemos que ele sempre existirá.
12 junho 2005
11 junho 2005
Prostituição
Afinal as pessoas têm ou não o direito a prostituir-se? Quer dizer, têm ou não o direito a «escolherem» vender o corpo e a ver que a sociedade as olha como seres autónomos? Ou estão condenadas a ser vistas como pessoas que caíram na desgraça, perderam a auto-estima e tudo isso? Claro que muitas delas - certamente as drogadas - perdem capacidade de controlo delas próprias. E há outros casos de desgraça também conhecidos. Mas não devemos tirar a discussão do ponto de vista (também) teórico - isto é, do ponto de vista dos «princípios» e do «direito à prostituição». As prostituas em Amsterdão parecem-me, não diria alegres por não me arrogar conseguir ver isso mas «de bem com a vida». Fazem o seu trabalho com orgulho e «assumem-se». Podemos achar isso moral ou imoral, mas elas são parte da sociedade - e são respeitadas. São parte da história, muitas vezes «nobre», como nos recorda a Espelho.
Eu sou a favor da legalização da prostituição, para bem das prostitutas sobretudo. Quem fica a perder são os clientes que adoram passear pelas ruas de Lisboa a mirar quem se vende. A Isabela não concorda com isto - vejam aqui. Esta é também daquelas questões em que homens e mulheres estão condenados a ter opiniões (estatisticamente) diferentes. Acho que nunca vi uma mulher portuguesa, não prostituta, que olhasse para a prostituição como uma questão de «escolha» e não como a desgraça das «pobrezinhas», «coitadinhas», que «tiveram que» cair na má vida. O discurso típico da Odete Santos. Um bocadinho mais de responsabilização e respeito pelo outro só fazia bem a este país à beira mar afundado.
Eu sou a favor da legalização da prostituição, para bem das prostitutas sobretudo. Quem fica a perder são os clientes que adoram passear pelas ruas de Lisboa a mirar quem se vende. A Isabela não concorda com isto - vejam aqui. Esta é também daquelas questões em que homens e mulheres estão condenados a ter opiniões (estatisticamente) diferentes. Acho que nunca vi uma mulher portuguesa, não prostituta, que olhasse para a prostituição como uma questão de «escolha» e não como a desgraça das «pobrezinhas», «coitadinhas», que «tiveram que» cair na má vida. O discurso típico da Odete Santos. Um bocadinho mais de responsabilização e respeito pelo outro só fazia bem a este país à beira mar afundado.
10 junho 2005
Dia de Camões (1)
«A linguagem é como uma pele: com ela eu contacto com os outros.» [Roland Barthes]
Dia de Camões (2)
«Porque amo tanto o meu país? Ele deu-me a língua, ou seja o mundo que ela me escolheu. Deu-me a terra e o mar e a montanha e tudo o que na paisagem o nos seres meus irmãos é na realidade da pessoa que sou, a identidade com que me reconheço. Deu-me pois a vida toda para eu depois a poder reinventar. Assim amo o meu país porque sou eu.» [Vergílio Ferreira, «Escrever», # 59, pg. 45]
Dia de Camões (3)
«As fronteiras da minha linguagem são as fronteiras do meu universo.» [Ludwig Wittgenstein]
09 junho 2005
Linguagem
«Todos os meios do espírito estão contidos na linguagem e quem não reflectiu acerca da linguagem nunca reflectiu sobre nada.»
Uma reflexão de Alain em jeito de prelúdio para amanhã, que levanta algumas questões interessantes. Será que podíamos ser «humanos» sem linguagem? Será que o ser-em-si poderia ter sentido sem linguagem? [para lá da palavra «ser» em si, caros Wittgensteinianos]. E não é necessário haver um outro para que a linguagem nasça?
Um recém-nascido abandonado numa ilha deserta poderia desenvolver alguma forma de linguagem? Como? Para quê? Com «quem»? E será possível «pensar» sem linguagem? Poderia esse recém-nascido, quando já adulto, e sem linguagem, pensar na origem do mundo, em Deus, em «si»? E não podendo «pensar», será que poderia «ser»? Ou estaria condenado a apenas «estar»? Seria homem ou animal? Então é a linguagem que nos humaniza? Melhor: será a linguagem condição necessária - ainda que (porventura) não sucifiente - para sermos humanos? Serão, então, os animais que têm um mais vasto leque comunicacional os que mais perto estão de nós? E a consciência, onde entra nisto tudo? Não era a consciência a marca do humano sobre o animal, como nos sugere o poema «Gato que brincas», de Pessoa?
É possível «ser-se» sem se ter consciência da linguagem?
E como ter consciência sem a analisar? Voltamos à frase de Alain.
Uma reflexão de Alain em jeito de prelúdio para amanhã, que levanta algumas questões interessantes. Será que podíamos ser «humanos» sem linguagem? Será que o ser-em-si poderia ter sentido sem linguagem? [para lá da palavra «ser» em si, caros Wittgensteinianos]. E não é necessário haver um outro para que a linguagem nasça?
Um recém-nascido abandonado numa ilha deserta poderia desenvolver alguma forma de linguagem? Como? Para quê? Com «quem»? E será possível «pensar» sem linguagem? Poderia esse recém-nascido, quando já adulto, e sem linguagem, pensar na origem do mundo, em Deus, em «si»? E não podendo «pensar», será que poderia «ser»? Ou estaria condenado a apenas «estar»? Seria homem ou animal? Então é a linguagem que nos humaniza? Melhor: será a linguagem condição necessária - ainda que (porventura) não sucifiente - para sermos humanos? Serão, então, os animais que têm um mais vasto leque comunicacional os que mais perto estão de nós? E a consciência, onde entra nisto tudo? Não era a consciência a marca do humano sobre o animal, como nos sugere o poema «Gato que brincas», de Pessoa?
É possível «ser-se» sem se ter consciência da linguagem?
E como ter consciência sem a analisar? Voltamos à frase de Alain.
08 junho 2005
Buraco negro
amor quando é refúgio
não é amor é co-existir
é orbitar em redor do outro
no receio do divergir
amor que é amor
é sendo a luz do teu sorrir
querer-te buraco negro
entrar e não mais sair
não é amor é co-existir
é orbitar em redor do outro
no receio do divergir
amor que é amor
é sendo a luz do teu sorrir
querer-te buraco negro
entrar e não mais sair
Diários
Até o Dilbert já pensa sobre a problemática do escrever...
E do escrever sobre escrever, e continuando sempre, ad infinitum...
E do escrever sobre escrever, e continuando sempre, ad infinitum...
07 junho 2005
«(...) lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê. Que dias há que na alma me tem posto um não sei quê, que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei porquê.»
O que distingue a poesia da prosa? O ritmo? A rima obviada pela quebra de linha? A pausa das entrelinhas? A perfeição da incompletude gramatical das frases? Ambas têm a sua musicalidade. A prosa consegue a sua musicalidade através dos sons mas sobretudo das pausas. A vírgula, o ponto e vírgula; o ponto final. E as reticências, claro... Basta lembrar o escrever de Saramago ou Lobo Antunes para entender como a prosa pode ser musicada. No fundo é isso: toda a escrita tem a sua música, que em geral é bastante monocórdica, um pouco como os cantares dos padres católicos, sempre unissonais a finalizar na clássica terceira menor descendente.
Ter sensibilidade na escrita é pensar na sua musicalidade, e não apenas no que se diz - e isto concerne obviamente apenas a estética. Escrever é também escolher a forma musical da composição escrita. Lembrar onde se quer ter os pianos, os fortes, as suspensões, a mudança de tonalidade, a cadência, isso tudo. Podemos querer escrever um nocturno, ou uma sonata, ou mesmo uma sinfonia para os mais ousados. Mas o som que geralmente ouvimos não são mais que prelúdios para coisa nenhuma ou fugas desde o desconhecido.
Quem lê - o que quer que seja - tem a responsabilidade de interpretar a composição que tem à sua frente. A dificuldade de entender a forma como o autor quis que as suas palavras fossem interpretadas. É isto: cada vez que leres o que quer que seja tens que ser um Sokolov à beira de um Steinway. Não marteles as teclas. Toma consciência do poder das tuas mãos e do que vem de dentro de ti. Para que tudo o que toques seja vivido, mesmo se não inteiramente compreendido.
E depois diz lá se esta perfeição musical não é Bachiana.
O que distingue a poesia da prosa? O ritmo? A rima obviada pela quebra de linha? A pausa das entrelinhas? A perfeição da incompletude gramatical das frases? Ambas têm a sua musicalidade. A prosa consegue a sua musicalidade através dos sons mas sobretudo das pausas. A vírgula, o ponto e vírgula; o ponto final. E as reticências, claro... Basta lembrar o escrever de Saramago ou Lobo Antunes para entender como a prosa pode ser musicada. No fundo é isso: toda a escrita tem a sua música, que em geral é bastante monocórdica, um pouco como os cantares dos padres católicos, sempre unissonais a finalizar na clássica terceira menor descendente.
Ter sensibilidade na escrita é pensar na sua musicalidade, e não apenas no que se diz - e isto concerne obviamente apenas a estética. Escrever é também escolher a forma musical da composição escrita. Lembrar onde se quer ter os pianos, os fortes, as suspensões, a mudança de tonalidade, a cadência, isso tudo. Podemos querer escrever um nocturno, ou uma sonata, ou mesmo uma sinfonia para os mais ousados. Mas o som que geralmente ouvimos não são mais que prelúdios para coisa nenhuma ou fugas desde o desconhecido.
Quem lê - o que quer que seja - tem a responsabilidade de interpretar a composição que tem à sua frente. A dificuldade de entender a forma como o autor quis que as suas palavras fossem interpretadas. É isto: cada vez que leres o que quer que seja tens que ser um Sokolov à beira de um Steinway. Não marteles as teclas. Toma consciência do poder das tuas mãos e do que vem de dentro de ti. Para que tudo o que toques seja vivido, mesmo se não inteiramente compreendido.
E depois diz lá se esta perfeição musical não é Bachiana.
06 junho 2005
Divãneios Pessoanos (2)
«O pior que há para a sensibilidade é pensarmos nela, e não com ela. Enquanto me desconheci ridículo, pude ter sonhos em grande escala. Hoje que sei quem sou, só me restam os sonhos que delibero ter.»
05 junho 2005
Diário de um escriturário (1)
Praga. Praga. Praga. Esta cidade que me foi rogada e onde não encontro um só indivíduo que não me lance olhares acusatórios se lhe pergunto qual o caminho para o Castelo. Aqui me encontro, sem culpa formada. E, perdido que estou, só me resta metamorfosear-me.
A ver se um dia consigo lá subir. A ver se um dia consigo rir.
A ver se um dia consigo lá subir. A ver se um dia consigo rir.
04 junho 2005
Fado Tropical
Para além desta casa mãe, vou deixando também por aqui alguns improvisos em dueto, numa tentativa de desmultiplicação não de mim mas do tempo que teima em não acolher tanta erupção palavrística.
Ser | Estar
A diferença do «ser» para o «estar» é a diferença que há entre a consciência e a não-consciência do «eu». Um indivíduo só «é» se conseguir «ser», ao invés de apenas «estar». Há frases que nós ouvimos desde crianças e tão repetidamente que acabamos por nunca pensar nelas seriamente. Só agora julgo entender o que o poeta quis dizer com o «To be or not to be, that is the question». E esta questão fulcral vou-a repensando com Vergílio Ferreira, que a problematizou como poucos - e com uma angústia mais sóbria que a de Pessoa.
Há quem ache que este é um problema falso e eu acho que essa opinião está para além da crítica, porque cada um tem o direito a escolher para si os problemas que quer ter ou não ter (que resolver) na vida. A maioria das pessoas não «é»: «existe». «Está». «Anda por aí». Isso não tem mal nenhum, mas é preciso, se se tiver a pretensão de «saber», saber as coisas como elas «são», ou, e aqui podemos dizê-lo intersticiamente, como elas «aí estão». Pensar que se «é» quando se «está» é que me parece ofensivo para o «ser humano».
Em inglês e em francês é difícil exprimir o «ser» e o «estar» porque eles se dizem ambos nos verbos «to be» e «être». Eu acho que Shakespeare gostaria de ter sabido português para dizer antes isto:
«Ser ou estar, eis a questão.»
Há quem ache que este é um problema falso e eu acho que essa opinião está para além da crítica, porque cada um tem o direito a escolher para si os problemas que quer ter ou não ter (que resolver) na vida. A maioria das pessoas não «é»: «existe». «Está». «Anda por aí». Isso não tem mal nenhum, mas é preciso, se se tiver a pretensão de «saber», saber as coisas como elas «são», ou, e aqui podemos dizê-lo intersticiamente, como elas «aí estão». Pensar que se «é» quando se «está» é que me parece ofensivo para o «ser humano».
Em inglês e em francês é difícil exprimir o «ser» e o «estar» porque eles se dizem ambos nos verbos «to be» e «être». Eu acho que Shakespeare gostaria de ter sabido português para dizer antes isto:
«Ser ou estar, eis a questão.»
A natureza de [T.M.]
[Eu] que até gosto de mulheres.
Que por acaso ou sem ser por acaso realmente gosto de mulheres.
Que só procuro mulheres sensíveis, intuitivas e inteligentes. Sublimamente, conscientemente, inteiramente.
Que me encanto com mulheres que igualmente procuram homens distintamente sensíveis, intuitivos e inteligentes.
Que não suporto mulheres que não sabem do que gostam.
Que adoro mulheres que me façam rir, e que eu as faça rir.
[Eu] que descubro quase de repente como deliro com mulheres que adoram homens que gostem realmente de mulheres.
Que sonho com mulheres da escrita, da dança, da música, com mulheres artistas, e então na arte de ser mulher.
Que afrouxo com mulheres que insistentemente teimam em afirmar que os advérbios de modo são completamente banais e dispensáveis.
Que só quero quem também goste de brincar, e seduzir, e provocar.
[Eu] que sou tanto quanto aqui cabe, cabe-me a mim perguntar:
Que farei quando afinal nem tudo arde?
Sim, porque quando tudo arde é fácil. Fica-se a olhar, quem sabe a lamentar, ou talvez aceitar. Não se sofre de ter de escolher.
Mas quando nem tudo arde, e há vontade, é preciso coragem para atravessar o calor, coragem para desbravar o vermelho do mato. Para depois encontrar a tal clareira, ajoelhar, e então colher uma flor.
Que por acaso ou sem ser por acaso realmente gosto de mulheres.
Que só procuro mulheres sensíveis, intuitivas e inteligentes. Sublimamente, conscientemente, inteiramente.
Que me encanto com mulheres que igualmente procuram homens distintamente sensíveis, intuitivos e inteligentes.
Que não suporto mulheres que não sabem do que gostam.
Que adoro mulheres que me façam rir, e que eu as faça rir.
[Eu] que descubro quase de repente como deliro com mulheres que adoram homens que gostem realmente de mulheres.
Que sonho com mulheres da escrita, da dança, da música, com mulheres artistas, e então na arte de ser mulher.
Que afrouxo com mulheres que insistentemente teimam em afirmar que os advérbios de modo são completamente banais e dispensáveis.
Que só quero quem também goste de brincar, e seduzir, e provocar.
[Eu] que sou tanto quanto aqui cabe, cabe-me a mim perguntar:
Que farei quando afinal nem tudo arde?
Sim, porque quando tudo arde é fácil. Fica-se a olhar, quem sabe a lamentar, ou talvez aceitar. Não se sofre de ter de escolher.
Mas quando nem tudo arde, e há vontade, é preciso coragem para atravessar o calor, coragem para desbravar o vermelho do mato. Para depois encontrar a tal clareira, ajoelhar, e então colher uma flor.
03 junho 2005
Divãneios Pessoanos (1)
«Não encontro dificuldade em definir-me: sou um temperamento feminino com uma inteligência masculina. A minha sensibilidade e os movimentos que dela procedem, e é nisso que consistem o temperamento e a sua expressão, são de mulher. As minhas faculdades de relação - a inteligência, e a vontade, que é a inteligência do impulso - são de homem.»
Sartre, amor e consciência
EPC é um admirador quase enamorado de Sartre. Das suas crónicas no Público, de ontem e de hoje, destaco esta citação sobre a relação que Sartre tinha com Simone de Beauvoir, que terá inspirado tantos e tantos nas décadas que se seguiram: «Mas ela e Sartre constituíram um desses casais míticos do século XX. Cada um tinha amantes, e, no caso de Simone, havia homens e mulheres. (...) Mas tiveram um princípio que suscitou o espanto e admiração de várias gerações: defenderam uma relação fundada numa transparência absoluta. Porque não há em Sartre espaço para o inconsciente.» A ênfase é minha, e no seguimento do poema de ontem, aponta mais uma vez para a impossibilidade do inconsciente, a dureza de não se conseguir libertar de um estado de consciência permanente e universal. Não espero que muitos entendam isto, porque para o entenderem era provavelmente necessário que sentissem o mesmo. É um caso de linguagem no fundo; e aqui a tradução é mesmo impossível.
02 junho 2005
«Ela canta, pobre ceifeira»
Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,
Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.
Ah, canta, canta sem razão !
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração a tua incerta voz ondeando !
Ah, poder ser tu, sendo eu !
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso ! Ó céu !
Ó campo ! Ó canção !
A ciência Pesa tanto e a vida é tão breve !
Entrai por mim dentro ! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve !
Depois, levando-me, passai !
[Fernando Pessoa]
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,
Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.
Ah, canta, canta sem razão !
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração a tua incerta voz ondeando !
Ah, poder ser tu, sendo eu !
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso ! Ó céu !
Ó campo ! Ó canção !
A ciência Pesa tanto e a vida é tão breve !
Entrai por mim dentro ! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve !
Depois, levando-me, passai !
[Fernando Pessoa]