Caro João Miranda: convido-o a reler
o meu anterior post, para perceber que eu não estava nada a misturar política com moral.
Eu *
apenas* tentei fazer um
exercício lógico, que é deste
tipo:
1. O
liberalismo tem um
conjunto de princípios. É um
facto. Falo dum ponto de vista puramente formal, lógico, positivo, e não moral. Os princípios são o que são. Não misturo política e moral. Apenas refiro que
é um
conjunto que contém
algo;
2. O mundo que nos rodeia contém muitas
incertezas, algumas que se vão esvaiando. Nomeadamente, através do
conhecimento científico, que é refutável por natureza, e que por isso mesmo não é imutável, mas evolui. Assim, cabe ao homem procurar em cada momento conhecer a
realidade que o rodeia tanto quanto pode;
3. Os
princípios em 1. - quaisquer que eles sejam - conjuntamente com as
ideias do ponto 2. (não digo "factos", porque as coisas são por natureza discutíveis), produzem,
necessariamente, e em
termos estritamente lógicos, certas
implicações.
Foi isso que eu pretendi: apenas sugerir um silogismo, que "restringisse" aquilo que um liberal pode dizer, através dum exercício lógico, formal. Quando o João Miranda diz que um liberal não pode ser contra política A ou B, está a olhar para o
conjunto de princípios definidos em 1. e a constatar a impossibilidade lógica desses princípios com a proposta A ou B. Nada mais. Apenas uma
inconsistência lógica. Não se trata de "propor" ou "refazer" o conjunto de princípios do liberalismo, mas apenas de perceber as implicações lógicas que deles poderão de advir.
A
discussão anterior ficou algo confusa, certamente por minha culpa. Acho que não fui claro em esclarecer que o ponto em causa era essencialmente, e em primeiro grau,
lógico-formal, e só dentro dele (porque, claro, temos que avaliar a validade das premissas) é que seria
substantivo. Algo demasiado recorrente é perverter o objectivo do interlocutor e olhar paras consequências disso. A famosa
Falácia do Apelo às Consequências.
Eu não estou preocupado com o que se segue de um
silogismo. Estou preocupado sim, em respeitar os princípios que estão de facto no tal "conjunto"; em estudar a validade das premissas adicionadas; e em não por em causa as implicações lógicas.
Voltemos ao silogismo:
Premissa 1: Onde não há escolha não há moral.
Premissa 2: A orientação sexual
não é uma escolha.
Conclusão: A orientação sexual está para além da moral.
Eu só quero discutir a
veracidade (substantiva) das premissas, mais nada. A conclusão (formal) seguirá delas. O meu argumento é que para um liberal, a premissa 1 é inabalável. Falo de moral no sentido de uma coisa "poder ser" moralmente condenável. Uma determinada acção - ou disposição - só pode ser passível de ser avaliada em "termos morais" se houver
alguma intenção do autor.
Ninguém pode ser considerado imoral por ter olhos verdes ou pele escura - é genético. Ninguém pode ser imoral por não conseguir tirar os pés do chão por mais de 3 segundos - é a lei da gravidade. Ninguém pode ser considerado imoral se, perante uma situação (teórica) em que ele tenha
apenas 2 acções possíveis, A e B, sendo que da primeira resultará a morte de 1 pessoa, e da segunda a morte de 500 pessoas, a pessoa optar pela acção A. Porque temos que ter em atenção o conjunto de possibilidades de escolha e as alternativas possíveis a determinada acção.
Eu não imponho que a Premissa 1 seja válida. Eu convido à discussão. Acho difícil haver moral onde não há escolha. Pelo menos para um liberal, para quem a escolha é sagrada. Para quem a escolha é consubstanciadora da
responsabilidade individual. Não concebo que possa haver moral onde não há
qualquer responsabilidade individual. Isso poderá ser verdade para algumas religiões, até para um marxista. Não para um liberal, quero crer.
A moral é (com lembra o Timshel nos comentários) o campo do «
dever ser». Ora como podemos falar dum «dever ser» quando o que existe é apenas um «tem de ser»? Para que o "dever" tenha algum sentido, tem que haver a possibilidade de ele não se concretizar. Senão, passa a não ser um
dever - uma coisa que é
devida - mas uma consequência - uma coisa que é
determinada. Onde não há escolha, não há moral. Isto parece-me inabalável. Mas, volto a repetir, estou totalmente aberto à discussão.
Quanto à Premissa 2, falamos de uma questão, não de princípios, mas de
factos. Houve uma grande confusão no debate que se gerou. Eu não quero discutir o ponto de vista normativo, de eu achar que «as pessoas
devem ser livres para fazerm o que querem, nomeandamente no que concerne à orientação sexual». Não. Eu estou a tentar construir um
silogismo. Logo, a premissa 2, em termos formais, e dada a forma da premissa 1, tem que ser algo do domínio dos factos e não de juízos de valor. O que me importa é saber se a OS
é ou não é uma escolha livre.
Relativamente a este ponto (
releiam o anterior post), o que eu sugeri é que a ciência tem
algum papel nisto, nomeadamente a genética. Há certamente uma componente de
nature e
nurture nisto tudo. Vários estudos o demonstram. O João Miranda, entre outros, não têm de os conhecer. Mas não podem é subverter a
natureza da questão que eu ponho.
Ainda em resposta ao Timshel (nos comentários): claro que o homem tem
livre arbítrio. Ninguém aqui propõe um determinismo sobre o homem. A orientação sexual
desenvolve-se, (eventualmente)
evolui, quer dependendo de factores genéticos, da nossa infância, do ambiente que nos rodeia, e das escolhas que fazemos ao longo da vida, incluindo (eventuais) experimentações. O ponto é que o
produto disso tudo não, em última análise, directamente controlável por nós. Eu posso perfeitamente controlar se bebo ou não um copo de água. Se ajudo ou não uma velhinha a atravessar a rua. Tenho livre arbítrio. O que não
posso, ou não
consigo, é dizer algo como:
a partir de amanhã vou passar a sentir-me atraído por pessoas do sexo X ou Y.
Simplesmente, o
desejo e a
atracção são coisas que não conseguimos controlar de forma soberana, directa e total, como se fossem fenómenos tipo
causa-efeito. A sua efectivação (tirando casos patológicos), à partida sim. Mas eu foco a análise na orientação sexual em si mesma, e não na sua concretização. Não podemos fugir ao assunto. O silogismo refere apenas e somente a orientação sexual. Uma coisa de cada vez.
Reitero que não abordo a questão da orientação sexual ser ou não uma escolha dum ponto de vista normativo, mas sim positivo. Daí a inclusão, no que eu propunha como
conclusão lógica, do que destaco a itálico:
«Um liberal, bem intencionado e minimamente informado, não pode achar a homossexualidade imoral».[Repito que o
pode não é um
juízo moral mas um
juízo de facto: uma mera conclusão lógica do silogismo proposto.]
Porque se a pessoa não está informada, não pode discutir esta questão, uma vez que temos que ter
também em conta os recentes contributos da ciência, em especial da genética e da psicologia. E há uma condição precedente a essa aquisição de informação: o ser, do ponto de vista intelectual, "bem intencionado". De procurar a verdade dos factos sem preconceitos nem medo do que daí pode advir. Algo que, infelizmente, julgo muito raro em certa direita (isto não é para o JM) que tem uma certa
aversão e
incómodo em aprofundar estas questões.
O meu ponto era apenas esse. Discutir as premissas e ver se de facto existe ou não uma
restrição lógica a qualquer pessoa que se assuma como liberal. Não é intolerância nem misturar moral com política. É ser intelectualmente honesto, ter a ombridade de por as questões com clareza em cima da mesa, aceitando as conclusões lógicas sem olhar às consequências. Não comprometer a verdade das coisas por questões menores.
Fico a aguardar resposta, caro João Miranda. Julgo que o seu post e o título que escolheu são enganadores, mas admito que não de forma intencional. Espero que a
questão lógica - que era o que eu queria abordar e que gerou confusão - tenha ficado mais clara. A discussão, claro, e como sempre, está aberta a todos.