aforismos e afins

31 dezembro 2005

For tomorrow, I wish

Que elas acordem com um longo espreguiçar, sem sombra de culpa, capazes de apreciar a beleza masculina, de verdadeiramente desejar corpos esplendorosos, e de ousar experimentar parcerias novas.

O melhor filme que vi em 2005

Como me pude esquecer? Foi A Melhor Juventude. Uma obra-prima para se ver em casa, porque quer a história quer a duração do filme (6 horas que passam num instante) convidam ao sossego do lar. Absolutamente imperdível. [Grazie, Matteo. Grazie, Nicola.]

A melhor frase de 2005

«Essa não é a minha guerra, pá!» (sem link / com abraço)

Coisas de que eu gostei nos blogs em 2005

(sem ordem de espécie relevante)
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- o mítico «O nosso amor é verde»
- os escritos (e a escrita) de Henrique Raposo
- as intermináveis discussões epistemológicas com o João Galamba
- tudo o que se escreve n'O Boato
- os comentários do nosso conhecido José Barros
- o corajoso (ainda que sem novidade) «Toda a mulher gosta de apanhar» (e a lição gramatical que se impunha)
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- o insuperável 'blog-savoir-faire' de PPM
- a presença (e a postura) de CCS na blogosfera
- os prémios (e a piada) de Rodrigo Moita de Deus
- a distinta classe da Sra. Educadora
- o folhetim-/-diálogo-Socrático «Coming out a um conservador-liberal» e toda a polémica à volta do artigo de MST
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- o excelente Miguel Madeira ter criado um blogue
- uma atempada e precavida proposta de Linha Editorial
- este especialíssimo 2005 em revista
- a iconoclastia preserverante de CAA
- os «Copos e afins», onde pude conhecer gente muito porreira, e onde aconteceu o acto criador da já famosa "Paleo-Lésbica"
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Alguns posts aqui da casa: um post polémico e contundente, uma nota a JPP, o dançante Jerónimo, uma correcção importante à GLQL, uma reflexão sobre a adopção, um silogismo refinado, o mega-esclarecimento ao artigo «SIDA e Economia», um complemento a um escrito do HR, uma digressão à volta do infinito, o primeiro quizz, uma provocação às mulheres, uma tentativa de cheque-[quase]-mate ao HR, mais sobre liberalismo e silogismos, polémica sobre moral, homossexualidade e Igreja (com 66 comentários) e subsequente água na fervura, sobre o puritano arquitecto Saraiva, sobre o artigo de MST - um, dois, três, a polémica sátira de CAA, uma nota hermenêutica, a poesia dum armistício, as discordâncias com o Pedro Picoito sobre Saramago, um mega-hiper post sobre o existencialismo do João Galamba, o post incitador à "ressurreição" bloguística dum doutorando em filosofia política, sobre o aborto, passagem fugidia por um blog de esquerda, e - last but not least - a maldita cocaína da minha querida Kate Moss.
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Ainda a reter esta pérola de misoginia [reflexiva, note-se bem] de uma mulher aos 26 anos (que poderia ser generalizada sem grandes problemas de consciência para quase todas as idades, mas ok: it's a start):
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«O que odeio em mim: a dependência afectiva; a minha inconsistência como pessoa; o ser fraca, instável, imatura, insegura, ciumenta, possessiva; o não poder estar sozinha; o desespero imediato; a minha brutalidade; a minha covardia (não ser capaz de sofrer, fraqueza, timidez), as infidelidades; a pouca atenção dada ao "outro", o ser, como as crianças, egocêntrica, que não é o mesmo de ser egoísta; falta de intuição; pouca assimilação do que leio; a inveja.» [MFM, aos vinte e seis (p. 223)]

O pior de 2005

Não tencionava listar nada de "mau", mas confesso que depois de ler isto (via CCS) é dífícil resistir. O que menos gostei em 2005 (já escrevi que a minha guerra não é com a esquerda, mas com alguma direita-liberal) são os liberais que escrevem e se revêm neste tipo de "tolerância" e que quanto a mim (embora os respeite, claro) dão mau nome à palavra liberal. O liberalismo de tipo minarquista não colhe o meu favor mas percebo-o perfeitamente como projecto político. O que me causa mesmo algum desagrado são as questões pré-políticas, e o tipo de tolerância que se depreende de escritos de certos liberais.

30 dezembro 2005

Quizzs 4 e 5 (respostas)

(post parcialmente dedicado a CCS, como se percebe destes comentários e subsequente post)
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Das muitas respostas correctas ao Quizz 5, a que mais me agradou foi a de jcd - aqui fica:
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«Escolhe-se um porta voz, que é o único autorizado a dar a resposta ao carcereiro. O procedimento a seguir por cada prisioneiro seria: 1. Da primeira vez que entrar na sala com a luz apagada, acende-a. 2. Se a luz estiver acesa, não faz nada. 3. Se já acendeu a luz anteriormente, não faz nada, mesmo que a luz esteja apagada. O porta-voz, sempre que for à sala e encontar a luz acesa, apaga-a. Quanto apagar a luz pela 99ª vez, sabe que já todos visitaram a sala. O problema é que isto pode demorar anos.»
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A dificuldade deste quizz está na assimetria de papéis que existe entre os prisioneiros e no tempo que pode demorar a concretizar. Mas a dica número 3 que eu dava ajudava bastante, creio. O facto de "demorar muitos anos" não é de facto um problema, no sentido em que pensamos num algoritmo abstracto e não necessariamente na aplicabilidade da coisa. Tal é o valor deste tipo de exercícios.
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A resposta ao Quizz 4 é que o concorrente deve mudar de porta, porque a probabilidade de ganhar o carro é 2/3. Muitas pessoas julgam que por haver duas portas no final a probabilidade é 1/2. Acontece que elas se estão a esquecer do passo intermédio - é que o apresentador sabe qual é a porta que tem o carro e devido ao facto de ele nunca abrir uma porta que tenha o carro, isso revela informação. Duas em cada três vezes o carro vai estar numa das portas não escolhidas pelo concorrente inicialmente. E neste caso, o apresentador só tem uma opção. Daí que duas em cada três vezes o apresentador revele onde está o carro. É por isso que o concorrente deve mudar. Se não estão satisfeitos com esta explicação, posso adiantar que o grande Erdos demorou a aceitá-la. Pesquisam "Monty Hall" no Google para ver outras explicações e brincar às simulações, para ver como a probabilidade é 1/3-2/3 e não 1/2-1/2.
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Obrigado a todos os que participaram e parabéns aos que acertaram. Os quizzs continuarão - perhaps... - algures em 2006.

Prenda de Natal inesperada

Confesso que tenho um certo pavor a amiguismos e compadrios que são coisa tão comum por aí (o que é perfeitamente normal, atenção - isto não é uma crítica, mas quando muito um issue pessoal), e por isso me custa um pouco escrever isto, mas não consigo evitar partilhar um sorriso de alegria ao saber que uma das poucas pessoas que eu admiro em Portugal inclui nas suas preferências de 2005 estas duas coisas: «Também gosto do aforismos e afins e de outros que agora não consigo linkar / Os quizzes do aforismos e afins embora tenha desistido do 5º». É o que escreve CCS na Minha Rica Casinha. Confesso (até para por alguma água na fervura para quem de tal precise depois de ter lido este post) que para além de Constança Cunha e Sá, nutro (diferente) admiração por uma mão quase cheia de mulheres "públicas" portuguesas: Helena Matos, Teresa de Sousa, e Clara Ferreira Alves*/**. Homens também são (uns) poucos.
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*descontando, para não dizer ignorando, um certo feminismo que me causa valente urticária, como foi bem patente na polémica que se gerou depois das declarações do reitor de Harvard Lawrence Summers, sobre a qual escrevi aqui, o João ripostou acolá, e que eu finalizei aqui. [A ler ainda a propósito este e este posts.] O lado por vezes irritantemente "intelectual/pretensioso" de CFA é, ao pé disto, uma questão menor, ainda que também me faça subir as batidas cardíacas.
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**pode-me falhar a memória - aceito sugestões.

Leituras do dia (de ontem)

«O medo é que é perigoso» [via HR]. Aproveito para endereçar o meu apoio ao CAA por este post.

A propósito do «Constant Gardener»

De que falei aqui, há uma cena em que a miúda lhe diz que quer ir com ele para África, «be it as a mistress, lover, or wife». A tradução dada no filme foi «amiga, amante, ou mulher». É curioso, porque o mistress é a amante de alguém que está casado, enquanto o lover é um conceito mais abrangente. Logo, e dado o sentido que as palavras têm no contexto português, julgo que seria mais apropriado falar de «amante, namorada, ou mulher». O que é uma pena, note-se. O «ser amante», no sentido original da palavra, é provavelmente das coisas mais bonitas que há. Como o ser amador, aquele que faz as coisas porque as ama e não porque tem necessidade de (esse será o profissional). O ser amante em Portugal é visto como coisa promíscua e quase sempre adúltera. E como (ainda por cima) lembra o imaginário francês duma certa libertinagem (polvilhada de romances como o de Sarte e Beauvoir), o conservador-tradicionalista português fica em pulgas se lhe mencionam esta expressão, imaginando de imediato malta do Bloco de Esquerda que se ama de forma X ou Y para ser politicamente incorrecta, transgressora, bla, bla, bla. Ser um puro amante é muito difícil. Mas é bonito. E, quer-me parecer, ainda acontece por aí.

Silogismo de fim de ano

Factos:
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1. Os blogues representam uma selecção elitista da sociedade;
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2. A participação de mulheres na blogosfera política - ponderando as participações de mulheres (e o seu peso) na escrita autorial e/ou comentarista em blogues políticos - é diminuta. Digamos que é de X%;
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3. A participação das mulheres na política "real" é de Y%.
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4. A blogosfera é, senão "livre", bastante mais livre , ou até melhor, isenta de restrições (de acesso, etc) que o mundo real. Logo, é de crer que a presença das mulheres na blogosfera corresponda a um retrato relativamente mais fiel das suas preferências. Se a escolha é possível, escolha feita revela necessariamente preferência.
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As conclusões seguem-se consoante as hipóteses que se juntem a estes factos:
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Hipótese A: o mundo real não apresenta grandes restrições à participação política das mulheres. Conclusão A: A diferença significativa entre X e Y significaria que no cohorte seccional de mulheres que pertencem a elites, o interesse pela política é proporcionalmente menor. Justificação A: a mulher elitista tem interesses relativamente mais mundanos que a mulher média (tipo "gente gira" e coisas do género feminino).
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Hipótese B: o mundo real apresenta grandes restrições à participação política das mulheres (que justificariam quotas, etc). A conclusão anterior são reforçada.
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Há mais hipóteses, claro. Isto é só um convite à discussão. O que me parece inegável é que existe uma diferença abissal na presença masculina e feminina na blogosfera. Isso é inteiramente natural. Temos preferências diferentes. O que irrita qualquer santo são as pessoas que pretendem igualar tanta coisa que difere entre os sexos. Não há mal nenhum nos chamados "blogues de gajas". A liberdade de expressão deve ser a única coisa que nos deve preocupar. O exercício da criatividade, ainda que permita a crítica, não o pode fazer com base na escolha substantiva, mas apenas no formal-dado-o-substantivo escolhido.
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Ou seja, cada um fala do que quer. Seria uma pena era não pensar nessa evidência abrupta que é a pouca representatividade (não digo nula, claro, veja-se o Semiramis, por exemplo) das mulheres no debate político na blogosfera. E pode ser que depois de se perceber isto, também se perceba que a participação efectiva das mulheres na política real não tenha que ser igual. O que tem de ser igual são as condições de acesso. O processo, não o seu resultado. Depois, que cada um escolha o seu modo de vida consoante as suas preferências. E um bom 2006.

Salada de Frutas

O meta-Johnny fez uma resenha das cenas dos últimos capítulos que não pode deixar de ser apreciada.

Filmes e afins

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Sobre freiras sensuais não tenho de facto autoridade para comentar. Quanto ao 2046, tenho curiosidade nessa crónica do PMS. Eu e o João concordamos aqui sobre ele. Recomendo ainda o debate que se gerou entre os dois acerca do Primavera, Verão, Outono, Inverno... Primavera (tens de ver este filme). Quanto à Crónica, estamos em perfeita sintonia. Só quis lembrar essa excepção. A ver se combinamos uns copos ou jantar antes de ir (João e demais - by email please).
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Ontem fui ver O Fiel Jardineiro. Não gostei. Também ia com alguma expectativa. Mas o filme nem é filme (com plot) nem é documentário (com informação). Quanto a mim, faz um mau serviço à "causa", ainda que valha pelo "alerta" que faz. Mas a verdade é que o filme - não sendo baseado numa história real - não acrescenta nada a duas linhas que se leiam no jornal sobre aquilo que ela versa. O flashback inicial é escusado e depois mal trabalhado. As personagens são pouco profundas. Não há história de amor. A única cena verdadeiramente bem conseguida é a inicial, em que o tímido lecturer é conduzido aos aposentos duma jovem que prometia. Ralph Fiennes é giro, relativamente bem conservado, mas é um actor muito pouco versátil. Fez um papelão n'A Lista de Schindler, e mais nada. No Paciente Inglês atura-se. Mas ele não sabe sorrir. Nem chorar. Nem consegue abrir a boca. É um típico british, que fala como ventríloquo, de boca fechadinha e sem expressar demasiadas emoções. Eu sempre que o vejo lembro-me do tipo nazi e mais nada. É ele.
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No filme sobre o holocausto nazi, há aquela frase final, dita em comoção pelo Izthak Stern - «Whoever saves one life, saves the world entire» do Talmud, quanto Schindler chora e se culpabiliza por não ter salvo mais pessoas. Neste filme, a cena do jipe, em que a mulher dele quer dar boleia a uma família (e ele recusa), e depois a outra onde é ele a querer salvar uma criança no avião que os socorre, têm pouca densidade. Já não falo da cena dele a tentar subornar o piloto africano, que lhe diz (e isto é muito british): «Regras são regras». Há coisas que poderiam resultar mas não resultam por debilidade do realizador - tão simples quanto isso. A actriz é bonitinha mas fraquinha. O seu amigo negro tem uma ou outra cena dúbia que valem bastante. O Sudin é um escroque mal caracterizado. Mesmo o jardineiro é um tipo pouco profundo, quer queiramos quer não. O "volte-face" na sua personalidade está ao nível das novelas brasileiras. Tudo previsível.
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Porque é que o realizador não optou por um registo mais próximo do documentário? Julgo que teria resultado melhor. Seria mais eficaz explorar uma pequena informação/investigação baseada em factos reais, do que oferecer-nos 2 horas de uma coisa que não vale nem pelo conteúdo nem pela estética. As alusões aos lucros das farmacêuticas e aos 3 anos que envolveria mudar a investigação, etc, são coisas (perdoa-me João, mas são, ou pelo menos resultam em tal, se analisares friamente a coisa) que roçam a propaganda do Bloco de Esquerda. Não que não tenham um fundo de verdade, e muito menos que o assunto não seja gravíssimo. Mas a forma como vêem as coisas é deturpada. Com tanto caso de corrupção em África, seria mais proveitoso fazer um fime-documentário do que esta charupada. Mil vezes uma reportagem de 2 minutos na BBC sobre o que se passa num destes países do que este filmezito, que parece uma mescla daquela chachada com o Dustin Hoffman sobre o vírus ébola com a encenação da diplomacia e bastidores dum qualquer 007.
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A única coisa boa que acontece com este filme é mesmo uma vontade imensa de rever o África Minha. Isso, sim.

29 dezembro 2005

Leituras do dia - Filmes e Escrita

Com pouco tempo, há que selecionar. O Henrique Raposo volta a falar de filmes em 2005 aqui. Com comentários novamente abertos, que deram origem a outro (grande) post, sobre diferentes registos de escrita. Quanto aos filmes, já tinhamos concordado em não linkar mais o João Galamba (oops, sorry) enquanto ele não alugar o Mystic River. «Quando acaba um grande filme, gera-se um certo silêncio", diz o Henrique. Eu até trocaria o gera-se por um pede-se, para não dizer um impõe-se. Nada pior que o frenesim de quebrar silêncios com palavras que distraem e que violam a sacralidade de deixar repousar o impacto que certo filme teve. Eis uma boa razão para ir ver (certos) filmes sozinho. Ir ao cinema sozinho (então à sessão da meia-noite) é um dos poucos actos de liberdade total que nos podemos permitir hoje. Entre outros, Uma história simples, 25th hour, e A sombra do Samurai foram abençoadamente vistos assim. Sem pressa de conclusões. Já o Primavera, Verão, Outono, Inverno... Primavera (Henrique, tens que alugar) foi estragado com um comentário no final de quem me acompanhava.
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«[O] acto final de Eastwood em Millon Dolar Baby está correcto? Eu acho que sim. É uma prova de amor. É um acto moral que só o Homem pode fazer.» Afinal também se fala (ainda que en passant) de (chamados) "temas fracturantes" n'O Acidental - acho muito bem. Eu confesso que ia com tal expectativa para este filme que me desiludiu ligeiramente. Gostei bastante mais do Mar Adentro, a que não é alheio o facto de me lembrar perfeitamente do acompanhamento que o caso teve nos media. Aliás, oportunidade para voltar a lembrar o Invasões Bárbaras. Diz ainda o Henrique: «Não se fala de obras-primas. Escreve-se. É para isso que se inventou a escrita.» De facto, soa sempre a estranho falar de obras primas. Parece que é difícil não ter a consciência pesada de se estar a (pretensamente) passar por um Eduardo Prado Coelho, quando as palavras faltam e se encavalitam lugares mais ou menos comuns (que podem não o ser, mas a oralidade é assim), quase descamabando numa espécie de "competição pela intelectualidade". Péssimo.
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Há outro tipo de filme, a propósito do que o João disse sobre o 2046. São os filmes sobre os quais o primeiro comentário é sobre a fotografia. Sendo o filme uma obra estetética, faz sentido por de lado (ou minorar) o seu "conteúdo"? Julgo que não. Por isso também me irritam os filmes onde já se sabe que no final se vai referir a banda sonora ou a fotografia, e mais nada. [Mas eu acho que o 2046 é um grande filme, e que a fotografia é um acrescento, tal como no Disponível para amar, cujas presenças femininas e seus movimentos (não só mas também de anca) arrebatam qualquer ser com um mínimo de sensualidade].
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O Henrique depois fala de diferentes registos da escrita, num post onde insere uma foto bem fálica do Empire State Building e mais outra com um toque Kama-Sutriano [o que registamos com agrado]. Diz que «Quando se escreve sobre Política, (...) é preciso moderar a retórica, a graça, a ironia, enfim, o estilo, a forma. (...) Quando se aplica o tal “talento” de que V. fala à Política, o resultado é uma coisa exaltante e, por isso, perigosa. E sem coerência.» Percebo e concordo, mas não integralmente. Porque há excepções, que têm a ver com o lado satírico da análise política. Relembro uma crónica de João Pereira Coutinho em que ele dita 10 regras para se ser um bom cronista, e em que exalta o facto duma crónica ser uma extensão do eu, onde o estilo deve prevalecer sobre a forma (falo de crónica no sentido estrito, em oposição a texto ou artigo). Concordo plenamente quando o Henrique diz «Em política, o critério estético é o último de uma extensa lista.» (susbtituiria o "é" por "deve ser", ainda que a mensagem normativa esteja subliminarmente presente, julgo eu).
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O ponto 6. do Henrique simplifica as coisas de uma forma que o põe (apetecivelmente) a jeito para umas boas críticas (que é como quem diz, uns bons cartões): «Escrever sobre política é como fazer arquitectura. É preciso pensar o texto de uma ponta a outra. É preciso estar atento à coerência interna. Porque se não existir essa coerência, o edifício cairá. (...) . A Arte é um organismo. Escrever sobre arte é como fazer amor. Não interessa a coerência mecânica. Não se pensa. Faz-se.» Mas na essência concordo com ele, e este é um dos pontos onde é bom simplificar e traçar linhas distintas fortes, ainda que exageradas. Isto fez-me lembrar o meticuloso arquitecto Saraiva e os seus editoriais.
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Notas finais 1: gostei do ponto sobre Nietzsche - temos que dissecar isso uma outra altura (com copos à mistura se possível).
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Notas finais 2: curioso de saber a tua opinião sobre o Emmanuelle. [Isto não é piada, é curiosidade mesmo, porque acho-o um filme ímpar, e não só pelo contexto em que ele é feito - acho que a sua mensagem é em grande parte intemporal].
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Notas finais 3: espero que os comentadores estejam à altura de permitir que os diálogos subterrâneos dos teus posts possam continuar.

Recomendadíssimo

Um CD que descobri numa loja em São Petersburgo, que recomprei para oferecer, e que é dos poucos que posso ouvir 10 vezes ao dia sem me cansar, e dias a fio desde há anos (com o side benefit de cantar em simultâneo). De tanto o ouvir, acabou por se riscar, e para o encontrar numa loja ou na net foi um bico de obra. O Duets (ou Duets I) não tem nada a ver e de resto é um CD que nem recomendo. É muito tipo música de elevador. Mas o CD de que falo - o Duets II, do Sinatra - é insuperável. For Once In My Life, Come Fly With Me, Bewitched, Luck Be A Lady, Where Or When, Embraceable You, são algumas das faixas superiormente conseguidas. Perfeita é a faixa 12, onde o How Do You Keep The Music Playing e o My Funny Valentine se cruzam de forma estonteante e apaixonada.

28 dezembro 2005

Apostas e expectativas

Crónica de hoje no Diário Económico, também aqui.

As pérolas do Dr. Soares

Já o disseram tantos (e não são demais). Como diz o André Azevedo Alves, o que é mais grave é a naturalidade com que os media pareceram (não) reagir a isto. Repare-se no que diz Soares à saída dum comício (vejam o vídeo no Tau-tau e a transcrição n'O Acidental):
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1. «Não, não foi o líder do PP que disse isso (...), foi o líder do CDS que disse isso, dr. Ribeiro e Castro.»
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2. «Ele diz aquilo... ele é, ainda por cima, deputado do Partido Socialista.»
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3. «Um dos grandes grupos do Partido Socialista é o Partido Socialista... o Partido Socialista Europeu.»
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4. «É uma pena que [Ribeiro e Castro] seja um dos mais entusiásticos, senão o mais entusiástico, apoiante do dr. Cavaco nesta eleição.»
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As pérolas 1, 2 e 3 demonstram a viva lucidez do octogenário. A pérola 3 demonstra ainda sólidos conhecimentos sobre Teoria dos Conjuntos. A pérola 4 é duma demagogia algo pequena face à imagem de marca que o animal político Soares tem imprimido nesta luta. Se repararem bem, no vídeo vê-se um tipo com um ar meio manhoso ao lado de Soares e umas luzes vermelhas de gosto duvidoso a piscar. Isto não são insinuações nenhumas. São apenas tentativas caritativas de contextualização para tentar justificar esta cena («gaffe» será o maior plenonasmo de sempre?) de Soares. Para quem sacrificou o pobre Guterres com a história dos 6% do PIB, este vídeo devia ser repetido à exaustão e incluído nos manuais escolares como pré-aviso aos perigos da idade na política. Mas se isso acontecesse - claro - lá vinha o queixume que a comunicação social estava a levar CS ao colo e coisas do género. Enfim. É o PQT.

«Saraband» e o ódio

Vi-o em reposição há umas semanas, e fiquei com as mesmas impressões do Henrique Raposo. Passo-lhe então a palavra:
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«Primeiro: é um acontecimento porque marca o regresso de um clássico vivo. (...) Terceiro: apesar de tudo, não é uma obra-prima. (...) Bergman sempre teve o condão de arrancar a alma aos actores. Nos seus filmes, os actores revelam os excessos da condição humana. De Saraband, marquei uma cena que simboliza o excesso típico da raça: o ódio. Apenas o Homem pode odiar. A besta limita-se a reagir. Deus limita-se a amar. A máquina limita-se a estar. Só a besta humana pode odiar. E a cena é aquela da biblioteca. Entre pai e filho. O ódio, a tensão pré-suicida, o asco, enfim, todo o lixo que se concentra no ressentimento foi ali figurado. Aquele ódio é de tal forma esmagador, que, a certa altura, temos vontade de sair da sala. É demasiada realidade. É confrangedoramente real.»
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PS: O hiato temporal entre o Saraband e o Cenas da Vida Conjugal trouxe-me à memória um dos meus filmes preferidos de sempre, As Invasões Bárbaras, de Denys Arcand, sequela d' O declínio do Império Americano. Recomendo vivamente ambos.

Triple Entente


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27 dezembro 2005

A ver

Se amanhã acordo assim-assim. [For a change].

Crime e Castigo (11)

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Tudo no homem sempre gira à volta da consciência. É por isso que Pessoa terá sempre um lugar cativo no estrito grupo dos grandes pensadores.
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A recordar outros excertos sobre o tema: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez.

Ainda sobre "o" debate

«O debate de Soares com Cavaco foi para Soares um verdadeiro suicídio político. Soares procurava desestabilizar Cavaco com toda a espécie de agressões. Cavaco, mesmo confessando a dado momento que precisava de se conter, manteve uma postura absolutamente impecável, ajustada à imagem que nós temos de um Chefe de Estado. Soares, não. A sua atitude foi a de um líder da oposição que quer esmagar o adversário a qualquer custo. Face aos elogios de Cavaco, Soares disse coisas espantosas sobretudo sobre a personalidade e a formação de Cavaco. Chegou ao desplante de afirmar que Cavaco era um razoável economista, mas não um Prémio Nobel, como se a história contasse com muitos Prémios Nobeis no lugar de Presidentes. Foi desagradável ao agitar comentários de amigos seus em relação ao aspecto hirto e pouco conversador de Cavaco em reuniões internacionais. Há coisas que um Presidente da República não pode fazer. Soares fez. E foi hilariante quando se quis apresentar como um verdadeiro conhecedor de economia que tinha salvo o país. Sexto ponto: se Cavaco ganhar à primeira volta, deverá agradecer a Soares.» [Eduardo Prado Coelho, Público, 26-12-2005]

Crime e Castigo (10)

«Por outro, o mal é uma experiência espiritual do homem. Faz parte do homem. Enquanto percorre o seu caminho, o homem pode ser enriquecido pela experiência do mal, mas é necessário compreender isto como deve ser. Não é o próprio mal que enriquece o homem; ele fica enriquecido, sim, pela força espiritual que desperta nele para dominar o mal.»
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[Agustina Bessa-Luís, lembrada pela Educadora].

26 dezembro 2005

Memórias*

«Toda a recordação é, por definição, triste. Sobretudo a dos melhores momentos. A memória é masoquista.» [Marcello Duarte Mathias]
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*(parcialmente) dedicado ao José Barros (porque draftado há muito).

Correio de Natal

Et si tu n'existais pas
Dis-moi pourquoi j'existerais
Pour traîner dans un monde sans toi
Sans espoir et sans regret
Et si tu n'existais pas
J'essaierais d'inventer l'amour
Comme un peintre qui voit sous ses doigts
Naître les couleurs du jour
Et qui n'en revient pas

Et si tu n'existais pas
Dis-moi pour qui j'existerais
Des passantes endormies dans mes bras
Que je n'aimerais jamais
Et si tu n'existais pas
Je ne serais qu'un point de plus
Dans ce monde qui vient et qui va
Je me sentirais perdu
J'aurais besoin de toi

Et si tu n'existais pas
Dis-moi comment j'existerais
Je pourrais faire semblant d'être moi
Mais je ne serais pas vrai
Et si tu n'existais pas
Je crois que je l'aurais trouvé
Le secret de la vie, le pourquoi
Simplement pour te créer
Et pour te regarder

Et si tu n'existais pas
Dis-moi pourquoi j'existerais
Pour traîner dans un monde sans toi
Sans espoir et sans regret
Et si tu n'existais pas
J'essaierais d'inventer l'amour
Comme un peintre qui voit sous ses doigts
Naître les couleurs du jour
Et qui n'en revient pas

[Joe Dassin - «Et si tu n'existais pas»]

O Pousal

A conclusão - que não subscrevo integralmente* - é o menos. A crónica de Clara Ferreira Alves vale pela descrição que faz, que é humana sem ser lamechas, e é crítica sem se por no papel vitimizador que os portugueses tanto gostam. Disponível aqui.

*pela leve demagogia, e que também justifica a mudança no título do post.

Inexcedível na assertividade

Só pecando na sua miúda auto-confiança, Pessoa quando diz: «I know not what tomorrow will bring».

José António Lima, Expresso

MÁRIO Soares precisava, no debate final com Cavaco Silva, de ser politicamente contundente, mas também construtivo e credível. Foi, apenas e só, agressivo no tom e destrutivo nas palavras. Precisava de abrir brechas no distanciamento esfíngico de Cavaco, de o fazer descer do pedestal de superioridade em que tem decorrido a sua campanha. Conseguiu, apenas e só, desgastar-se a si próprio em ataques e indelicadezas sucessivas, reforçando a aura de seriedade e respeitabilidade do seu adversário. Mário Soares não fez uma única intervenção, uma única, ao longo de mais de uma hora de debate, com uma ideia para o país, com uma proposta mobilizadora, com uma mensagem positiva. Foi reiteradamente agreste e catastrofista. Obcecado em denegrir e abalar o adversário, esqueceu-se de que estava a falar para os portugueses, transformou uma campanha presidencial num recinto de luta livre, converteu um debate político numa conversa, azeda e ressentida, de vizinha rezingona e maldizente. Soares chamou tudo o que podia chamar a Cavaco. «Não tem competência, não tem temperamento, não tem conversa, não é um social-democrata, é um homem de direita, quer vender gato por lebre, não tem uma formação democrática precisa, não fala, está blindado, deu o poder a outro porque tinha medo de ser julgado e de perder, é um político intermitente, só gosta de panegíricos, só governa em tempo de vacas gordas, é um economista razoável, não é um supra-sumo da economia, tem vergonha do partido dele, quando está com outras pessoas ou fala de economia ou cala-se, etc., etc., etc.». A diatribe de Soares foi-se tornando, a cada remoque ou intervenção que fazia, mais incómoda para os espectadores, mais patética pela exaltação, mais confrangedora pelo excesso de linguagem e pela gratuitidade dos ataques. Cavaco nem precisou de ser melhor do que o habitual para sair claramente por cima deste debate. Bastou-lhe ignorar a má-língua, não baixar ao nível conflituoso do seu adversário, falar do que pensa poder ser o seu papel em Belém e, em sintomático contraste, deixar cair alguns elogios às qualidades do opositor. Enquanto isso, Soares tratava, acusação atrás de acusação, golpe após golpe, de dar um KO a si próprio e de se pôr fora de combate.»

25 dezembro 2005

as time goes by...

[we must remember this]

Idoneidades que o povo dá

Os titulares de cargos públicos eleitos têm automaticamente adquirido o direito ao porte de arma.

Leitura liberal

Algo contra-a-corrente, este excelente texto de Ralf Dahrendorf, no Público de hoje. Excerto (texto completo aqui):
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«Para que sociedades livres floresçam, as fronteiras da liberdade de expressão devem sempre ser alargadas em vez de reduzidas. No meu ponto de vista, a negação do Holocausto não deve ser ilegalizada, em contraste com apelos para que sejam assassinados todos os judeus - ou um que seja. Da mesma forma, ataques contra o Ocidente em mesquitas, por mais ferozes que sejam, não devem ser proibidos, em contraste com o encorajamento aberto para a adesão a esquadrões da morte suicidas. (...) .A liberdade de expressão é imensamente preciosa, tal como a dignidade e a integridade dos seres humanos. Ambas necessitam de cidadãos activos e alerta que confrontam aquilo de que não gostam em vez de esperarem que o Estado o reprima. O incitamento directo à violência é visto - como devia ser - como um inaceitável abuso da liberdade de expressão; mas muito do que é desagradável sobre os David Irvings e os pregadores de ódio não cai nesta categoria. As suas palavras de ódio devem ser rejeitadas com argumentos, não com polícia e prisões.»

boas festas


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24 dezembro 2005

Tórrido

Ok, tórrido-no-contexto. Ainda assim. Tórrido.

Quente

«Eu, por exemplo, confirmo a frase. Gosto imenso de apanhar. Naturalmente que o complemento, ao complementar, tem função constitutiva. :)»

[Susana, da Lida Insana]

Morno

«oh, se pede» [confirma-nos com autoridade a nossa Educadora].

Frio

Reparem que a frase citada pode ser vista como uma (suposta) constatação, ou como uma definição (proposta). O formato pode ser «Observo que para todo o X, Y», ou «Para se ser X, Y». [Para quem está ensonado, X = mulher, Y = é preciso gostar de apanhar]. No sentido da definição, falamos de certo tipo de mulher, claro. Não falamos de qualquer espécime com capacidade reprodutora. Falamos da nossa mulher. E desse modo aquilo que é uma (nossa) definição torna-se também uma constatação (nossa). Um dois-em-um que nasce da inviolabilidade do eu. Perfeito.

Gelado

«Deus fez a rapariga, e o homem fez a mulher.» [B. de Verville]

Educação gramatical

A frase «Toda mulher gosta de apanhar» pede um complemento. Directo ou indirecto, isso é o menos. [Depende da intenção da sujeita]. O que importa é que o verbo «apanhar» requer um complemento. Requer, quer dizer, pede.

Leitura obrigatória

Soa muito insólita a expressão "domínio público" aplicada a Fernando Pessoa. (...) Há três razões para essa minha reticência. A primeira é a complexidade de Pessoa. (...) Em segundo lugar, subscrevo as objecções que Eduardo Lourenço apontou Pessoa não é arregimentável por nenhum discurso clubístico. A sua pluralidade, dimensão e mesmo a sua tendência contraditória, tudo isso impede que Pessoa se torne um fetiche de uma comunidade. O Pessoa do domínio público pode vir a ser o Pessoa dos gays ou dos astrólogos ou dos nacionalistas mas isso seria diminuir Pessoa irremediavelmente, pois nele todos os sentidos são provisórios e a própria questão do sentido (como Lourenço demonstrou) não está garantida. (...) Eu elitista me confesso creio que Pessoa nunca será do domínio público. E acrescento: felizmente.

23 dezembro 2005

Crime e Castigo (9)

«Às vezes, irritava-me com os seus constantes disparates a respeito de Dostoievski. Pessoalmente, nunca tive a pretensão de compreender Dostoievski. Pelo menos, de o compreender todo. (Conheço-o, como uma pessoa conhece uma alma gémea). Tão-pouco li tudo quanto escreveu, até hoje. Tive sempre a intenção de reservar os últimos bocadinhos para ler no leito de morte. (...) Em Dostoievski havia uma atitude complexa em relação ao mal. Em grande medida, pode parecer que ele foi desencaminhado. Por um lado, mal é mal e deve ser enunciado, e tem de ser queimado, extinto. Por outro, o mal é uma experiência espiritual do homem. Faz parte do homem. Enquanto percorre o seu caminho, o homem pode ser enriquecido pela experiência do mal, mas é necessário compreender isto como deve ser. Não é o próprio mal que enriquece o homem; ele fica enriquecido, sim, pela força espiritual que desperta nele para dominar o mal. O homem que diz: "entregar-me-ei ao mal para meu enriquecimento", nunca enriquece, perece. Mas é o mal que põe a liberdade do homem à prova...»

[Henry Miller, Nexus]

22 dezembro 2005

Quizz nº 5

Há 100 prisioneiros que estão encarcerados em solitárias. Há uma sala onde está uma lâmpada, inicialmente desligada. Nenhum prisioneiro consegue ver a lâmpada da sua cela. Todos os dias, o guarda escolhe, aleatoriamente, um prisioneiro para visitar a sala onde está a lâmpada. Uma vez nessa sala, o prisioneiro pode decidir ligar a lâmpada. O prisioneiro tem ainda a opção de afirmar que todos os 100 prisioneiros já passaram pela sala. Se isto for falso, todos os 100 prisioneiros são mortos. Se for verdade, os prisioneiros são soltos. Logo, a afirmação só deve ser feita quando o prisioneiro estiver 100% certo daquilo que afirma. Aos 100 prisioneiros é dada a possibilidade de se reunirem no pátio, para discutir um plano.
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Que 'plano' devem eles escolher de forma a que um deles possa eventualmente fazer uma afirmação correcta?
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Nota 1: "aleatoriamente" significa que em cada período, todo e qualquer prisioneiro pode ser escolhido com probabilidade 1/100, independentemente das escolhas passadas. Ou seja, um indivíduo pode ser escolhido mais do que uma vez. Por exemplo, nas 100 primeiras chamadas, não é lícito que sejam chamados os 100 tipos. Isso seria muito improvável até. Em cada período, todos os prisioneiros estão na mesma situação e qualquer deles pode (voltar a) ser escolhido com igual probabilidade.
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Nota 2: naturalmente, a lâmpada nunca se "gasta".
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Nota 3: em jeito de "dica", não se foquem na "rapidez" com que determinado plano (algoritmo) possa resultar ou não. Imaginem, se isso facilitar, que o guarda escolhe um prisioneiro a cada minuto.
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A resposta a este e ao anterior quizz será dada depois do Natal. Os comentários voltam a ser moderados. O Miguel Madeira adiantou já duas respostas, sendo uma delas correcta. O Pedro Romano adiantou uma certeira (apesar de não ter a certeza que a resposta estava correcta*). O jcd forneceu são só a descrição mais sucinta duma possível solução, como ofereceu também um refinamento que a torna mais eficiente. O Karloos também já picou o ponto. Parabéns aos quatro.
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*porque uma das belezas da matemática e da lógica é que temos obrigação de saber se o resultado a que chegamos é correcto ou não.

Crime e Castigo (8)

«Não há entre o crime e a inocência mais do que a espessura de uma folha de papel timbrado.» [Anatole France]

Mulheres-desafio

Fui intimado a prosseguir o meu extemporâneo intimismo. Não resisto. Falava eu de um tipo raro de mulheres extraordinárias - as «mulheres-desafio». Mulheres que apetecem porque intimidam. Intimidação do quê e porquê? Sentir-se alegremente intimidado é ter vontade de descobrir. É querer consumar uma admiração latente. Não é ter medo, porque não há receio mas antes uma atracção pelo desconhecido. É afrodisíaca porque convida à exploração. A boa intimidação faz parte do jogo de poder onde a soma só nunca é nula.
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Uma mulher necessita de três coisas para ter uma boa capacidade intimidatória. O ser estupidamente interessante, proporcionalmente auto-confiante, e habilmente provocadora. A auto-confiança não se constrói. [E muito menos se adquire com roupa cara, diamantes, ou um marido arquitecto - erros de literaturas 'light' e pós-feminismo decadente]. A auto-confiança ou bem que está ou não está. É uma certa predisposição, uma forma de se (vi)ver. O poder provocatório que tempera a boa sedução só delicia porque brinca mais do que procura. Por isso é que uma natureza independente e descomprometida fascina mais que qualquer outra. O desprendimento prende.
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A feminilidade é mal compreendida por muitos. Não há nada menos feminino que imitar o outro. Por isso é que as feministas são geralmente muito pouco femininas, porque são obcecadas com um mimetismo do modo-de-ser masculino. A feminilidade tem de ter algo de criador e criativo. A tensão que surge no confronto com o carácter eminentemente destruidor e destrutivo do masculino é o que provoca faíscas num fogoso 'flirt'. A mulher-desafio é feminina por excelência mas tem sempre um lado masculino forte e aceite sem problemas. Um lado que fomenta a ânsia de poder sobre o outro mas que é sempre subtil. Nesta jogadora, toda a feminilidade é subliminar. De frágil, ela não tem nada. E é absolutamente deliciosa.

5 + 1 desejos

1. Que Cavaco ganhe à primeira volta;
2. Que Soares fique atrás de Alegre;
3. Que Cavaco tenha mais de 55%;
4. Que Louçã fique atrás de Jerónimo;
5. Que Louçã e Jerónimo tenham menos de 5%;
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6. Que se refiram os votos brancos e nulos (apesar de não contarem para os resultados).
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O ponto 5. justifica-se na medida em que seria justo que candidatos que não são realmente candidatos mas apenas pretendem fazer campanha partidária e dizer "presente", não recebessem um tusto do estado. Isso talvez ajudasse a dar alguma legitimidade maior às eleições e ao sistema eleitoral que temos - porque legalidade por vezes sabe a pouco. É preciso um pouco mais para ter um sistema [formalmente, não substantivamente] virtuoso.
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É curioso pensar sobre uma eventual desistência de JS. Ela acarreteria um custo (de oportunidade) financeiro muito provável (se ele viesse a ter mais de 5%) por um benefício eleitoral previsivelmente não positivo, dado que isso não iria mudar a hipótese de Cavaco ganhar à primeira volta - talvez prejudicasse até, via abstenção de algum eleitorado comunista. A razão pode ser que JS, como bom comunista que é, tem pavor a qualquer forma de individualismo. Lembremo-nos que a candidatura não é dele Jerónimo de Sousa, mas sim da entidade que dá pelo nome de secretário-geral do PCP. É uma candidatura colectiva. Coisas estranhas para o comum mortal. Enfim, coisas do Pê-Cê.

Eu voto Cavaco (3)

Diz o José Barros nos comentários:
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«Concordo com a tua crítica a Soares. Se não houvesse outros motivos, as prestações de um e de outro serviriam só por si para os apoiantes de Soares darem o seu voto ao Cavaco ou ao Alegre. Posto isto, não se trata, penso, de uma questão de valores civilizacionais. É pura e simplesmente uma questão de educação. Soares - nascido num berço de outro - não a teve. Há muita gente - a avaliar pelas reacções ao debate - que também sofre do mesmo problema.»
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Tenho que discordar ligeiramente de ti, meu caro. Para mim o respeito democrático pelo outro na arena pública é um valor fundacional da democracia em que vivemos. Como essa democracia é uma das bases da nossa civilização, segue-se (creio que sem demasiado exagero) que se trata de um valor civilizacional. Quando falamos não só de candidatos a PR, mas duma pessoa que é ex-presidente, o contexto só agrava o que já seria em si só deplorável.
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Quanto à educação, não tenho dúvidas que Soares a teve. Isso agrava o problema. Se ele não a tivesse, nós ainda dávamos um desconto. Mas como ele a teve, todos percebemos que aquela atitude é duma arrogância e sobranceria que está ao nível dos piores líderes africanos, que se acham no direito de fazer o que querem nas suas pretensas democracias. As reacções dos outros também não se justificam por falta de educação mas talvez por compadrio, ou medo, ou desonestidade intelectual (o "dois pesos duas medidas"). O Francisco Mendes da Silva apontou o desdém de Soares no Pulo-do-Lobo. O LAS foi dos poucos que referiram as reacções dos directores do Público e do DN no Blog da Causa Liberal. Acho no entanto que chamá-las de "ridículas" é pouco, mas claro que se percebe o que está por detrás disso.
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Quanto à história do "respeito" que eu disse ter perdido pela massa de pessoas que se identifica e aprova a conduta de Soares no debate, a palavra tem no contexto um sentido de "consideração". Não vou atrás de ninguém por terem opinião A ou B. Apenas reitero que quem defende Soares depois do que ele mostrou ser (mais do que o que ele fez) naquele debate, demonstra ter valores tão díspares dos meus no terreno da política (e da convivência democrática) que isso me faz perder alguma consideração por essas pessoas. Isto é puramente negativo e não positivo. Cada um tem direito a dizer o que quer e não há qualquer espírito de perseguição política. Isso não me impede de dizer que, muito democraticamente, tenho pouco respeito - leia-se: consideração - por quem tem ideias A ou B, pelo que revelam acerca de valores X ou Y que considero fundamentais.
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De resto, uma hipérbole de vez em quando não faz mal a ninguém para que se possam marcas certas diferenças fundamentais sem pejo. Entre o lamaçal das discordâncias mitigadas e a separação de águas que resulta duma crítica directa e dura, prefiro optar pela segunda sempre que e apenas quando estiverem em causa valores que considero essenciais. Como é o caso.

Raro

Encontrar uma mulher que me deixe intimidado. Raríssimo. Mas acontece. E é absolutamente delicioso.

21 dezembro 2005

A ler

Os dois posts de Luciano Amaral n'O Acidental. Eu fiquei com a mesmíssima impressão, naquela altura em que Soares o provoca com a história do Conselho Europeu. Juro que pensei que Cavaco se ia levantar e rachar ao meio a careca de Soares. Benditos ansiolíticos que ele deve ter tomado.

Eu voto Cavaco (2)

Vamos lá a ver se a gente se entende. Eu nunca pûs em questão, por um segundo que fosse, não votar Cavaco nestas eleições. [Ok, ponderaria o grande candidato Vieira numa noite de folia]. Já o disse várias vezes. O que eu escrevi ontem foi que não consigo compreender, nem respeitar (apenas tolerar, naturalmente) quem possa desejar como presidente uma pessoa como Soares. Eu não mudei de intenção de voto. Não consegui foi calar-me perante tamanha ignomínia. Aliás, confesso - imagino que seja ingenuidade minha - estar bastante surpreendido com as parcas reacções quanto ao debate e à pose de Soares na imprensa de hoje. As teias do poder têm destas coisas, deve ser isso. Ainda passei os olhos pelo blog do super Mário e confirmei que não há limites na politiquice de barricada. Aquilo é pura chacota, não é combate de boxe coisa nenhuma. Num combate de boxe há regras. E há um árbitro, o que não houve ontem também (mas isso são peanuts).
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Ontem falei com o João e fiquei descansado quando ele partilhou a mesma opinião, até porque no nosso encontro ele tinha referido o apreço que tem por Soares (o que eu compreendo). Não concordo é que o João diga que Soares tem a "pose do puto a quem roubaram a bola". Porque é isso mas é muito mais que isso. E não podemos esquecer-nos que ele já foi presidente. Imaginem que era Alegre ou Jerónimo ou Louçã (ou o grande candidato Vieira) a usarem aquele tipo de discurso contra Cavaco. O que não diriam os comentadores? Mas como é Soares, em vez de lhe exigirem mais, não : permitem tudo ao senhor burguês, que tem uma fundação, já deu aulas, viajou pelo mundo inteiro, escreveu livros, e por aí fora. O homem que mais ordena. Também entendo mas acho demasiado leve o "cabisbaixo" que o João usa (mas ok).
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O que insurge verdadeiramente é observar que parece que a Soares tudo é permitido. Critica-se João Jardim (e bem), critica-se o tom do debate Carrilho-Carmona (e bem), mas chega o senhor Soares e a ele tudo é permitido. Como ele é o animal político, pode morder, esquadrinhar, rasteirar. Tudo nele é combate político, muito por apadrinhamento da classe jornalística. Este é um dos grandes problemas de Portugal. Não da legitimidade das eleições (mais outra ideia peregrina do senhor octogenário), mas da maturidade do sistema político que temos e da independência real dos vários poderes. Se Soares era condescendente com Alegre, isso irritava e era condenável. Mas a soberba de ontem, a atitude de impunidade, mentira, calúnia, é para mim suficiente para qualquer pessoa com o mínimo de valores não votar naquele senhor. Que vote em qualquer dos candidatos, ou em branco, ou se abstenha. Votando Soares, não compreendo - nem respeito.
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Não é excesso nenhum dizer isto. Há coisas tão básicas que só podem ter respostas frontais. Soares não é democrata, é um senhor que julga que merece o lugar a que concorre porque é o maior. Votar soares seria como votar em alguém que se proclamasse racista ou negasse o Holocausto. A analogia é que são valores civilizacionais que estão em causa. Na postura de Soares revela-se uma forma de estar que não pode ser aceite em democracia. O senhor que se exile, compre uma ilha, e se coroe como rei e senhor dos peixes. Mas aqui em Portugal, divirta-se a escrever livros que já é bom.

Crime e Castigo (7)

«Não existe na terra um único homem que não seja capaz, de ânimo mais ou menos leve, de mandar matar o seu próximo. (...) Se, deste ponto de vista, os homens vierem a mudar, perderão a sua qualidade fundamental. Já não serão homens, mas uma espécie diferente de criaturas.

(...)

- A maior parte das pessoas evoluem num círculo idílico entre a casa e o trabalho - disse Jakub. - Vivem num território sossegado para além do bem e do mal. Ficam sinceramente aterradas ao verem um homem que assassina. Mas, ao mesmo tempo, basta fazê-las sair desse território tranquilo, para vermos as mesmas pessoas tornarem-se em assassinos, sem saberem como. Há provas e tentações a que a humanidade só se vê submetida de longe a longe na sua história. E ninguém resiste.

(...)

Porque pouco importava que o comprimido azul pálido fosse ou não veneno, o que contava é que ele (Jakub) julgava que era e apesar disso o tinha dado à desconhecida e nada fizera para a salvar. (...) Além disso, sabia que todo o homem deseja o morte de algum outro e que só duas coisas o desviam do assassínio: o medo do castigo e a dificuldade física do acto de matar. Jakub sabia que se todos so homens tivessem a possibilidade de matar em segredo e à distância, a humanidade desapareceria em poucos minutos. Portanto, tinha que concluir pela fatuidade total da experimentação de Raskolnikov.

(...)

Raskolnikov, quando assassinara à machadada a velha usurária, sabia perfeitamente que estava a ultrapassar um limiar aterrador; que transgredia a lei divina. (...) Raskolnikov, depois de ter matado a velha usurária, não tivera forças para dominar a formidável tempestade do remorso. Ao passo que Jakub, que estava profundamente convencido de que o homem não tem o direito de sacrificar a vida dos outros, não sentia remorsos nenhuns. (...) Raskolnikov viveu o seu crime como uma tragédia e acabou por sucumbir sob o peso do seu acto. E Jakub espanta-se por o seu acto ser tão leve, por não pesar nada, por não o acabrunhar. E pergunta-se se esta leveza não é bem mais terrificante do que os sentimentos histéricos do herói russo.»

[Milan Kundera, A valsa do adeus]

20 dezembro 2005

Eu voto Cavaco

Acabei de ver o debate e nunca pensei que Soares pudesse descer tão baixo. A má-criação, a condescendência, a pose relaxada do rei da barriga, a mentira, a calúnia, a deturpação, a arrogânica, tudo não teve limites. Cavaco deve ter tomado uma caixa inteira de ansiolíticos para se controlar e não se atirar fisicamente a ele. Será que alguém imagina que uma pessoa que se comporta daquela forma merece e pode ser Presidente da República? Como é que os directores do Público e do DN têm o descaramento de achar que Soares ganhou "tacticamente"? Mas não é óbvio que aquilo que ele fez é duma nojice, dum grau zero de respeito, duma filha-da-putice-política sem limites?
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A má-criação do tratamento por "ele". Que depois passa aleatoriamente para "Doutor Cavaco", "Professor Cavaco", como quem "eu trato esse tipo que está aí como bem me apetecer". Soares que, do alto da sua licenciatura com uma média desprezível, fala de si próprio como "professor", por ter dado umas quantas aulas na universidade. Querendo-se por ao mesmo nível que Cavaco, professor catedrático, que dá aulas há anos e anos. Soares que trata Cavaco por "economista razoável", dizendo que não tem problemas em fazer "esse elogio". Cavaco resiste. Os ataques ad hominem não param. Que Cavaco "não tem conversa", que em qualquer situação social não sabe falar senão de economia. E por aí afora. Não tirei apontamentos. Mas não consigo compreender como é que alguém pode ter visto o debate e ponderar sequer a possibilidade de ter Soares como representante máximo da nação.
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A soberba em Soares não tem limites. A baixeza atingiu o inalcansável. Eu acho que Cavaco devia ter respondido mais à letra ao que disse Soares, ou melhor, não respondendo mas apontando o nível de discurso dele. Não percebo os jornalistas da RTP. Se aquele tipo de discurso não merece da parte deles um reparo, atingimos o grau zero da qualidade do debate. O burguês vale o que vale no portugalito dos novos ricos e bem instalados. Bendito Cavaco que subiu a pulso e sabe bem o que é o valor do mérito. É esse mérito que parece faltar em tantos comentadores, que parecem não ter a coragem em enfrentar o establishment que Soares representa, os charutos partilhados, as comezainas deleitosas. Quem não denuncia a calúnia e o grau zero da política também não merece respeito. É isso que vamos poder ver amanhã nos jornais. Porque a verdade é esta: Soares esteve a anos-luz do que João Jardim nos habituou. Soares está perigoso, porque é uma besta acossada com uma vaidade desmedida que não tem correspondência no seu valor pessoal.
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A partir de hoje, declaro que perco qualquer respeito pessoal por quem considere votar Soares depois de ter visto este debate. Perco também qualquer respeito intelectual por quem ache que Soares possa ter ganho o debate. A partir de hoje, passo de secundário a primário. Não sou - nunca fui - cavaquista. Mas por força do contexto, tenho de ser apoiante incondicional de Cavaco face à ameaça que os outros candidatos representam. Só espero que Soares não apareça à minha frente nos próximos dias, que não sei se me controlo.

Crime e Castigo (6)

«Escuta, foste tu que me incitaste a ler Dostoievski. Por isso sabes o que significa ser arrastado para um mundo de mal absoluto. Algumas das personagens dele falam e procedem como se vivessem num mundo que nos é absolutamente desconhecido. Eu não lhe chamaria Inferno. É algo pior, mais complexo e mais subtil do que o Inferno. Nada de físico o pode descrever. Percebemo-lo pelas reacções dessas personagens, que encaram tudo de uma maneira imprevisível. Antes de ele escrever a respeito delas, não conhecíamos ninguém que pensasse como as suas personagens. E isso recorda-me... para ele não há uma diferença muito grande entre o idiota, o criminoso e o santo, pois não? Como entendes isso? Pretenderia Dostoievski dizer que somos todos de uma única substância? Em que diferem o diabólico e o divino? Talvez tu saibas... Eu não sei.»
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[Henry Miller, Plexus]

Almoço liberal

Amanhã (4a feira) parece que é difícil para o Pedro Picoito e para o Manuel Pinheiro. O Adolfo e o João Galamba podem amanhã (e imagino que nos dias a seguir). Eu posso dias 21, 22, 23, 26, 27, e 28. Como o António só vem dia 2 de Janeiro, propunha que marcássemos um almoço antes disso e depois a ver se combinamos uns copos quando ele voltar. Pedia que deixassem na caixa dos comentários a disponibilidade para os dias 21, 22, 23, 26, 27, e 28, nos seguintes moldes: A) Total-e-preferencial, B) Total-mas-não preferencial, C) Provável, D) Nula. Por exemplo, a minha disponibilidade é: 21-A, 22-C, 23-A, 26-B, 27-B, 28-B.
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PS: Adolfo, não te atrevas a criar novas categorias! :-)

Quizz nº 4 (ongoing)

A resposta está para breve. Façam as últimas apostas.

Crime e Castigo (5)

«Todo o homem é um criminoso que se ignora.» [Albert Camus]

Day after

Grande noite, gostei. Pluralista, individualista, e muito fluída. Um equilibradíssimo cocktail liberal-comunitarista. Houve revelações bombásticas de alguns bloggers que ficam guardadas no segredo dos deuses. [Ou até à publicação dum livro de memórias de um de nós - quem sabe]. Por geração absolutamente espontânea, apareceu-nos esta menina. Dos ilustres presentes que tivemos o prazer de conhecer, o João só se esqueceu da Ana* e da MJA. Eu, ele, e o Manuel Pinheiro, estamos determinados a almoçar holisticamente com os meninos Fuguianos e o católico-heterossexual Pedro Picoito (sic) um dia destes. Proponho um dos dias 26-28**. E agora, o Sol chama por mim. Para espanto de alguns de alguns - vou correr.
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*e o tipo a quem ela estava agarrado era de facto o namorado dela, vê lá os trinta-e-uns que ainda arranjas!
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**o António não está cá de 22 a 2. Assim, restam os dias dia 21 (amanhã) e dia 3. Contem coisas.

Crime e Castigo (4)

«Raskolnikov que matara para saber se o homem tem o direito de matar um ser inferior e se teria forças para suportar esse assassínio; através do assassínio, interrogava-se acerca de si próprio. (...) Raskolnikov perguntava a si próprio se o homem de talento tem o direito de sacrificar uma vida inferior em nome do seu próprio interesse.»
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[Milan Kundera, A valsa do adeus]

19 dezembro 2005

Crime e Castigo (3)

«[Raskolnikov falando...] Numa palavra, concluo que todos os homens, não direi os grandes, mas todos os que estão acima da mediania, ou seja, os capazes de dizer algo de novo, concluo que devem absolutamente, pela sua natureza, ser criminosos... mais ou menos, naturalmente. De outra forma ser-lhes-ia difícil sair da vulgaridade. Quanto à minha divisão dos homens ordinários e extraordinários, convenho que é um pouco arbitrária. Duas categorias: a inferior, dos indivíduos ordinários, que são, por assim dizer, o material destinado à reprodução da espécie; a dos homens propriamente ditos, i.e., que possuem o dom ou o talento de proferir no seu meio, une parole neuve. A primeira é a dos conservadores, os que gostam de obedecer e ser obedecidos. A segunda transgride a lei, é a dos destruidores ou dos que tendem a sê-lo, consoante as suas capacidades. Na maior parte do tempo reclamam a destruição do presente com vista a um futuro melhor. Mas se necessitam, para a sua ideia, de passar por cima de um cadáver, podem tomar essa liberdade (aliás, note bem, sempre em proporção com a sua ideia e envergadura). Eis em que sentido falei, no meu artido, do direito ao crime.»
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[Dostoievsky, Crime e Castigo]

18 dezembro 2005

Copos & afins

Parece que é amanhã, 2a feira, dia 19, 7h30 onwards. O local de encontro será comunicado por email aos interessados*. Como gosto muito de simetria informacional, lembro-me sempre do senhor H. Lecter, e o seu sussurro petrificante: quid pro quod, Clarice, quid pro quo...
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*quem tencionar aparecer e ainda não tenha saído do armário, poderá fazê-lo enviando um email ao João (e não a mim, que não devo estar online amanhã).

No Frágil

Crime e Castigo (2)

«Só há duas espécies de seres humanos: os que mataram e os que não mataram.» [Colette]

Silogismo nº 3

Vale a pena ler os comentários do Luís Pedro a este post.
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Ultrapassando a dificuldade que está inerente à definição de «escolha» no Silogismo nº 1, o Luís propôs no Rabbit's Blog um outro silogismo que permite, partindo duma premissa liberal, extrair a mesma conclusão. Sendo menos abrangente, porque não aborda a questão da escolha, é também mais eficaz. Ei-lo:
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Premissa 1 (princípio liberal)
Todo o acto que não prejudique terceiros e seja benefício dos partipantes é moralmente inatacável.
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Premissa 2 (facto/evidência)
Um acto homossexual consentido não prejudica terceiros e beneficia os participantes.
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Conclusão (corolário liberal)
Um acto homossexual é moralmente inatacável.

17 dezembro 2005

Crime e Castigo (1)

É um dos livros da minha vida. [Lugar-comum ou não, pouco me importa. É-o e isso basta-me.] Como não tenho grande inclinação para falar em público de livros que me marcaram, opto por dar a palavra a outros. Assim, nos próximos dias publicarei uma série de excertos lidos aqui e acolá, para que não fiquem arquivados depois de chegarem as Janeiras. Se já tinha planeado publicar isto há muito tempo, o interesse que a Inês S. revelou na obra só fez aumentar o desejo de os partilhar. Espero que proporcionem umas boas digressões...

Quizz nº 4

Este quizz também é bem conhecido. Num concurso de televisão, um concorrente tem 3 portas à escolha. Numa delas está um carro. As outras duas estão vazias. O apresentador sabe onde está o carro. Inicialmente, o concorrente escolhe uma das três portas. [A porta eventualmente só é aberta no final - calma]. De seguida, o apresentador, de entre as restantes duas portas, decidi abrir uma que não contenha o carro. Nesta altura, há duas portas à escolha (a inicialmente escolhida pelo concorrente, e a remanescente, que não foi aberta pelo apresentador). De seguida, o apresentador pergunta ao concorrente se ele deseja manter a sua escolha inicial ou mudar para o outra porta.
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O que deverá o concorrente fazer? Porquê?

Quizz nº 3 (resposta)

Muitas respostas certas a este conhecido quizz, incluindo Miguel Madeira, Pedro Romano, jcd, Luís Alves e Sector 32. Vejam as respostas dadas nos comentários. Uma resposta possível é «Se eu perguntasse ao teu colega qual era a porta do céu, o que indicaria ele?». Neste caso, ambos indicariam o Inferno, porque a "verdade da mentira" e a "mentira da verdade" apontam a mesma solução. Há outras respostas possíveis. O quizz nº 4 é também conhecido e relativamente simples. O quizz nº 5 é um pouco mais complexo, e ficará para daqui a uns dias.

16 dezembro 2005

Copos & afins

A Alaíde apontou, e bem, que dia 20 é o debate Soares-Cavaco. Assim, melhor mudar o encontro-confraternização para 2ª ou 4ª feira.

Mulheres e blogo-politiquices

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Que seja uma certa senhora famosa, mui admirada e estimada da blogosfera, sempre tão citada e tão citadora, muito "leve" e com "boa onda", a dizer este tipo de banalidades, num contexto blasé - a gente entende perfeitamente. Mas que seja o PPM a dizê-lo com um ar sério, deixa-me um bocado surpreendido. É que se é sério, tem um toque de agressividade e falaciosidade irritante. Que amostra tem o PPM para dizer tal coisa? Tem a certeza que certas senhoras de direita são representativas da direita? E conhece muitas senhoras de esquerda? E como é que afere a "inteligência" das senhoras presentes na festa no Frágil? Será que são automaticamente inteligentes por 1) serem de direita, ou 2) terem ido à festa?
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Poderão achar que este post é ridículo. Em parte, é-o, de facto. Mas estas pseudo-constatações, que nem sabem a provocação misógina, nem a provocação não misógina, nem a provocação nenhuma, nem a nada, quanto a mim são sinceramente difíceis de entender. É que não há uma ponta de ironia ou piada nisto. Parece que PPM está a dizer uma verdade científica ou a botar sermão dominincal. Numa espécie de marialvismo bacoco, como quem dizer «As nossas gajas (de direita) são as melhores, carago!». Juntando depois o politicamente correcto «E são as mais inteligentes», só para não parecer mal. Típico de certo machismo luso e paternalista para com as mulheres.
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A Raquel Gomes Freire ainda tem paciência para responder seriamente, dizendo que «Não é pela ideologia que se chega lá, palavra de mulher que desistiu de situacionismos e vota em branco.» Devia ser óbvio que não é. Mulheres bonitas e inteligentes há muitas, e é bem possível que para cada indivíduo exista uma forte correlação entre certa apreciaçãoe estética e a tendência política da visada. Há quem goste mais de betinhas, há quem goste mais de freaks. Há quem prefira as meninas da Católica e há quem prefira as meninas da Faculdade de Letras. Quem goste de gestoras, advogadas, actrizes, bailarinas. Quem só queira meninas que vão à Kapital ou ao Jamaica.
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Grupos sociais há muitos e para todos os gostos (Darwinismo social, o quanto permites - hurray!). E a estética é isso mesmo - subjectiva. Por isso é que dizer esta coisa meio séria e sensaborona mais do que uma vez me causa algum espanto, e uma levíssima urticária. Quase me apetece dizer -sem paternalismos - «Mulheres de todo o mundo, uni-vos!» É que tanto politicamente correcto sem gracinha nenhuma, com pozinhos de barricada e de auto-alimentação grupal permanente, já cansa um pouco.

O adeus

De Miguel Sousa Tavares, depois de 14 anos a escrever no Público. Uma partida que merece ser assinalada. Ao que parece, poderemos lê-lo no Expresso a partir de Janeiro. A ver.

(Pré-aviso)

Como disse aqui, em Janeiro esta casa entra em licença sabática bastante prolongada e com eventual regresso sine die.

Quizz nº 2 (resposta)

Acertaram na resposta o Luís Alves, o Miguel Madeira, o Manuel Pacheco, o CMF, o Karloos, o Ra, e o jcd. Parabéns a todos. Aqui fica uma proposta de resposta para as duas perguntas.
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Há alguns dados que indiciam o tipo de «regra» que será acordada. Primeiro, as únicas respostas possíveis são «Sim» e «Não». Segundo, poderá haver no máximo uma resposta errada. Esta será, a ter lugar, necessariamente a resposta da primeira pessoa a responder. Porquê? Porque as pessoas vão combinar uma regra que permita que através da resposta «Sim» ou «Não» da pessoa nº 100 todas as outras possam responder acertadamente e com toda a certeza. Por outras palavras, a resposta da pessoa nº 100 será informativa para todas as outras 99 pessoas, e, consequentemente, será verdade ou mentira por mero acaso (dependendo do chapéu que lhe calhou, que é aleatório).
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E qual a informação que precisa ser transmitida? Neste problema, cada pessoa consegue ver todos os chapeús à sua frente. Logo, a pessoa 99 vê 98 chapéus à sua frente. Se a pessoa nº 100, que vê 99 chapéus, conseguisse indicar o número total de chapéus brancos que ele vê nesse conjunto de 99 chapéus, a pessoa nº 99 conseguiria deduzir a cor do seu chapéu, já que ela consegue ver 98 chapéus e a diferença entre os dois conjuntos é o seu próprio. Esta é a chave do problema.
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O passo final é perceber que como as respostas são binárias - «Sim» ou «Não» - a informação terá que ter um carácter binário. A resposta é a seguinte: as pessoas combinarão que o «Sim» da pessoa nº 100 indicará que o número de chapéus brancos é par, e o «Não» indicará que o número de chapéus brancos é ímpar. Desse modo, a pessoa nº 100 será a única a dar uma resposta eventualmente errada, já que ela não responderá à pergunta per si, mas antes dará informação a todos os outros, aproveitando o seu conjunto privilegiado de informação.
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Quanto à segunda pergunta, e como o número de chapéus brancos é escolhido posteriormente e pode ser qualquer número entre 0 e 100, a única forma binária de comunicar o número total de chapéus é de facto usando o par/ímpar. Logo, não haverá mais nenhuma resposta. Vejam outras respostas aqui.

Tertúlia (4)

Dia 20, 3ª feira, fim de tarde, Lisboa. Enviem um email para aforismos_e_afins@yahoo.co.uk se tencionarem aparecer com alguma probabilidade (tendo isto em conta), para fazermos marcação. Grazi.
Vejam também o convite que o João Galamba fez.

15 dezembro 2005

Quizz nº 3

Este quizz é bastante conhecido, mas ainda assim aqui fica. Um indivíduo pretende ir para o Céu. Existem duas portas: Céu e Inferno. Ele não sabe qual é qual. Existem dois guardas, um em cada porta. Um diz mentiras, outro diz verdades. O indívíduo sabe isto, tal como o sabem os guardas (isto é, cada um sabe que o outro só diz verdades/mentiras). Ele também não sabe qual é o guarda que está em cada porta. Ele vai poder fazer uma única pergunta a um guarda antes de decidir qual porta vai escolher. Logicamente, ele não sabe se o guarda a quem ele vai fazer essa única pergunta está a guardar o Céu ou o Inferno, nem se ele é o tipo que só diz mentiras ou que só diz verdades.
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Que pergunta vai ele fazer? Porquê? Como chegou a essa resposta? Haverá mais alguma?
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PS: Dúvidas e respostas nos comentários ou por email. A resposta ao quizz nº2 será dada hoje. Eis uma DICA para o quizz nº 2: as respostas possíveis são mesmo só DUAS, Sim e Não. Portanto, binárias... Houve 3 ou 4 leitores que levantaram a hipótese de as pessoas usarem entoações diferentes de voz. Isso seria excelente como truque de "pensamento lateral". Mas neste caso só há mesmo duas respostas possíveis... e não quatro.
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Nota: o Miguel Madeira acertou numa resposta possível. Há duas, creio. O Luís Alves acertou na outra. Deixo o desafio a ambos de tentarem encontrar uma outra resposta possível. Parabéns aos dois. Adenda: o Miguel Madeira já deu duas respostas certas. Desafio-o ainda a descobrir uma terceita, que é do mesmo tipo que a segunda que ele deu, isto é, condicional.

Com "eles no sítio"

Pedro Marques Lopes e Manuel Castel-Branco declaram ir votar em Alegre na 1ª volta. Não partilho a intenção, mas gabo-lhes a coragem de o assumirem de forma tão frontal e nada acidental.

14 dezembro 2005

SI DA e Economia - esclarecimento

O artigo SIDA e Economia gerou alguma controvérsia, o que é bom sinal. Respondo aqui aos vários comentários gerados, fazendo algumas notas prévias: I) o limite de palavras convida à omissão de factos que I.1) sejam do senso comum, I.2) sejam entendíveis no contexto, I.3) reforcem o argumento apresentado; II) o limite de palavras obriga a que se tenham de fazer escolhas sobre os sub-temas a tratar, sendo uma regra base escolher os sub-temas II.1) mais importantes, e II.2) não demasiado técnicos.
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O Bruno Gonçalves levanta várias questões neste seu post:
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1. «Primeiro de tudo, não se compreende bem a relação que o título nos aponta. (...). Faz-me confusão a palavra economia no meio de tudo isto, apenas isso.»
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A Economia é a ciência da escolha. Estuda as escolhas individuais, tendo como base analisar os incentivos que as pessoas têm para escolher A e não B. Baseia-se na hipótese de que em qualquer sitação os agentes tentarão, restringidos no seu rendimento, informação, tempo, etc, escolher o que mais lhes convém. Pena é que tanta gente ache que Economia é défice público e OTA e balança comercial. Também é isso. Mas só em segunda análise, porque por detrás dessas dimensões "macro" estão sempre indivíduos e as suas escolhas. A economia não é a única ciência a estudar o comportamento humano e as escolhas. Tem uma determinada abordagem e uma metodologia que difere, por exemplo, a psicologia. A última estuda mais as motivações ou preferências das pessoas, enquanto a economia estuda a forma como elas se efectivam perante certos incentivos, nomeadamente os "preços" (entendidos em sentido lato, e não estritamente mercantil). Não é exaustiva mas é muito poderosa.
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Recebi hoje um email dum leitor que dizia o seguinte:
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«Se há coisa que aprendi contigo nestes últimos tempos é que a economia é a ciência das escolhas. Para mim a economia sempre foi coisa obscura; as páginas dos jornal que eu passava mas depressa, os gráficos de bolsa que nada me diziam, etc.; assuntos pelos quais não nutria interesse algum... Hoje, graças a ti, percebo que ela se pode lançar a qualquer assunto na sua visão paradigmática (que sempre me assusta) de perdas e ganhos.»
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É isto mesmo. A economia pode abordar qualquer questão. Por isso é que eu comecei a crónica com um «A decisão sobre o uso do preservativo é uma decisão feita num ambiente de incerteza.» Ou seja, sugiro que vamos falar de decisões/escolhas em que o resultado emvolve incerteza. E tem sempre em consideração custos de benefícios individuais de determinada acção. Por isso mesmo, repito, não é exaustiva. Porque há escolhas onde uma análise puramente instrumental e/ou eivada de individualismo metodológico não é suficiente (por exemplo: a escolha do voto). Resumindo: a tua noção do que é a Economia enquanto ciência, caro Bruno, é redutora e errada.
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2. «Segundo, o artigo apenas refere a relação entre o preservativo e a SIDA. Tenho a certeza que se o Tiago tivesse maior espaço teria abordado outras questões, mas creio essencial nesta discussão apercebermo-nos que o preservativo não tem apenas efeitos profiláticos na SIDA. Esta é provavelmente a doença mais mediática, mas este meio é eficaz na prevenção de várias doenças infecciosas e em alguns tipos de neoplasias.»
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Acertaste na razão - que é a I.3) - mas não percebeste o porquê. É que esse argumento só reforça a ideia sobre as externalidades, uma vez que há mais doenças que podem ser transmitidas. Acrescento um ponto que deve ser subentendido do texto: uma pessoa só pode contrair HIV numa relação se alguém estiver infectado. Logo, o problema é a pessoa poder estar infectada e não o saber, e transmitir a outros sem ninguém se aperceber, e assim sucessivamente, num potencial efeito "bola de neve".
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3. «Terceiro, é um dever do Estado zelar pela saúde dos seus cidadãos e mantê-los informados de todas os factos que estejam relacionados com casos de saúde pública. Este é um desses casos.» .
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Não concordo. A tuberculose é um problema de saúde pública, porque pode ser transmitida num contexto público. A SIDA tem a ver com comportamentos privados. Uma coisa é ela ter um carácter epidémico, no sentido estrito da forma de propagação. Outra é ser do foro público. Não é. Se me falares no facto das pessoas (eventualmente) terem que pagar impostos para custear tratamentos de outros, isso é outra questão. Mas enquanto doença, é do foro privado. como excepção, admito que possa ser considerado um "flagelo público" em países africanos onde a taxa é de tal modo alta que põe em risco a sobrevivência da própria nação. Isto nunca seria mencionado pela razão II.1), já que falamos do contexto de Portugal, e isto seria acessório.
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4. «A profilaxia envolve as duas vertentes, de informação e de meios técnicos. O que se põe em causa no artigo é a relação, ou melhor o favorecimento de um em detrimento de outro. O Tiago não é muito explícito quando explica que a informação deve ter um tratamento especial. Refere que "Um estado que respeite a esfera privada de cada um devia apostar na informação". Sinceramente não compreendo. De que maneira o subsíduo à venda de preservativos ou de qualquer outro método profilático, pode interferir na esfera privada do cidadão, colocando em causa o respeito pelo indivivíduo?»
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De facto entendeste-me mal. O que eu disse é que um estado não paternalista (exceptuando o caso das crianças e adolescentes, mas isso é outra história complicada - falo aqui apenas de adultos) não deve dar conselhos e recomendações aos seus cidadãos, tipo «Não fume», «Não beba», «Use preservativo». Deve dar informação, do tipo «Se fumar, X», «Se beber, Y», «Se não usar preservativo, W». Pode mudar os preços para fomentar certos comportamentos (ex: impostos altos para o tabaco). Mas tem de deixar ao critério de cada um fazer a sua escolha. Volto a sublinhar que pode haver uma questão relacionada com a forma como são pagas as despesas eventuais de sáude com estas pessoas. Já lá vamos. Mas o ponto da "vida privada" é só esse. O estado não tem nada que se meter na vida de adultos. O subsídio a preservativos claro que não põe em causa nada disto, foi mesmo incompreensão tua neste caso.
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O meu ponto com a informação é que o estado devia dizer, por exemplo, os riscos de contaminação (assumido que uma das pessoas está infectada e não o sabe) de sexo oral, vaginal, e anal, heterossexual e homossexual, para a pessoa activa e passiva, em cada uma das situações. Imaginas alguém a falar disto? Era isso que eu referia no artigo quando falava de "comportamento A ou B". É que em vez do generalista e paternalista «Use preservativo», o estado, e apenas porque lhe cabe um papel informativo, devia apostar na informação. Na margem (todo o economista saberá isso), se um comportamento B for menos arriscado que A, as pessoas tenderão a substituir A por B, ou seja, a praticar mais actos A do que B. Isto são tudo efeitos marginais. Não quer dizer que B deixe de se fazer. Apenas ocorre, inevitavelmente, um efeito substituição de A para B. Há alguns papers interessantes sobre isto.
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A Ana diz nos comentários o seguinte:
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5. «Só dois pontos:- o seu artigo da a ideia que perante uma externalidade o Estado tem de intervir; esta nao e uma posicao incontroversa, pelo que me parece que a assertividade e excessiva neste ponto;- ainda que achasse que o Estado tem de intervir, poderia ter clarificado no seu artigo a possibilidade de ele o fazer ao nivel de outros factores que determinem as preferencias (exemplo: busca de "status").»
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Tem toda a razão no primeiro ponto. A intervenção justifica-se numa óptica de "eficiência económica", mas esta não é a única aceitável. Por exemplo, haverá quem ache que não se deve subsidiar actividades, pura e simplesmente, porque os impostos são um "roubo". Haverá também quem tenha problemas "morais" com um subsídio a preservativos. O ponto era apenas frisar que existe uma externalidade, e que isso sugere intervenção estatal para melhoria de eficiência. Haverá quem ache que isto é "socialismo", como achará isso de qualquer intervenção estatal. Aceito o ponto da Ana. A omissão do "disclaimer" que fiz aqui deve-se à razão I.2). E também por achar que, como falamos de prevenir futuros casos de SIDA, será (na margem) mais aceitável (do que em outras questões) que se opte por uma perspectiva de eficiência económica, já que se trata de ajudar a "salvar vidas"u.
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Quanto ao "status", confesso que não entendo bem o ponto que quer fazer. Assumo que a ideia seria o estado fazer campanhas de publicidade, etc, em que usar preservativo passasse a ter um certo "status", digamos assim. Se é isso, discordo por duas razões. Primeiro, acho que o estado não deve intervir dessa forma. Segundo, não acho que isso fosse eficaz de qualquer modo, porque o "status" é por definição (ou pelo menos em grande parte) um fenómeno do foro social e não privado. Logo, usar ou não preservativo - porque não é verificável socialmente (muito menos de forma imediata, como é ter o autocolante da dádiva de Natal), estaria para além do "status".
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Temos também bastantes comentários de Biafra:
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6. «Uma questão ainda mais importante é avaliar para os diferentes grupos (com diferentes graus de risco) qual a elasticidade da procura de preservativos face ao preço. A meu ver (e por experiência de vida) ninguem FODE ou deixa de FODER (podes sensurar à vontade) por não querer gastar mais ou menos dinheiro em preservativos (isso é pura imaginação).»
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Na margem, haverá sempre, se a pessoa considerar o uso obrigatório, um efeito marginal, por pequeno que seja. Admito que na realidade seja muito pequeno, mas nulo não será. De qualquer modo, a avaliação das elasticidades dos diferentes grupos poderia parecer discriminatória, já para não referir difícil de implementar. Excepções seriam grupos que estão concentrados de forma óbvia, como estudantes do secundário ou do ensino superior. Aí admito que haveria espaço para ajustar políticas (de resto, isso faz-se hoje em dia, pelo menos aqui em Inglaterra, onde os preservativos são gratuitos para os estudantes, ainda que racionados). Este ponto, interessante, é omitido por II.1) e II.2).
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7. «E até desculpar essa não utilização por falta de informação é distorcer (a meu ver) a realidade. Não se trata de informação, mas sim de instrução/educação. Trata-se de fazer o individuo perceber qual o custo de oportunidade entre não ficar infectado e dispender Unidades Monetárias que cobram o risco de infecção vs o prazer físico a mais que teria não utilizando preservativo e aumentando a probabilidade de infecção (unidades de prazer carnal vs risco de infecção).»
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Era exactamente isso que eu queria dizer quando enfatisava o papel da informação, em lugar da recomendação.
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8. «À semelhança de uma empresa, os custos deverão ser imputados sempre aos respectivos centros de responsabilidade (o individuo). Por mais liberal que essa ideia possa parecer o que sempre me irritou é esta ideia de vitimização constante das pessoas. (...) Parece-me que estamos demasiado habituados/dependentes do paternalismo estatal como forma de nos desresponsabilizarmo-nos pelos nossos actos.»
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Subscrevo a sua crítica, mas acho que ela não faz sentido no contexto do meu artigo. Eu nunca pûs em causa a responsabilidade individual, muito menos apelei a qualquer teoria da vitimização. O que eu disse foi simplesmente que, por mais responsabilidade que os indivíduos sintam em si mesmos, por mais informação que tenham, a decisão de usar preservativo ou não vai sempre esquecer, na parte ou no todo, os benefícios conferidos a parceiros futuros. Essa externalidade é inabalável. Não é dependente de outros factores. Existe sempre. E sugere intervenção do estado com base na eficiência económica. Parece-me que só o Miguel Madeira é que terá percebido este ponto inteiramente. Ou seja, o argumento do subsídio não tem nada a ver (na minha argumentação, poderá ter na de outros, admito que sim) com o estar dependente ou não do paternalismo estatal. Aliás, eu insurjo-me contra esse paternalismo, logo, estaria em contradição se tal defendesse.
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No Causa Liberal, o CN diz o seguinte:
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9. «Faz-me lembrar o exemplo comum usado por parte (cada vez menor, espero) dos economistas para falar das externalidades: as barragens. Parece que é um problema que algumas possam, de alguma forma, beneficiar de "borla" com as decisões económicas de X, por isso, devemos obrigar Y a participar e a pagar. Mas desde quando é que vem mal algum ao mundo pelo facto de (...) alguém beneficiar com acções de terceiros? Por acaso gostariamos que fosse ao contrário? E isso é suposto justificar o... Estado? No caso da SIDA o caso até é mais fácil, em cada acto de risco, as pessoas tomam uma decisão cujos efeitos (os bons e os maus) recaiem sobre as duas de forma voluntária. A "sociedade" arranjará formas de reagir, seja pelo provável aumento do valor das relações de fidelidade e monogamia e outras.»
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O argumento é simples: existem exernalidades positivas, logo, numa lógica de eficiência económica, o óptimo social só será atingido se houver um subsídio à actividade que o gera. Que o CN ache que o estado não se deve preocupar com a eficiência é aceitável. Que o CN negue que existe uma externalidade, isso já me parece pouco aceitável. Eu admiti em cima que a lógica da eficiência não é única. Não percebo bem como é que o CN pretenderá justificar o estado sem passar pelo problema das externalidades (recordo que problemas de bens públicos e free-riding são casos especiais de externalidades). Quanto ao facto do acto ser voluntário e da sociedade reagir, só posso concordar. Haverá sempre reacção a todo e qualquer incentivo. E a escolha é livre. O ponto é que, sendo livre, não engloba nela todos os benefícios que o uso do preservativo acarreta. Nada de especial.
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N' A Arte da Fuga, diz o António Amaral:
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10. «A acção social do Estado "social" é frequentemente justificada pela necessidade de reduzir os riscos do dia-a-dia aos cidadãos, distribuindo os custos por todos. Como consequência, não só os cidadãos passam a não serem responsáveis pelo seu bem-estar, como vêm a sua percepção de risco pessoal ser embotada (...) Quando o risco é assumido pelo indivíduo, que passa a ser responsável por todas as consequências que advenham das suas acções, a sua escala de valores é questionada: é obrigado a ser consequente com as suas decisões. (...) Os valores da liberdade e responsabilidade deven ser ensinados, sem relativismos. E a Saúde Sexual não deve ser excepção, sejam quais forem os tabus...».
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Concordo inteiramente contigo. Há um trade-off entre responsabilidade e liberdade em geral. Mas repara que aqui eu apenas friso o ponto da externalidade. Eu não defendi o subsídio com base no paternalismo (antes pelo contrário) ou da "solidariedade". Meramente com base na eficiência, como forma de corrigir uma externalidade. Mas admito que na prática uma tal medida fosse percepcionada como sendo mais um encosto estatal, no contexto em que vivemos. ainda bem que para ti parecem não haver tabus - tens que te por a falar disso um dia :-)
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11. «Este seria o comportamento por defeito, mas alega-se que o "mercado" tem falhas, e que o Estado tem de garantir a "liberdade de escolha" aos que não querem adoptar comportamentos consequentes ("pagar mais")— à custa de todos, particularmente dos mais responsáveis e socialmente conscientes. É um esquema vicioso de solidariedade forçada, que acaba por ter efeitos perversos sobre a sociedade, porque destrói valores que promovem a sua coesão.»
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Por partes. Eu disse que o mercado aqui tinha uma falha e que numa lógica pura de eficiência económica, era recomendado um subsídio. Que a palavra "susbídio" esteja impregnada duma conotação má, não é culpa minha. O meu discurso é estritamente positivo e não normativo. Eu apenas digo que se atentarmos a uma lógica de eficiência, deve haver um subsídio. Já disse que esta lógica não é a única possível, mas julgo que é fulcral. Logo, não faz sentido falar no estado "garantir liberdade de escolha", porque não é isso que eu defendi. Por outro lado, qualquer esquema de redistribuição (ou "solidariedade forçada", como tu dizes, apesar de ser um paradoxo, mas ok) tem necessariamente efeitos perversos. Isso é inabalável. Ou se defende alguma redistribuição ou não. Os efeitos perversos existirão sempre. Por isso, o que importa é avaliar o que está em causa. É certo que a partir dum certo nível, essa redistribuição porá em causa alguma coesão, mas também me parece verdade que a ausência de qualquer redistribuição pode por em causa essa coesão, para não falar doutros valores.
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Há alguns comentários no próprio artigo que contém pontos adicionais aos já mencionados. Diz a Paula:
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12. «Resposta ao título do artigo: não, não deve. O Estado deve ter mais coisas com que se preocupar. Deveria sim promover a criação de instituições educativas que saibam que "debitar" receitas de Bom Comportamento (...) Indivíduos formados para saberem fazer previsões racionais acertadas de cálculo de risco num comportamento sexual é melhor do que sobrecarregar o Estado com essa tarefa.».
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Este argumento não tem qualquer validade. Ninguém põe em questão que não haja outros assuntos mais urgentes. O que se trata aqui é de pensar sobre determinado problema, que é bastante sério. Dizer que há coisas mais importantes, em si mesmo, é apenas fugir ao debate. Quanto às "receitas" de "Bom Comportamento", tal como estão descritas, cheiram-me a racionalismo estatal muito muito perigoso. De qualquer modo, educação é precisa, claro. O ponto final da Paula também me parece criticável porque ninguém quer "sobrecarregar" o estado com "essa" tarefa. A escolha será sempre do indivíduo. O que se pede é mais informação. E menos recomendação paternalista. A par de educação? Sim, claro. Ainda que não (necessariamente) nos moldes que a Paula parece sugerir. Mas uma coisa não invalida a outra.
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13. «Mas, sem duvida, que o perservativo dá uma contribuição positiva e tem beneficios "colaterais". (...). Penso que a contaminação heterosexual resulta da "comédia de enganos" que envolve muitas relações sexuais.»
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O VG, para além de corroborar a ideia (que é de facto um "facto", e não uma opinião) dos "efeitos colaterais", frisa um ponto importante: meio mundo anda a enganar meio mundo, e não é só nas novelas. Isso será provavelmente uma das causas para a subida nos casos de infecção em heterossexuais. Julgo que o facto de em cada 8 casos infectos, 7 serem heterossexuais seria suficientemente importante para merecer um artigo. A complexidade do tema e os seus emaranhados proporcionam grandes e agradáveis discussões, isso é certo.
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Só agora reparei que o Brainstorm também escreve algo:
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14. «E as externalidades negativas de semelhante subsídio? Porque devem, por exemplo, os casais monógamos pagar pelas "orgias"(!) sexuais de outros?Aliás, considerando a elevada “assimetria informacional” referida no artigo, actuais parceiros sexuais podem assumir que, em passadas relações, a outra parte usou sempre o preservativo subsidiado.»
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Tecnicamente, os "impostos" pagos para subsidiar o que quer que seja não são externalidades. Externalidades são efeitos colaterais que não passam pelo sistema de preços de mercado. Eu defendi acima que a lógica da eficiência não é única. Tremo um pouco com a lógica anarco-capitalista do Brainstorm, CN, e demais austríacos, mas compreendo-a. Quanto ao último ponto, está errado, pura e simplesmente. Se existe assimetria informacional, o efeito marginal disso é levar as pessoas - na margem - a utilizar menos preservativos do que se houvesse mais informação, porque isso é relativamente mais apetecível. [Repito: na margem]. Tal como se instalares câmaras de CCTV nos supermercados, os roubos diminuam, porque o roubo é na margem mais caro, já que a probabilidade de a pessoa ser apanha é maior. Exactamente o mesmo se passas numa relação sexual com inforamção assimétrica. Simples.
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Vejam também os comentários (já respondidos) no Mão Invisível.
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Não percam os comentários do Manuel Pinheiro na caixa deste post e também n'A Arte da Fuga.